• Nenhum resultado encontrado

Critérios de Tributação e Origem dos Impostos de Saída

No documento Impostos de saída : fundamento e limites (páginas 43-48)

PARTE I DO FUNDAMENTO DOS IMPOSTOS DE SAÍDA

4. Origem e Fundamento dos Impostos de Saída

4.1. Critérios de Tributação e Origem dos Impostos de Saída

Para compreender qual o fundamento subjacente à criação dos impostos de saída precisamos de entender como é que os Estados estabelecem a tributação do rendimento.

Os Estados determinam a sua competência tributária através de critérios de tributação (ou elementos de conexão), podendo adotar, de entre outros47, três elementos de conexão48

(relativamente ao rendimento): pela residência, pela fonte e pela nacionalidade. Também encontramos Estados cuja legislação conjuga os vários critérios mencionados. Posto isto, e de modo a perceber a origem dos impostos de saída, analisaremos de seguida as ideias principais que caraterizam cada um destes elementos de conexão.

A conexão residência estipula que o rendimento das pessoas que residam em determinado Estado, num determinado período de tempo, são por ele tributadas. Por sua vez, o critério fonte prevê a tributação dos rendimentos verificados num certo território - o Estado Fonte49 - durante um

certo período de tempo. De outro modo, o elemento de conexão nacionalidade dispõe que a tributação deve incidir sobre o rendimento dos nacionais de um dado território durante um certo período de tempo. Tal como no caso da definição do conceito de residência, os pressupostos e

47 Existem outros elementos de conexão como o lugar da situação dos bens, o lugar de exercício da atividade, lugar do estabelecimento estável, lugar de celebração do contrato, entre outros. Os elementos de conexão podem ser divididos em subjetivos e objetivos. Os critérios de tributação residência e nacionalidade compõem os elementos de conexão subjetivos. Por sua vez, o critério fonte, lugar da situação dos bens, o lugar de exercício da atividade, lugar do estabelecimento estável, lugar de celebração do contrato integram os elementos de conexão objetivos. Não obstante, aprofundaremos apenas a tributação com fundamento nos critérios de tributação: residência, nacionalidade e fonte devido à sua relevância para a presente dissertação de mestrado. Para aprofundar esta temática vide Alberto XAVIER, Direito Tributário Internacional, (colab. Clotilde Celorico Palma e Leonor Xavier), 2ª reimpressão da 2ªedição atualizada, Coimbra, Almedina, 2011, p. 224.

48 Cfr. Rijkele BETTEN, Income tax ... op. cit., p. 1.

49 Para aprofundamento das discussões relativas à tributação com base no rendimento do Estado Fonte vide Klaus VOGEL, “Worldwide vs. Source Taxation of Income. A Review and Re-evaluation of Arguments (Parts I, II, III)”, in Intertax, volume 16, nos 8 a 11, pp. 216 e seguintes.

44

caraterísticas que subjazem à aplicação do critério nacionalidade são fixados pelo legislador nacional.

Pelo exposto, é possível depreender que a principal função destes elementos de conexão é determinar o ordenamento jurídico competente para a tributação. No entanto, além de estabelecer onde será tributado o rendimento, a legislação deverá prever a extensão de rendimentos sujeitos a imposto. Deste modo, para complementar os elementos de conexão será necessário recorrer a princípios que terão como função determinar a extensão da tributação.

Os princípios que estabelecem a extensão da tributação são os princípios da universalidade e territorialidade50. O princípio da universalidade consagra a tributação de todos os

rendimentos sem exceção, isto é, estipula a tributação dos rendimentos provenientes quer de fonte interna quer de fonte externa (também designado de worldwide income ou obrigação tributária ilimitada). Por sua vez, o princípio da territorialidade estabelece que «(…) as leis tributárias apenas se [aplicam] aos factos ocorridos no território da ordem jurídica a que pertencem, independentemente de outras caraterísticas que eventualmente [possam] concorrer na situação em causa como nacionalidade, domicílio ou residência do sujeito passivo»51. No fundo, o princípio

da territorialidade efetua a delimitação espacial das normas, isto é, determina quais as situações que as disposições tributárias regulam. Este princípio pode ser interpretado de acordo com três critérios distintos: sentido pessoal/real, positivo/negativo e/ou material/formal. Inicialmente, as situações tributárias internacionais eram reguladas por elementos de conexão objetivos ou reais, como a lei do lugar do imóvel. Atualmente, com a crescente «personalização dos impostos»52, as

conexões tornaram-se pessoais podendo ser a sede, domicílio ou residência. Neste sentido, também o princípio da territorialidade pode ter ligações pessoais ou reais. Por seu turno, o princípio da territorialidade em sentido positivo refere-se à aplicação das normas internas de forma geral abrangendo sujeitos não nacionais e o princípio da territorialidade em sentido negativo é uma delimitação do âmbito espacial das leis tributárias estrangeiras, segundo o qual se nega a aplicação destas disposições no território do Estado em causa. Já o princípio da territorialidade em sentido material relaciona-se com uma apreciação abstrata da norma, segundo a qual a delimitação espacial não afeta a soberania do Estado estrangeiro. De outro modo, o princípio da

50 Cfr. Alberto XAVIER, Direito Tributário Internacional,… op. cit., pp. 226 a 323 e Gregor FÜHRICH, “Exit Taxation and ECJ Case Law”, in European Taxation, volume 48, nº 1, p. 16.

51 Cfr. Alberto XAVIER, Direito Tributário Internacional … op. cit., p. 23. 52 Idem, Ibidem, p. 25.

45

territorialidade em sentido formal violaria a soberania estrangeira, visto que permitiria a escolha das leis nacionais para regular situações tributárias internacionais.

Para melhor compreendermos a aplicação prática destes conceitos tomemos como exemplo os elementos de conexão e princípios escolhidos pelo legislador português.

Em Portugal, o artigo 15.º CIRS53 prevê que os residentes são tributados por todo o

rendimento incluindo aquele obtido fora deste território54, enquanto os não residentes apenas serão

tributados pelo rendimento obtido no território português55.

Assim sendo, o estudo do artigo 15.º, nº 1 CIRS permite concluir que o legislador português estabelece como elemento de conexão o critério residência, visto que utiliza o conceito de residência para determinar a competência do ordenamento jurídico português para a tributação daqueles rendimentos. Todavia, associa-o ao princípio da universalidade, de forma a determinar a extensão da tributação. Desta forma, o legislador estabelece que independentemente da fonte dos rendimentos, estes serão tributados em Portugal (obrigação tributária ilimitada).

O mesmo não sucede no artigo 15.º, nº 2 CIRS. Neste número, o legislador adota a conexão fonte, juntamente com o princípio da territorialidade. Como resultado, estipula que os não residentes são tributados pelos rendimentos cuja fonte ou origem se situe em Portugal (obrigação tributária limitada).

Apesar de existir um esforço por parte do legislador português em prever a tributação de todos os rendimentos auferidos pelos contribuintes, ainda há certos rendimentos que escapam à sua soberania tributária. Como a inexistência de previsão da tributação de determinado rendimento56 leva à perda da receita tributária dele proveniente, o Estado deverá incorrer em

esforços para suprir estas “lacunas”.

Um exemplo de reação do Estado português à perda de receita tributária é o imposto de saída. O imposto de saída é um tributo exigido, a pessoas singulares e coletivas, pela transferência de residência e de rendimentos verificados em Portugal.

Imaginemos o seguinte exemplo. (A) é residente em Portugal. O seu estatuto de residente confere-lhe o dever de ser tributado por todos os rendimentos quer obtidos neste território quer

53 Relativamente às pessoas coletivas e outras entidades, o legislador efetua a mesma destrinça (artigos 2.º, nº 3 e 4.º, nº 1 e 2 ambos CIRC). 54 Vide artigo 15.º, nº 1 CIRS.

55 Vide artigo 15.º, nº 2 CIRS.

56 O princípio da tipicidade exige que os elementos essenciais de todos os impostos estejam previstos na lei, de modo a torná-los determinados ou determináveis, caso contrário não são exigíveis.

46

fora do mesmo. Contudo, o que sucederá se (A) decidir transferir a sua residência fiscal para outro Estado?

Enquanto foi residente do território português, (A) pode deter rendimentos em Portugal. Rendimentos que se foram verificando, isto é, gerando mais-valias, e que beneficiaram dos serviços oferecidos pelo Estado Português57. A realização destes rendimentos no momento anterior

à saída conduzirá à tributação pelas mais-valias como se de um residente se tratasse58. Esta é uma

típica manifestação da escolha do critério residência e princípio da universalidade.

De outro modo, se (A) decidir transferir a sua residência para outro Estado, deixará de ser residente em Portugal. Em consequência, quebrará a conexão que atribuía, ao ordenamento jurídico português, competência para o tributar, nos termos do critério residência e do princípio da universalidade. Desta forma, (A) adquirirá o estatuto de não residente, sendo tributado pelos rendimentos obtidos em Portugal como não residente59. Esta situação demonstra a aplicação do

critério fonte juntamente com o princípio da territorialidade aos não residentes.

Contudo, imaginemos que (A) transfere a sua residência para outro Estado, modificando o elemento de conexão que justificaria a tributação em Portugal de todos os seus rendimentos verificados durante a sua permanência naquele Estado. Aquela transferência de residência teria como consequência a perda da receita tributária proveniente da tributação dos rendimentos verificados até ao momento imediatamente anterior à saída. Rendimentos verificados, mas ainda não realizados. Como os rendimentos não sofreram qualquer disposição antes da emigração, o Estado não poderá tributar o sujeito como residente pelas mais-valias realizadas.

Além disso, devido ao facto da conexão fonte com o ordenamento jurídico português cessar no momento da saída, em virtude do sujeito (A) modificar a conexão que permitia tributar aqueles rendimentos latentes e/ou futuros (isto é, a sua capacidade tributária) no Estado de origem, também conduzirá à desaplicação do critério fonte aplicável aos não residentes e, por conseguinte a receita tributária proveniente daqueles rendimentos não poderá ser tributada.

57 Há autores que referem que este aproveitamento dos serviços e bens oferecidos por um Estado (quer se aplique o critério residência quer o elemento fonte) deverá ser tributado nos termos do princípio do benefício, isto é, deverá ser exigido um imposto como contrapartida não sinalagmática pelos bens e serviços oferecidos ao sujeito para a geração daquelas mais-valias. Na opinião de António Pedro Braga, o princípio do benefício complementa a tributação baseada na residência, sendo fundamento do imposto de saída. O autor considera que este princípio só legitima a tributação de rendimentos quando amparado pelo princípio da capacidade contributiva, pois, de outro modo, não permite apurar a capacidade contributiva real (que pode provir de benefícios oferecidos por outros Estados). Cfr. António Pedro BRAGA, The Corporate… op. cit., p. 3 a 8. 58 Vide artigo 15.º, nº 1 CIRS.

47

Em conclusão, a não tributação dos rendimentos verificados no território português durante o período que se situa entre a aquisição e a emigração traduzir-se-á em perda de receita tributária. Perda decorrente de rendimentos, cuja receita, o Estado de origem contava receber. Por sua vez, a realização do rendimento no Estado de acolhimento conduzirá à tributação das mais- valias realizadas neste Estado60, o que consubstanciará receita inesperada para o mesmo, uma

vez que não previa a tributação daquele rendimento no seu território. Esta situação sucede quanto às mais-valias provenientes de bens móveis, detidas por pessoas singulares ou coletivas61.

Posto isto, como reação a esta perda de receita tributária decorrente da transferência de residência fiscal, os Estados criaram um imposto que visa a proteção da receita tributária perdida aquando da dita transferência. Este imposto é a última oportunidade de tributação do rendimento daquele contribuinte62. Como o seu facto tributário é a transferência de residência, saída ou

emigração é designado de imposto de saída63.

Na presente dissertação de mestrado não aprofundaremos a perda de receita tributária decorrente da adoção do critério de tributação nacionalidade. Não obstante, esta possibilidade existe como abordaremos, sucintamente, de seguida.

Os Estados que optam pelo elemento de conexão nacionalidade determinam a tributação tendo em consideração a nacionalidade do sujeito passivo. Deste modo, serão tributados todos os nacionais de determinado Estado por todos os rendimentos obtidos quer provenham de fonte interna quer derivem de fonte externa (critério da nacionalidade aliado ao princípio da universalidade) ou apenas pelos rendimentos auferidos em território nacional, isto é, de fonte interna (critério da nacionalidade conjugado com o princípio da territorialidade). Assim, se um sujeito passivo modificar ou renunciar ao título de nacional daquele Estado, deixará de estar submetido à incidência subjetiva e, em consequência, não será tributado como nacional. Desta feita, a modificação ou renúncia à nacionalidade será equiparável à transferência de residência nos Estados que optam pelo critério residência.

60 Cfr. João Sérgio RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento. Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indiretos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, p. 417; Antoine VALAT, “Preliminary ruling requested from the ECJ as to whether the French Exit Tax is Compatible with the Freedom of Establishment”, in European Taxation, volume 42, nº 5, p. 196; Bruno Macorin CARRAMASCHI, “Exit Taxes...” op. cit., p. 284.

61 Cfr. Rijkele BETTEN, Income Tax... op. cit., p. 6.

62 Cfr. Katia CEJIE, “Emigration Taxes...”, op. cit., p. 386 e Silvia KOTANIDIS, “French Exit ...”, op. cit., p. 382.

63 Cfr. László KÓVACS, “European Commission Policy on Exit Taxation”, in European Tax Studies, nº 1, 2009, p. 6 e 7, in http://heinonline.org [17.11.2012]. No mesmo sentido, Reinout KOK, “Exit Taxes for Companies…”, op. cit., p. 201; Antoine VALAT, “Preliminary ruling... “ op. cit., p. 196; Bruno Macorin CARRAMASCHI, “Exit Taxes...” op. cit., p. 284.

48

Por isso, também nestes Estados pode surgir uma forma de imposto de saída. Com efeito, caso o sujeito passivo altere ou renuncie à sua nacionalidade e, em consequência desta atitude lhe seja exigido um tributo antes dessa modificação ou renúncia, estaremos perante uma situação equiparável à dos impostos de saída, isto é, estaremos perante uma medida do Estado com o intuito de minorar a perda de receita fiscal, decorrente da modificação ou renúncia da nacionalidade.

Tendo compreendido a origem dos impostos de saída, cumpre-nos introduzir e desenvolver o fundamento dos impostos de saída, afastando aqueles que não consideramos serem a sua raison d’être.

4.2. FUNDAMENTO DOS IMPOSTOS DE SAÍDA SOBRE AS PESSOAS SINGULARES

No documento Impostos de saída : fundamento e limites (páginas 43-48)