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Direito à Emigração (Breve Referência)

No documento Impostos de saída : fundamento e limites (páginas 91-95)

PARTE II – DOS LIMITES AOS IMPOSTOS DE SAÍDA

5.3. Direito à Emigração (Breve Referência)

O Direito Constitucional não restringe o imposto de saída apenas do ponto de vista dos princípios jurídico-tributários. O imposto de saída também pode ser limitado com fundamento nos direitos, liberdades e garantias como o direito à emigração constitucionalmente consagrado.

Assim, embora seja de grande relevância analisar a conformidade dos impostos de saída com o direito à emigração constitucionalmente previsto, apenas faremos uma breve referência à possível incompatibilidade dos impostos de saída com o direito à emigração devido ao facto de se afastar da temática dominante desta dissertação de mestrado – Direito Tributário. Para tanto, começaremos por descrever brevemente o direito à emigração consagrado na CRP.

O direito de deslocação e à emigração está consagrado na Constituição da República Portuguesa no seu artigo 44.º que se situa no Título II designado de Direitos, Liberdades e Garantias, mais concretamente no Capítulo I referente aos Direitos Liberdades e Garantias Pessoais.

O artigo 44.º CRP decompõe-se em duas partes, a primeira é o artigo 44.º, nº 1 CRP, que se refere ao direito de deslocação. Por sua vez, o artigo 44.º, nº 2 CRP consagra o direito à emigração. É sobre este direito à emigração que nos referiremos de seguida

O artigo 44.º, nº 2 CRP divide-se em direito de livre saída do território nacional a qualquer tempo ou direito de emigração e também contempla o direito ao regresso. O direito à emigração reflete a liberdade de cada um procurar onde se pretende estabelecer e desenvolver a sua personalidade. Este é um direito de feição negativa já que exige um comportamento negativo, isto é, uma omissão (“não fazer”), em oposição aos direitos de vertente positiva que se concretizam numa ação. Acrescem a este direito de índole negativa, os direitos positivos de proteção do trabalho e garantias dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes, bem como de assegurar aos seus filhos língua e cultura portuguesas (artigos 59.º, nº 2 al. e) e 74.º, nº 2 al. i) CRP).

Segundo Jorge Miranda, este direito pode sofrer algumas restrições, nomeadamente por necessidade de saúde pública (artigo 64.º CRP), por cumprimento dos deveres fundamentais de defesa da Pátria (artigo 276.º CRP), por limitação da deslocação dos menores (artigos 36.º, nº 5 e 67.º, nº 2 al. c) CRP), pela imposição aos condenados com pena de prisão suspensa de não frequentarem ou residirem em certos lugares (artigo 52.º, nº 2, al. b) e al. c) CP), bem como a imposição àqueles sujeitos a termo de identidade e residência a obrigação de não se mudarem nem se ausentarem (artigo 196.º, nº 3 al. b) CPP). Embora o direito à obtenção de receita tributária

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não conste deste catálogo, segundo o artigo 18.º CRP, podem ser admitidas outras restrições aos direitos, liberdades e garantias desde que obedeçam ao teste da concordância prática192.

Os impostos de saída restringem o direito à emigração das pessoas que pretendem transferir a residência para outro Estado, pelo que devemos verificar se a restrição a este direito é possível através do teste de concordância prática (que se traduz na verificação da proporcionalidade, em sentido amplo, da medida adotada).

Do ponto de vista da CRP poderá haver violação do direito à emigração, porém remetemos esse estudo para uma análise pura e estritamente constitucional desta temática.

Posto isto, e em jeito de conclusão a este capítulo, os impostos de saída, por introduzirem no ordenamento jurídico a tributação do rendimento não realizado baseada numa ficção, isto é, numa criação artificial do legislador, são inconstitucionais. As ficções do rendimento não têm qualquer correspondência com a capacidade contributiva do sujeito passivo, pelo que violam o princípio da igualdade fiscal e seu subprincípio: capacidade contributiva. Logo, entendemos que os impostos de saída imediatos, previstos nos artigos 83.º a 85.º CIRC serão inconstitucionais por não atenderem ao “rendimento real”193 do sujeito passivo como exigido pelo artigo 104º, nº 2 CRP.

O mesmo não sucederá com os impostos que estendem o âmbito de incidência tributária, visto que, para além de serem uma opção legislativa, em princípio coberta pela soberania do Estado de saída, tendem a estabelecer a tributação do rendimento realizado, porque consideram que os contribuintes ainda são residentes em Portugal e, por isso, tributam-nos por todos os rendimentos obtidos em território português até ao momento da alienação. Atentemos ao artigo 10.º, nº 5 CIRS. Apesar do sujeito passivo ter transferido a residência para um paraíso fiscal fixado em Portaria do Governo194, a norma determina a sua tributação como se de um residente se tratasse. Assim, na

sua tributação serão observados o critério da residência e o princípio da universalidade, sendo por isso, tributado por todos os rendimentos realizados.

192 Cfr. Jorge MIRANDA e Rui MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, … op. cit., pp. 940 e 941. No sentido do direito à emigração só poder ser limitado pelos estados excecionais constitucionalmente consagrados e por penas ou medidas de segurança limitativas de liberdade, cfr. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA; Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 632.

193 Em torno deste conceito também existem diversas divisões doutrinárias, no entanto por se afastar do escopo da presente dissertação de mestrado não procederemos ao seu desenvolvimento.

194 Vide Portaria nº 292/2011 de 08.11 que altera a Portaria nº 150/2004 de 13.02. Esta Portaria fixa os Paraísos Fiscais, ou seja, Estados que determinam uma tributação mais favorável.

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Além desta questão, alguns impostos de saída portugueses podem violar o princípio da tipicidade. Os impostos de saída que visam a devolução de deduções, nomeadamente o artigo 38º, al. b) a contrario, por estabelecer um tributo através de uma interpretação a contrario da norma viola o princípio da tipicidade, que exige que todos os elementos essenciais que compõem um tipo tributário estejam regulados e sejam determinados ou determináveis, não conferindo espaço para discricionariedade. A norma estabelece um benefício fiscal para os contribuintes que preencham certos requisitos. Será o não preenchimento que levará à tributação do sujeito, ou seja, a um tratamento desfavorável que o contribuinte não podia prever. Deste modo, tal interpretação em matéria de incidência não é de admitir nos termos do princípio da tipicidade e, por conseguinte, tal interpretação deve ser excluída.

Por fim, podemos ainda questionar se a restrição dos impostos de saída ao direito à emigração é constitucionalmente aceitável. No entanto, como circunscrevemos a nossa investigação a uma análise tributária, não desenvolvemos o estudo da concordância prática entre impostos de saída e direito à emigração. Estudo que remeteremos para uma análise exclusivamente constitucional dos impostos de saída.

As principais soluções para modificação desta norma restritiva advêm das reflexões doutrinais e jurisprudenciais de Direito da União Europeia que aprofundaremos no capítulo seguinte.

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