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Alocação Equilibrada de Poderes Tributários entre Estados Membros

No documento Impostos de saída : fundamento e limites (páginas 56-59)

PARTE I DO FUNDAMENTO DOS IMPOSTOS DE SAÍDA

4. Origem e Fundamento dos Impostos de Saída

4.2. Fundamento dos Impostos de Saída sobre as Pessoas Singulares

4.2.5. Alocação Equilibrada de Poderes Tributários entre Estados Membros

Por fim, os Governos invocam a alocação equilibrada de poderes tributários ou princípio da territorialidade associado a uma componente temporal. Este relaciona-se com uma eficiente divisão dos poderes tributários entre Estados Membros, nos termos do princípio da territorialidade, usando como critério de conexão a residência (pro rata temporis) durante o período em que o sujeito passivo foi residente no Estado de emigração. Todos os rendimentos gerados durante o período em que o sujeito passivo residisse nesse território seriam nele tributados, enquanto, após a transferência de residência para outro Estado (Estado de imigração), os rendimentos verificados no território do Estado acolhimento durante o período de residência seriam tributados neste Estado. Assim, proteger-se-ia a receita tributária gerada à custa dos benefícios oferecidos por cada Estado.

Apesar de não ter sido aceite em Lasteyrie du Saillant104, esta causa justificativa foi admitida

em N105. Em Lasteyrie du Saillant106, o Advogado Geral Jean Mischo entendeu que, os critérios de

repartição dos poderes tributários se integravam na soberania fiscal e, por conseguinte, competiam ao Estado soberano. No entanto, exigia que a norma devia estar em conformidade com o Direito da União Europeia107. O TJ apoiou esta argumentação considerando que o que

relevava não era se o Estado Francês (naquele caso) tinha competência para tributar as mais-

104 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça Lasteyrie du Saillant… cit., § 68. 105 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça N…. cit., § 46.

106 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça Lasteyrie du Saillant… cit., § 68.

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valias potenciais, mas se os meios utilizados estavam em conformidade com o Direito da União Europeia108.

Para nossa surpresa, em N109, o TJ não foi da mesma opinião e justificou a norma como

um mecanismo de alocação dos poderes tributários entre Estados Membros. Para tal, referiu que na ausência de medidas de harmonização do Direito da União Europeia se devia recorrer aos acordos bilaterais ou medidas unilaterais para a repartição da competência tributária110. Ora, a CM

OCDE tem sido usada como modelo de resolução de conflitos tributários entre Estados. Nos termos do artigo 13.º, nº 5 CM OCDE, aloca-se a competência de tributação das mais-valias no Estado de Residência do alienante no momento da alienação. Tal como a Advogada Geral Juliane Kokott defendeu nas suas conclusões nos § 96 e § 97111 «(…) é em conformidade com este princípio de

territorialidade fiscal, associado a um elemento temporal, ou seja, a permanência no território nacional durante o período em que o rendimento tributável foi auferido, que as disposições nacionais em causa preveem a cobrança do imposto sobre as mais-valias registadas nos Países Baixos [(Estado de origem)], cujo montante foi fixado no momento da saída do país do contribuinte em causa e cujo pagamento foi suspenso até à cessão efetiva dos títulos»112.

É importante salientar que o TJ e a Advogada Geral em N113 entenderam que na ausência

de medidas de harmonização e unificação os Estados podiam efetuar a distribuição das competências tributárias. Nesta esteira defenderam que esta norma está em consonância com o disposto no artigo 13.º, nº 5 CM OCDE114 e 115, alocando o poder de tributação, de acordo com o

princípio da territorialidade associado a uma componente temporal: a residência116, isto é, o

108 Neste sentido, vide Acórdãos do Tribunal de Justiça Comissão Europeia contra Grécia, datado de 20.01.2011, processo nº C-155/09; Acórdão do Tribunal de Justiça Comissão Europeia contra Áustria, datado de 16.06.2011, processo nº C-10/10; Acórdão do Tribunal de Justiça Comissão Europeia contra Bélgica datado de 01.12.2011, processo nº C 250/08, e Acórdão do Tribunal de Justiça Comissão Europeia contra Hungria, datado de 01.12.2011, processo nº C-253/09.

109 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça N… cit., §46.

110 Neste sentido cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça Casal Annette e Robert Gilly e Directeur des services fiscaux dus Bas-Rhin, datado de 12.05.98, processo nº C-336/96; Acórdão do Tribunal de Justiça Compagnie Saint Gobain ZN, Zweigniederlassung Deutschland e Finanzamt Aachen- Innenstadt, datado de 21.09.1999, processo nº C-307/97; Acórdão do Tribunal de Justiça Herdeiros de M. E. A. van Hilten-van der Heiden contra Inspecteur van de Belastingdiest/Particularien/Ondernemingen buitenland te Heerlen, datado de 23.02.03, processo nº C-513/03; e Acórdão do Tribunal de Justiça F. W. L. Groot e Staatssecretaris van Financiën, datado de 12.12.02, processo nº C- 385/00.

111 Cfr. Conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott ao Acórdão N… cit., §§ 96 e 97. 112 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça N… cit., § 46.

113 Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça N… cit., § 46 e Conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott… cit., §§ 96 e 97. 114 A interpretação deste artigo será desenvolvida infra no ponto 7.2.1.1.1.

115 Cfr. Conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott ao Acórdão N… cit., §§ 91 a 98.

116 Aprofundaremos esta temática infra no ponto 6. relativo aos limites do Direito da União Europeia, bem como no ponto 7. referente à conformidade dos Impostos de Saída com o Direito Internacional. Somos da opinião que o artigo 13.º, nº 5 CM OCDE pode ser aplicado aos trailing taxes, mas

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rendimento gerado no Estado de origem desde a altura da aquisição até à transferência de residência seria nele tributado enquanto o rendimento verificado no território do Estado de acolhimento desde a emigração até ao momento da realização seria tributado neste último.

Na nossa opinião, os impostos de saída não visam a alocação equilibrada de poderes tributários entre os Estados Membros. Esta finalidade pode ser realizada por via de medidas bilaterais (convenções ou acordos entre Estados) ou através de medidas unilaterais117. Não

obstante, existindo Convenções que efetuam a divisão dos poderes tributários entre Estados, qualquer medida unilateral será afastada. Além disso, os impostos de saída costumam limitar o poder de tributação no tempo, coisa que não sucederia caso a norma tivesse como finalidade a alocação do poder tributário. Se a norma tivesse este fundamento determinaria uma tributação sem, no entanto, a limitar às transferências temporárias de residência. Acresce a estes argumentos o facto dos impostos de saída só funcionarem como medida de repartição da competência tributária se um dos Estados envolvidos estabelecer um método de isenção ou imputação, de forma a eliminar a dupla tributação gerada por aquele tributo118.

Em todo o caso, mesmo que considerássemos que este argumento pudesse ser usado para justificar a restrição ao Direito da União Europeia, não podemos deixar de enfatizar que, em última instância, também este alude à proteção da receita tributária auferida num Estado. Aliás, o facto de existir uma preocupação em distribuir a receita tributária não se resume apenas à eliminação da dupla tributação, mas também à salvaguarda da pretensa tributária de cada Estado.

Em suma, as justificações apresentadas permitem-nos demonstrar que o imposto de saída tem como principal finalidade a preservação da receita tributária do Estado de origem. Contudo, para que esta análise não fique incompleta devemos analisar os fundamentos apresentados para justificar a existência dos impostos de saída sobre as pessoas coletivas.

que os impostos de saída não são regulados pela CM OCDE. Em todo o caso, mesmo que considerássemos que o artigo 13.º, nº 5 CM OCDE fosse aplicável aos impostos de saída imediatos, a norma aloca o poder de tributação ao Estado de residência do alienante, pelo que o imposto de saída violaria esta norma ao retirar os poderes de tributação atribuídos pela convenção (que segue o modelo da CM OCDE). Seria uma violação dos princípios da boa-fé e pacta sunt servanda previstos nos artigos 26.º, 27.º e 31.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Violação protagonizada por uma norma unilateral de um Estado.

117 Para aprofundamento desta questão vide ponto 7.3. relativo às soluções para a eliminação da dupla tributação.

118 Cfr. Bert ZUIJDENDORP, “The N case: the European Court of Justice sheds further light on the admissibility of exit taxes but still leaves some questions unanswered”, in EC Tax Review, volume 16, nº1, p. 11.

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