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Se, no teatro, os três primeiros minutos são fundamentais para conseguir a atenção da plateia, na formação de professores os primeiros minutos são de extrema importância para se estabelecer uma relação com os educadores, para que o grupo se perceba presente no processo que se desenvolverá. Estão ali profissionais que lecionaram cinco horas diárias com grupos de alunos dos mais diversos e outros que saíram de casa um pouco mais tarde e enfrentarão a sala de aula, além daqueles que irão para outra escola ou que terão uma jornada dupla na mesma escola.

Acreditando na potência dos primeiros momentos da formação, sugeri que começássemos com leituras de textos literários, com obras diversas que contribuiriam para estarmos juntos naquele momento inicial e também para que diferentes energias se convergissem para um foco, nesse caso, a leitura para o deleite dos presentes, além de ser uma forma de a literatura penetrar o universo da formação.

Muito se fala da importância da leitura na escola, porém, em minha trajetória de quase duas décadas na educação, vejo que em poucos momentos ela se faz prazerosamente presente, principalmente com os adultos. Não raramente, os educadores reconhecem a importância de ler textos literários para os alunos; contudo, durante a formação, os momentos de leitura se pautam, quase que exclusivamente, na leitura de textos dos teóricos sobre educação. Por causa disso, também percebia, nos primeiros momentos, certo desconforto de alguns professores, alguma inquietação ou sensação de perda de tempo naqueles momentos em que a leitura era protagonista.

Carolina Maria de Jesus, Jorge Amado, Manoel de Barros, Oscar Wilde, dentre outros autores, foram pontos de partida para discussões acaloradas com o grupo, discussões sobre diversos assuntos ligados direta ou indiretamente com o cotidiano da sala de aula e, aos poucos, esses momentos sugeriam que a proposta daquela formação não era prescrever fórmulas ou receitas, mas também mostrar que, se acreditávamos verdadeiramente na leitura, deveríamos trazê-la para o centro dos nossos estudos.

Em virtude disso, Hillmann (1974, p. 18) comenta a respeito do ouvir histórias como uma ação importante na infância, tendo aspectos ligados à imaginação, mas a vida adulta provoca a perda desses aspectos. Por isso, o autor reconhece a importância de os adultos ouvirem histórias e sugere: “a primeira coisa a fazer é reestoriar o adulto – o professor, os pais, os avós − a fim de restaurar a imaginação num plano primário na consciência de cada um de nós, independente de idade”.

Assim, a fruição se fazia presente; porém, eu acreditava na formação também como um momento fundamental para que o professor fosse criador e não me conformava com o fato de a criação não penetrar os momentos de estudo. Uma definição coerente com essa concepção de formação é a definida por Machado (2007, p. 176):

uma seara de experimentação criadora, na qual cada um pode ir descobrindo, não sem sofrimento, que são suas próprias

perguntas os sinais do caminho e não as respostas que devem exigir de autores ou daqueles professores que ministram os cursos de formação.

Aos poucos, as proposições contemplavam a criação em artes visuais, poesia, música e algumas propostas, ainda tímidas, com a dança. Não conseguia pensar em momentos de formação em que os professores não fossem convidados a criar, pois era também uma forma de valorizar a individualidade de cada um daquele grupo. Assim, por meio da criação em arte, me depararia com cada história, cada experiência profissional, cada humano ali presente que, embora trabalhasse com eles durante quatro, cinco, seis horas diárias, ali era um momento fundamental para vislumbrá-los como criadores.

Apresento um haikai criado por uma professora em um daqueles primeiros encontros:

Floresce Ipê No meio do outono

Exibindo cor...

Não escapavam também àqueles momentos situações de tensão, já que situações de recusa, de negação aos deslocamentos pelos espaços da escola, de resistências diversas também emergiam quando os professores eram convidados a criar. Havia conflitos entre os autores e suas obras e também comigo como propositor, ações que reverberavam e afetavam o grupo presente; no entanto, eu encarava como devolutivas possíveis no processo de criação. Encontrei em Salles (1998, p. 28) algumas relações possíveis com esses momentos: “É a criação como movimento, onde reinam conflitos e apaziguamentos. Um jogo permanente de estabilidade e instabilidade, altamente tensivo”.

Figura 5 - Professora tece suas impressões sobre a obra de Manoel de Barros durante a formação. Fonte: Acervo pessoal.

Os enfrentamentos que surgiam nos primeiros momentos das propostas geralmente eram superados quando nos deparávamos com as criações dos mestres que, aos poucos, se entregavam à criação em arte.

Assim, as vivências com a arte na formação, por meio da fruição, da reflexão e da criação, foram possibilidades de favorecer o encontro com o “ser poético do adulto- educador” (Ostetto, 2005, p. 19), com a individualidade que se embrenhava nesses momentos e a amplitude perante a vida ofertada pela arte que, segundo Dewey (2010, p. 93):

É a prova de que o homem usa os materiais e as energias da natureza com a intenção de ampliar sua própria vida, e de que o faz de acordo com a estrutura de seu organismo-cérebro, órgãos sensoriais e sistema muscular. A arte é a prova viva e concreta de que o homem é capaz de restabelecer, conscientemente e, portanto, no plano do significado, a união entre sentido, necessidade, impulso e ação que é característica do ser vivo.

Figura 6 - Criação realizada durante formação a partir dos materiais: açúcar, amendoim e farinha de milho.

Fonte: Acervo pessoal.