• Nenhum resultado encontrado

3.1. Várias vozes: entrevistas feitas na Universidade de São Paulo

3.1.2. Vozes discentes

3.1.2.1. Alunos do curso diurno

Os alunos do curso diurno da disciplina “Shakespeare e a Crítica” reclamam que falta ser trabalhado o contexto histórico das obras estudadas. “Se a gente está vendo Otelo, não vamos só ficar lendo Otelo, mas sim vamos ver o que está por trás. O que era importante? Qual a importância dos mouros naquela época? O que era perder Chipre?” (Aluna 4). Essa queixa também tinha sido feita anteriormente, na entrevista com as turmas de 2003. Os alunos enfatizaram que a falta de contextualização histórica é também um problema geral das disciplinas da Letras.

Uma aluna acha que o curso não aprofunda muito os tópicos abordados e considera que aprendeu menos do que esperava com as aulas. Unindo-se às vozes insatisfeitas, uma outra aluna acha que as “coisas ficam meio perdidas” durante as aulas e que talvez fosse necessário que o professor elaborasse um roteiro para a leitura das peças, para que os alunos não se perdessem.

Essas alunas também acham que falta interação entre o professor e os alunos, uma vez que o professor, segundo eles, não parece estar muito interessado

nas opiniões dos alunos. A Aluna 6 cita o exemplo de outra disciplina em que o professor dá um “filme e tem um texto apoiando o filme”, o que gera muita discussão. Assim, há mais interação entre professor e aluno, por causa do conhecimento prévio proporcionado pela leitura do texto. Nessa disciplina, os alunos também sentem falta de um embasamento teórico maior. Eles ressaltam que os bons livros não estão disponíveis na biblioteca, pois já foram emprestados, e o professor deixa muito pouco material para ser copiado.

Outro ponto negativo levantado por uma aluna refere-se à leitura de trechos longos das peças em sala de aula. Ela acredita que esse procedimento é desnecessário, já que, na maioria das vezes, os alunos já leram tal trecho em casa. “Eu acho que se perde muito tempo em sala de aula, quando poderia estar tendo discussões”, expõe a Aluna 1.

A própria Aluna 1 acha que um ponto positivo foi o fato de, durante o curso, ter sido estudado tanto comédia como tragédia, porque, em sua opinião, geralmente, privilegiam-se mais as tragédias em detrimento do outro gênero. Também foi apontado como extremamente positivo o fato de escolherem a peça que iriam ler, pois isso motivou os alunos. De acordo com os alunos, outra boa idéia foi a exibição do vídeo Making Shakespeare. Não exibir filmes que podem ser assistidos em casa foi também considerado um ponto positivo.

Depois de descreverem os pontos positivos e negativos da disciplina do professor John Milton, questões gerais foram levantadas. A Aluna 1 disse que essa disciplina sobre Shakespeare é importante porque o autor é básico, tanto para a literatura inglesa quanto para a brasileira. Os alunos, em geral, acham que também há muitos outros autores importantes que não são vistos tanto na área de Inglês como na Literatura Brasileira. A respeito da estrutura do curso de Inglês, em que as disciplinas são divididas em gêneros, a Aluna 1 comenta:

Eu acho que de certa forma resolve em parte esse problema de a gente às vezes não ver outras coisas. Porque, por exemplo, tem professor que

privilegia poesia. Tem professor que privilegia romance. Eu acho que, tendo essa divisão, dá um pouco para resolver isso.

Outra questão também abordada pelos alunos é que, algumas vezes, eles acabam vendo o mesmo autor duas vezes. Isso não acontece só com as literaturas de língua inglesa, mas também com a brasileira. “A gente viu Drummond duas vezes”, alega a Aluna 2.

Os alunos reclamam de outras disciplinas também. Acreditam que não estão aprendendo o que deveriam. “Não sei, sempre a gente sai insatisfeita desses cursos. Faz tudo correndo” (Aluna 3).

Novamente, falando especificamente sobre a disciplina de Shakespeare, a Aluna 1 revela: “E aí é só o que eu sei. Há muita conotação sexual, só (risos). Tudo em Shakespeare tem um, sabe, Freud explica. E o que eu sei de efetivo até agora é só. Então é bem genérico”. A Aluna 2 justifica a fala da colega, dizendo que é tanta coisa que o professor espera que eles conheçam que acabam ficando meio perdidos.

Eu acho que o curso de Shakespeare... ele teria que se explicar por ele, assim, por si só. Sabe, puxa, deve ser muito importante para ter um curso só de Shakespeare e só do teatro dele. Então, no final, você teria que dizer “é mesmo, ele é um autor tão grande que tem que ter mesmo um curso”. Mas não é isso que eu acho que o pessoal está sentindo. (Aluna 2)

Como mostra a declaração da aluna, parece que há uma insatisfação geral com relação ao ensino e também à aprendizagem na disciplina sobre Shakespeare. Os alunos depõem que ainda não sentiram por que Shakespeare é um clássico e, diferentemente dos alunos da noite, acham que mais peças deveriam ser estudadas, sendo que “não precisava ter perdido duas aulas lendo Othello na sala de aula” (Aluna 3). Outra aluna discorda, alegando que o importante não é a quantidade, mas sim a qualidade; não adiantaria se estudar 10 peças, todas elas comentadas rapidamente numa aula.

Somente uma aluna desse grupo entrevistado assistiu a uma performance de uma peça shakespeariana. Entre as várias peças do dramaturgo inglês em cartaz no período (Macbeth, O Mercador de Veneza, Muito Barulho por Nada, As Fidalgas), foi escolhida Otelo, do grupo Folias.

Quando perguntados sobre qual a maior dificuldade que existe no estudo de Shakespeare, os alunos respondem prontamente que é a língua e o contexto histórico. Ao contrário da Aluna 1, citada anteriormente, a Aluna 2 considera ser positiva a leitura de trechos em sala de aula, uma vez que facilita a compreensão da linguagem das peças. Também para facilitar a leitura, é importante a escolha de uma boa edição, que venha com notas explicativas, como atesta a Aluna 1:

Se a sua edição é aquela que tem as notas de rodapé. Essa expressão era usada comumente para designar isso. Ou então, em Shakespeare, normalmente isso significa aquilo, vai acontecer aquilo. Ajuda. Porque eu peguei uma edição assim. E é muito bom. Aí ajudou.

Mudando para aspectos mais gerais do curso novamente, os alunos acham que há muitos professores que fazem “terrorismo” e pressionam bastante nas primeiras aulas, mas depois relaxam um pouco. Há professor, no entanto, que é “bonzinho”, mas que, na hora de avaliar, não se mostra criterioso. Segundo os alunos, às vezes, fica difícil saber exatamente o que o professor quer que seja feito no trabalho. Porém, os alunos consideram ser importante a liberdade que têm para elaborar os trabalhos.

Já no fim da entrevista, quando foi perguntado se havia mais alguma coisa a ser dita, a Aluna 1 expôs sua reivindicação e queixa:

Eu senti que valeu a pena. Apesar de ser maçante, de ter professor que é irracional. Tem professor que faz terrorismo. Tem professor que pede leituras que são impossíveis [...] Cada professor pensa que você vai se especializar naquela matéria. Quem dá lingüística trata você como se você fosse um potencial da área. Bom, ela vai fazer o mestrado em lingüística, então tem que saber tudo isso. Gostam de explorar o potencial

ao máximo. Só que você que é uma sonsa sabe que tem que trabalhar, dar conta de tudo. É puxado.

A colocação da Aluna 1, a respeito da sobrecarga de trabalho, parece bastante pertinente, pois, como venho notando ao longo dos meus anos de academia, essa queixa é constante. A seguir, os entrevistados da turma do período noturno mostram que vivem o mesmo dilema: conciliar o cumprimento das obrigações impostas pelo curso com o tempo disponível para tal. Quando era professora substituta, participando de uma reunião dos professores de língua e literaturas de expressão inglesa, presenciei uma das professoras mais antigas e renomadas do departamento questionando seus pares sobre a quantidade de textos que eles exigiam que seus alunos lessem. Segundo essa professora, a exigência era descabida, pois nem mesmo eles (professores) liam tanto durante um semestre.

Não sou a favor de que os cursos baixem o nível do ensino oferecido. Entretanto, percebo que se deve refletir muito bem sobre as cobranças feitas aos alunos, porque a disciplina ministrada por um professor não é a única que os alunos devem dar conta. Conheço professores que fazem uma lista de leitura obrigatória e outra extra. Meus alunos, muitas vezes, reclamam da quantidade de textos para leitura. Certa vez, porém, deixei no xerox duas pastas: uma com textos de leitura obrigatória e outra contendo outros importantes, que achava que também deviam ser lidos, rotulada de extra. A maioria dos alunos acabava tirando cópia das duas pastas e tentando ler todo o material, sem reclamar, pois não se sentiam obrigados.

Documentos relacionados