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Mas apenas constatada essa vitória – provisória, certamente – do sofista, o Estrangeiro diz simplesmente: Mas a imagem existe.” De fato, enquanto imagem, uma imagem é real. Tudo resta, portanto, a ser feito. O ser-imagem da imagem é inegável. Mas, de acordo com tudo o que se acaba de mostrar, esse ser... não é ser. Isso é “muito insólito”: o ser deve aceitar conviver com o não-ser!

(CORDERO, 1993, p. 24).

Tudo o que precede equivale a dizer que na língua só existem diferenças.

(CLG, 1975, p. 139).

Como foi possível verificar na seção 1.2, Platão foi autor de importantes reflexões sobre a linguagem. Sua filosofia − além de notadamente ter servido de inspiração a Saussure na postulação de sua tese do arbitrário linguístico − revela-se também presente no fundamento

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"Le système de signes est fait pour la collectivité, comme le vaisseau est fait pour la mer" (DE MAURO, 2000, p. XIII).

da teoria do valor. No Prefácio para o livro O Intervalo Semântico, de Carlos Vogt (2009), Oswald Ducrot – linguista, vale lembrar, com sólida formação em filosofia clássica − explicita uma nítida relação entre a teoria da alteridade, criada por Platão no diálogo O Sofista, e a teoria do valor linguístico de Saussure, desenvolvida especialmente no capítulo IV da 2ª parte do CLG (1916/1975) e revelada em diversas notas dos ELG (2002/2012).

Conforme explica Ducrot (2009), ao tratar das categorias fundamentais da realidade ‒ o Movimento, o Repouso, o Mesmo e o Ser ‒, Platão, no citado diálogo O Sofista, acrescenta uma quinta categoria ‒ o Outro ‒, colocando-a como o fundamento de todas as outras, já que cada uma dessas categorias é o que é, porque não é aquilo que a Outra é. Identidade e diferença são, portanto, dois princípios supremos que constituem a essência das coisas. Nestor Luis Cordero (1993) − no texto da Introdução ao Sofista de Platão − explica que, como espécie de potência, o Ser é um elo que põe os seres em relação, sem o qual esses mesmos seres não teriam existência. Desse modo, pode-se dizer que o Movimento, por exemplo, é tudo aquilo que o Repouso não é e vice-versa. Inexistindo a noção de diferença, Movimento e Repouso constituiriam uma única categoria, isto é, apresentariam uma única identidade.

Não é preciso ler muitas páginas de O Sofista para verificar que Platão apresenta o Não-ser como o Outro. Nas reflexões do filósofo, o Não-ser (o Outro) revela-se como participante do Ser. E, observando-se as relações entre o Movimento e o Repouso, chega-se à conclusão de que o Movimento é completamente distinto do Repouso, isto é, também se diz que o Movimento não é o Repouso. Desse modo, Platão (1991) postula que, se o Movimento é também diferente do Mesmo, ele não é o Mesmo. Em certas partes de seu diálogo, o filósofo também exemplifica que, em relação ao "belo", o Não-ser é o "Não-belo"; em relação ao "grande", o Não-ser é o "Não-grande". Enfim, examinando-se esse fenômeno relacional binário, é possível perceber que, ao se suprimir o Ser, o Não-ser desaparece, visto que a existência deste está subordinada à existência daquele e vice-versa.

Esse olhar para o Não-ser como alteridade − diretamente ligado à negação34 − permitiu a Platão criar uma teoria revolucionária e absolutamente aplicável ao domínio da linguagem. Os três seguintes excertos extraídos do texto de Cordero (1993, grifos do autor, tradução nossa) permitem elucidar claramente a aplicação da filosofia de Platão na Linguística saussuriana: (a) "em cada realidade, há uma mistura de ser e de não-ser, pois toda coisa é o

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Segundo Cordero (1993), a noção platoniana de negação é sinônimo de diferença e não de oposição ou de

que é, mas também é tudo o que ela não é" (p. 60)35; (b) "Eis por que a definição [...] de cada coisa é dupla: cada coisa não é somente o que ela é; ela é também diferente do que ela não é. A região 'exterior', outra, diferente, é constituída, em relação a cada coisa, por tudo o que ela não é" (p. 54)36 e (c) "Esse domínio, em relação a cada coisa, é o não-ser"37 (p. 54).

Para quem vivenciar a experiência de ler o CLG e/ou os ELG depois de tomar conhecimento dessa teoria da alteridade, a relação do filósofo com o linguista será evidente. De acordo com a percepção de Ducrot (2009, p. 10-11), "a oposição, para Saussure, é constitutiva do signo da mesma forma que a alteridade é, para Platão, constitutiva das idéias". Conhecedor e seguidor do pensamento saussuriano, Ducrot (2009) explica que o valor de um signo − sua verdadeira realidade linguística − somente pode ser definido pela relação opositiva que esse signo estabelece com os outros signos. Isso quer dizer que a língua − "oceano de diferenças" no dizer de Depecker (2012) − é um sistema de valores puros, cujos signos definem-se por diferenças fônicas e semânticas. Conforme se pode conferir no próprio CLG (1975, p. 126), "o mecanismo linguístico gira todo ele sobre identidades e diferenças, não sendo estas mais que a contraparte daquelas". O que melhor permite definir um valor é, portanto, a sua característica de ser o que os outros não são.

Esse fenômeno linguístico mostra claramente, segundo se pode conferir nos ELG (2012, p. 61), como os objetos da ciência da linguagem não têm realidade em si ou à parte de outros objetos. Isso quer dizer que − por não ter substrato para sua existência fora ou nas diferenças que a mente vincula a uma diferença fundamental − nenhum signo existe fora de sua oposição com os outros signos da língua. Na nota 20a dos ELG (2012, p. 61), intitulada Negatividade e diferença 1, Saussure explica que, sem essa "ficção", a mente seria "incapaz de dominar uma tal quantidade de diferenças, em que não há, em parte alguma, em momento algum, um ponto de referência positivo e firme". Ainda que nesse contexto linguístico a palavra ficção tenha sido empregada por Saussure para caracterizar a natureza da língua, é importante salientar, em decorrência, que ela também pode ser utilizada para revelar a própria natureza fenomenológica do discurso: todo e qualquer discurso é, de certo modo, uma ficção.

Conforme se lê na nota 3f dos ELG (2012, p. 30), a palavra valor é, para Saussure, sinônimo de sentido, significação, função e emprego de uma forma. Resultado de certa

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"dans chaque réalité il y a un mélange d'être et de non-être, car toute chose est ce qu'elle est, mais aussi elle n'est pas tout ce qu'elle n'est pas" (CORDERO, 1993, p. 60, grifos do autor, tradução nossa).

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"Voilà pourquoi la définition [...] de chaque chose est double : chaque chose n'est pas seulement ce qu´elle est ; elle est aussi différente de ce qu´elle n´est pas. La région "extérieure", autre, différente, est constituée, par rapport à chaque chose, par tout ce qu´elle n´est pas" (CORDERO, 1993, p. 54, grifos do autor, tradução nossa). 37

"Ce domaine, par rapport à chaque chose, est le non-être" (CORDERO, 1993, p. 54, grifo do autor, tradução nossa).

relação geral entre os signos e as significações, esses valores que emanam do sistema também desfazem a diferença clássica estabelecida entre sentido próprio e sentido figurado. No entendimento do mestre (ELG, 2012, p. 67-68), "Não há diferença entre o sentido próprio e o sentido figurado das palavras (ou: as palavras não têm mais sentido figurado do que sentido próprio) porque seu sentido é eminentemente negativo". Isso significa que, num enunciado como "És o sol da minha vida", não é a ideia extralinguística que se tem de sol que faz a imagem, e sim a oposição que o signo sol estabelece com outros signos da língua. Portanto, o que resta no signo sol, nesse caso, é apenas a oposição a signos como sombra e penumbra.

A concepção tradicional de estudo do sentido, que distingue sentido próprio de sentido figurado, entende que a palavra apresenta uma significação absoluta aplicada a um objeto determinado. Logo, nos chamados empregos metafóricos, por exemplo, há uma relação de semelhança entre os objetos que constituem o sentido próprio e o sentido figurado do signo. Enquanto num enunciado do tipo de Hoje, até mesmo Pedro chora, a palavra chora realiza o sentido próprio da ação humana de chorar, num enunciado do tipo de Hoje, até mesmo o sol chora, a palavra chora é empregada em um sentido figurado que realiza um contexto metereológico38. A língua, segundo essa posição semântica, encontra-se reduzida a uma cópia da realidade extralinguística, de modo que − explicam Ducrot e Schaeffer (1995, p. 270) − essa concepção de estudo do sentido concebe a língua como "motivada", justificada pela ordem natural das coisas ou do pensamento, em que os signos perdem toda arbitrariedade.

Essas teses, segundo as quais o signo tem uma única significação e a significação do signo refere a realidade exterior à língua, foram totalmente rejeitadas por Saussure. Como ensinava o mestre (ELG, 2012, p. 70), "Não se impedirá jamais que uma única e mesma coisa seja chamada, conforme o caso, uma casa, uma construção, um prédio, um edifício, (um monumento), um imóvel, uma habitação, uma residência [...]". Desse modo, pelo fato de o signo não estar limitado no total de ideias positivas concentradas em si, mas por limitar-se negativamente em função dos outros signos, torna-se tarefa inútil, de acordo com o pensamento saussuriano, procurar o total de significações de uma palavra.

O que se entende por "sentido próprio" não passa de uma das múltiplas manifestações do sentido geral, que, segundo Saussure (ELG, 2012), é apenas uma delimitação oriunda da presença de outros termos no mesmo momento. Nessa perspectiva, a sinonímia de uma palavra é infinita, já que reside no conjunto de valores negativos que se encontram na própria natureza da língua. Quando uma ideia nova surge e deve ser expressa linguisticamente, logo

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Mais esclarecimentos sobre essa perspectiva clássica de estudo do sentido podem ser conferidos em Schulz (2002, p. 325-339).

encontra lugar em um ou em outro signo. Se ela couber simultaneamente em dois − conforme explica Saussure (ELG, 2012, p. 71) −, "é porque há oposição com um terceiro ou quarto signo coexistente". Por isso, esgotar as ideias contidas numa palavra é tarefa improdutiva e impossível de se realizar, a menos que se busque examiná-las em nomes de objetos materiais ou de objetos raros, como o alumínio, o eucalipto etc., exemplifica o mestre. Isso, no entanto, não pode ser tomado como regra geral, pois, de acordo com o pensamento saussuriano:

Já, quando se toma o ferro e o carvalho, não se chegará ao fim do total de significações (ou de empregos, o que é a mesma coisa) que damos a essas palavras, e só a comparação de ferro com duas ou três palavras como aço, chumbo, ouro ou

metal, só a comparação de carvalho com duas ou três palavras, como salgueiro, videira, madeira ou árvore já representa um trabalho infinito. Para esgotar o que é

contido em espírito por oposição a alma ou a pensamento, ou o que é contido em ir por oposição a marchar, passar, caminhar, se transportar, vir ou ficar, uma vida humana poderia, sem exagero, se passar. Ora, como desde a idade dos quinze ou dezesseis anos, nós temos um senso aguçado do que está contido, não apenas nessas palavras, mas em milhares de outras, é evidente que o sentido repousa no puro fato

negativo da oposição de valores, visto que o tempo materialmente necessário para

conhecer o valor positivo dos signos nos seria, cem vezes e mil vezes, insuficiente. (ELG, 2012, p. 71, grifos do autor).

Como se pode depreender a partir dessas lições saussurianas, desde os quinze ou dezesseis anos, um falante nativo de uma língua já sabe o que está contido em milhares de palavras e, com isso, já tem as devidas condições de combiná-las adequadamente, em diferentes situações. Isso também provém do fato de o falante estar exposto, desde o seu nascimento, ao uso corrente da língua. A coletividade linguística é, em vista disso, necessária para que os valores que constituem o sistema linguístico sejam estabelecidos, já que é somente no uso e no consenso geral que eles são fixados. No limite, o compartilhamento dos signos e das regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas) pelos falantes somente é possível − como se pôde verificar na seção 1.1 − porque o signo é arbitrário. Aliás, sem esse fenômeno indispensável do arbitrário-compartilhado, língua nenhuma poderia existir.

As relações que estão na base da noção de valor são, para Saussure, de dois tipos: associativas39 e sintagmáticas. No entendimento do mestre (CLG, 1975, p. 142), as relações sintagmáticas são as que acontecem no discurso, já que "[...] os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadeamento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo". Essas combinações, que se apoiam na extensão da cadeia da fala, foram chamadas por Saussure de sintagmas, a exemplo

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Essas relações associativas também foram chamadas por leitores de Saussure de relações paradigmáticas. Um

paradigma, segundo essa perspectiva, quer dizer um conjunto de formas ou de significados que se associam por

de re-ler, contra todos; a vida humana; Deus é bom; se fizer bom tempo, sairemos etc. Já as relações associativas são as que acontecem fora do discurso, na memória linguística de cada falante, onde as palavras se associam, formando grupos de ordem diversa.

De acordo com Saussure (CLG, 1975, p. 149), "a língua apresenta, em verdade, unidades independentes, sem relação sintagmática, quer com suas próprias partes, quer com outras unidades". É preciso compreender, entretanto, que é também a língua que preside os agrupamentos sintagmáticos característicos da fala. Por isso, o conjunto de diferenças fônicas e semânticas que constitui a língua resulta tanto das relações associativas − que reúnem termos in absentia numa série mnemônica virtual − quanto das relações sintagmáticas − que existem in praesentia e repousam em dois ou mais termos igualmente presentes numa série efetiva. Nas palavras do mestre (CLG, 1975, p. 149), "via de regra, não falamos por signos isolados, mas por grupos de signos, por massas organizadas, que são elas próprias signos. Na língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz também a agrupamentos".

Sendo dado que a frase é o tipo por excelência de sintagma, Saussure se questiona se todos os sintagmas têm a mesma liberdade das combinações que se realizam na fala. Há uma série de frases prontas (ex. em francês: à quoi bon? allons donc! etc.) que pertencem à língua, já que o uso é incapaz de modificá-las. Enfim, quase todas as unidades da língua − devido ao que Saussure denominou solidariedades sintagmáticas − dependem do que as rodeia na cadeia da fala ou das partes sucessivas de que elas próprias se compõem. Logo, o valor linguístico de uma unidade menor, como do sufixo "-oso", é dado pela sua ação recíproca numa unidade superior, como em "desejoso". Segundo explica Saussure (CLG, 1975, p. 148- 149), "o todo vale pelas suas partes, as partes valem também em virtude de seu lugar no todo, e eis por que a relação sintagmática da parte com o todo é tão importante quanto a das partes entre si". Tal fenômeno de produção de sentido foi aprofundado por Émile Benveniste e pode ser conferido em Os níveis da análise linguística (PLG I, 1966, p. 119-131) e, sobretudo, em A forma e o sentido na linguagem (PLG II, 2006, p. 220-242)40.

Os conjuntos formados pelas associações mentais podem ocorrer de diferentes modos. De acordo com o que se verifica no CLG (1975, 145), existem basicamente quatro situações em que há relações associativas na língua: (1) quando há pelo menos um elemento comum (o radical) a todos os termos, conforme se observa num agrupamento do tipo de enseignement, enseigner, enseignons etc. (ensino, ensinar, ensinemos); (2) quando a série se baseia num elemento como o sufixo, a exemplo de uma sequência de palavras como enseignement,

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As noções de forma e sentido recebem acepções distintas nos dois referidos textos de Benveniste. Por isso, sugere-se como leitura complementar, aos interessados, o texto de Flores (2013, p. 127-146).

armement etc. (ensinamento, armamento etc.); (3) quando a associação funda-se na simples analogia de significados, como num conjunto de palavras do tipo de ensino, instrução, aprendizagem, educação etc.; e (4) quando a associação acontece na analogia das imagens acústicas, como o que se observa em enseignement e justement e em ensinamento e lento.

Já quando se objetiva explicar o funcionamento semântico da linguagem, nota-se que essas relações associativas e sintagmáticas − apesar de pertencerem a domínios distintos − são tão indissociáveis, fenomenologicamente, quanto língua e fala. Desse modo, seguindo esse mesmo percurso metodológico de Saussure, na década de 1950, Roman Jakobson reinterpreta as relações in absentia e in praesentia e, segundo Milano e Flores (2016, p. 42), "[...] funda um pensamento sobre a linguagem cuja complexidade ainda está por ser avaliada". Mantendo- se fiel à epistemologia saussuriana, Jakobson afasta-se da ideia retórica de uso figurativo da linguagem e desenvolve uma teoria que abre um campo acerca de mecanismos de construção do discurso − portanto uma teoria do funcionamento da linguagem, conforme defendem Milano e Flores (2016) − a partir das noções de metáfora e de metonímia. Num certo redimensionamento de noções saussurianas, Jakobson (2013, p. 61) postula que há similaridade (processo metafórico) e possibilidade de substituição nas relações in absentia e contiguidade (processo metonímico) e combinação nas relações in praesentia41.

Nessa perspectiva, relacionando-se o signo pão, por exemplo, com um signo que dá nome a uma pessoa do sexo feminino − cuja relação pode ser verificada num enunciado como Maria é um pão −, nota-se que o significado do signo Maria, nesse caso, conduz a continuações como Maria é bondosa ou Maria é bonita, mas nunca a uma continuação literal do tipo de Maria é um pão (pão = alimento). O que esse enunciado revela semanticamente não é, portanto, uma identidade (Maria = pão), mas uma semelhança (Maria≅pão) que se encontra em traços do significado tanto do signo Maria quanto do signo pão. Tem-se, assim, o que Jakobson (2013) chamou de processo metafórico, construído por relações semânticas de similaridade no eixo paradigmático (in absentia).

Por sua vez, o processo metonímico − construído na e pela unidade discursiva mínima

chamada sintagma42 − revela como cada um dos dois elementos do conjunto binário é parte

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Esse resgate do pensamento jakobsoniano justifica-se, aqui, pelo fato de ele ter sido recuperado por Graeff (2012) para explicar a conexão entre enunciados no discurso/texto, pela Semântica Argumentativa, conforme se poderá verificar na subseção 2.2.2 (p. 79; nota 81).

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Faz-se relevante salientar, segundo Câmara Jr. (1978, p. 223), que o termo sintagma foi estabelecido por Saussure para designar a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior. No entendimento do referido linguista − definição implícita em Saussure − pode-se entender por sintagma "[...]um conjugado binário (duas formas combinadas), em que um elemento DETERMINANTE cria um elo de subordinação com outro

de um todo e como nenhuma dessas partes é autossuficiente. Isso quer dizer que o elemento linguístico -a de canta, por exemplo, fora do conjunto sintagmático do qual faz parte, nada significa. Os dois elementos que constroem um sintagma nunca podem se dessolidarizar, portanto, sob pena de incompreensão. Passando do nível da palavra para o da frase, verifica-se que a noção jakobsoniana de metonímia constitui uma importante ferramenta de explicação de determinados sentidos característicos do discurso artístico. Note-se que

Na frase bíblica "ganhar o pão com o suor do seu rosto", há duas metonímias, pão e

rosto, obtidas pelo processo de substituição da parte pelo todo: pão equivale, ali, a alimento e rosto equivale a corpo; e há, nessa mesma frase, uma terceira metonímia,

obtida pelo processo de substituição do efeito pela causa: o suor é efeito da fadiga. Como se vê, a contigüidade característica da sintagmática não se refere, simplesmente, à contigüidade de significantes, mas, também, à contigüidade de

sentido. (LOPES, 2000, p. 93, grifos do autor).

Embora, em linhas gerais, Jakobson defendesse a ideia de que a poesia pode ser caracterizada pelo processo metafórico e de que a prosa pode ser caracterizada pelo processo metonímico, é possível pensar na existência de um continuum semântico-argumentativo da linguagem, em que metáfora e metonímia nunca se dissociam. Como decorrência disso − apesar de essas divisões clássicas (de poesia x prosa e de metáfora x metonímia) serem significativamente importantes de um ponto de vista metodológico −, quando se olha para o discurso e, por isso, para o fenômeno linguagem, torna-se um exercício mais produtivo e funcional observá-lo pela dicotomia empregada nesta tese, entre discurso artístico x discurso não artístico, visto que, como se poderá verificar nas análises do capítulo 3, determinados discursos em prosa (um artigo de opinião, por exemplo) podem constituir-se, do ponto de vista semântico, muito mais pelo processo metafórico do que pelo processo metonímico.

A fim de reinterpretar as noções saussurianas de relação in absentia e in praesentia, Jakobson (2013, p. 61, tradução nossa) acrescenta que "o desenvolvimento de um discurso pode ser feito ao longo de duas linhas semânticas diferentes: um tema (tópico) conduz a outro seja por similaridade seja por contiguidade"43. Isso quer dizer, conforme já se afirmou

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