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O artigo brasileiro de Rosa e Nogueira (2015), que apresenta maior quantidade de conteúdos referentes a um olhar para a América Latina, o faz em uma explícita abordagem politizada, e assim:

Discute aspectos teóricos das perspectivas feministas pós-coloniais e traz uma reflexão sobre sua aplicabilidade e desdobramentos para a criação musical, a partir de uma perspectiva que inclui marcadores sociais como gênero, raça e etnia, sexualidades, classe social, dentre outros (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 25).

Traz ainda, sob as lentes da abordagem feminista de conhecimento situado em musicologia e etnomusicologia, uma descrição dos processos de elaboração dos trabalhos de

autoria das “cantautoras”, e desta categoria, Rosa e Nogueira (2015) fazem uma articulação das compositoras e intérpretes e suas importâncias para o debate feminista.

É precisamente a partir da categoria “cantautoras” que Rosa e Nogueira (2015) adentram, em suas análises, na América Latina.

Compreendemos, por meio de Rosa e Nogueira (2015) que a “cantautoria” compreende-se na estratégia feminista em que mulheres artistas, precisamente compositoras e cantoras, tomam seus fazeres composicionais como ferramentas empoderadoras. Assim, reconhecem-se latinoamericanas e fomentam a execução e visibilidade de seus trabalhos autorais, estes inscritos às demandas que tais mulheres consideram pertinentes, uma vez que comumente, seus trabalhos musicais não “cabem” dentro de uma estrutura ainda tão “dominada” por homens, que por vezes, não atentam para as demandas políticas delas.

Tal perspectiva estratégica trouxe-nos o questionamento se há um foco nos marcadores sociais (na categorização) ou nas relações sociais dos sujeitos em tal abordagem. Ou seja, há uma maximização das categorizações e não uma observação das relações que tais processos sociais constituem?

Eleni Varikas (2016) problematiza os limites da tomada do gênero enquanto categoria de análise relacional e também, a sua circunscrição enquanto categoria elevada a um essencialismo, que o torna impossível de falar para além de si mesmo e dos sujeitos que supostamente estão dentro da categoria “maximizada”.

Também, em diálogo com o pensamento sobre interseccionalidade e consubstancialidade de Helena Hirata (2014), podemos compreender que o segundo conceito (consubstancialidade) traz evidência e crítica aos processos identitários e categorizantes, que acabam por explicitar especificidades que substancializam e essencializam os sujeitos a partir de suas demandas identitárias centradas, o que muitas vezes, cria importantes cernes de resistências, e trazem ao mesmo tempo, impossibilidades de diálogos e de articulações comuns entre os diversos sujeitos.

Rosa e Nogueira (2015), por sua vez, fazem referência à interseccionalidade; que remonta ao movimento do final dos anos 1970 conhecido como Black Feminism, cuja crítica coletiva se voltou de maneira radical contra o feminismo branco, de classe média, heteronormativo. Nisto, a problemática da “interseccionalidade” foi desenvolvida nos países anglo-saxãos, como aponta Hirata (2014), e comumente trabalha sob a égide das categorias raça, sexo e classe. A exemplo disto, cabe observar o quão significativa foram as demandas decorrentes do feminismo interseccional, uma vez que tal concepção trouxe à mostra as especificidades das mulheres negras, das mulheres indígenas, das mulheres latinas.

Esta abordagem mostrou que dentro da própria categoria mulher há distinções que não possibilitam a concepção de um sujeito unitário, defendido em termos de representação política aos moldes mais tradicionais.

Esta é uma temática que tem surtido efeitos na contemporaneidade, uma vez que as demandas de representação se instauram no reconhecimento que determinadas mulheres, em função de sua racialidade, etnicidade, nível sócio econômico, escolaridade, ocidentalidade, etc., acabam por ocupar posições de maior destaque, de maior prestígio, enquanto outras estão mais subalternizadas que as primeiras. Isto evidencia a continuidade, certa reiteração das hierarquias dentro da categoria “universalizada” mulher.

Nas últimas décadas, em decorrências das diversas estratégias políticas feministas, emergiram, desta disputa entre feminismos mais tradicionais e mais interseccionais, resultados mais evidentes para o modelo tradicional, como mostra Varikas (2016).

Segundo a pesquisadora, as representações feministas acabam por abarcar demandas muito próprias da submissão a um partido político, a uma ou algumas Organizações Sociais, à reivindicação por direitos constitucionais ou leis que criminalizam o feminicídio, ou ainda, reivindicação por direito ao aborto, ou métodos contraceptivos gratuitos, etc. O que demonstra que as demandas das mulheres acabaram por estar regidas por normativas que impossibilitam visões que trazem criticidade ao Estado.

Varikas (2016) vai explicitar que tais resultados trazem uma falsa sensação de superação das mazelas femininas, um contentamento e um anestesiamento que faz com que as mulheres, a partir do discurso político tradicional, não percebam que as desigualdades entre homens e mulheres estão sendo propagadas em meio a um fazer que se diz democrático.

Em Hirata (2014), segundo nossa compreensão, há também a percepção de que politicamente, algumas estratégias feministas estão sendo tomadas de modo a fazê-las serem vistas como ilhas, ou seja, sujeitos fechados em suas categorias, ou em suas especificidades, que são tomadas como uma somatória de atributos categorizantes que as hierarquizam.

Por exemplo, a mulher pobre, a mulher negra, a mulher latina, a mulher lésbica; estas, se tomadas em suas categorias de classe, de racialidade, de etnicidade, de sexualidade, acabam por se circunscrever naquilo que as difere em relação às outras que, de certo modo, por serem ricas, brancas, heterossexuais, europeias ou norte-americanas, não apresentariam elementos comuns às primeiras.

O conceito de consubstancialidade, por Hirata (2014), acaba por evidenciar que ao mesmo tempo, é necessário reconhecer as especificidades das mulheres em função das categorias que as distinguem, as hierarquizam e é igualmente necessário reconhecer que há

instâncias – substâncias – que as unem, que não as fazem estar simplesmente em ilhas que não as permitem se comunicar. Consubstancialidade é, então, com a mesma substância, com algo politicamente em comum, tomado no exercício político das relações das mulheres.

Butler (2018) coloca que, fadado a buscar o reconhecimento de sua própria existência em categorias, termos e nomes que não criou, o sujeito busca o sinal de sua própria existência fora de si, num discurso que é ao mesmo tempo dominante e indiferente, desta maneira, as categorias sociais significam ao mesmo tempo, subordinação e existência.

A nosso ver, apropriando-nos do pensamento de Hirata (2014) e Butler (2018), quando Rosa e Nogueira (2015) suscitam a categoria de “cantautoria”, elas estão a explicitar que pode haver estrategicamente entre as mulheres latinas, em especial as compositoras e cantoras de suas próprias músicas, uma consubstancialidade – algo comum que as constitui estrategicamente; assim como, reconhecem as demandas que emergem inegavelmente de agir em confluências às categorias, em especifico, das que se mostram mais empoderadoras e libertárias às mulheres.

Rosa e Nogueira (2015) mostram que por meio da “cantautoria”, as mulheres se articulam politicamente. Isto, em simultaneidade, sem desconsiderar que há elementos substancializados sociopoliticamente. Assim, não se nega a presença dos elementos que distinguem as mulheres umas das outras em função das diversas categorias (ou subcategorias), mas dadas as relações, surgem diálogos mais ou menos convergentes.

Contudo, o conceito de consubstancialidade (HIRATA, 2014) em nenhum momento aparece nos escritos de Rosa e Nogueira (2015), que se colocam mais para uma perspectiva interseccional, pós-colonialista, e também, queer.

Rosa e Nogueira (2015), ao se colocarem como “cantautoras”, o fazem por duas estratégias, que não são paradoxais entre si, mas que revelam um processo ao mesmo tempo identitário e autorreferencial, comum e subjetiva.

Elas assumem a própria escrita do artigo como uma proposta politizadora e nisto, trazem uma análise dos seus próprios trabalhos artístico-musicais. Sugerem elas, então, uma “incursão musical feminista” (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 26).

Colocadas em diálogo com Hirata (2014), a “incursão musical feminista” que Rosa e Nogueira (2015) defendem, é em si, a nosso ver, um elemento consubstancial. Este viés epistemológico cabe mutuamente enquanto estratégia e enquanto possibilidade crítica própria do conteúdo musical local. Optamos por aqui colocá-las, primeiro em seu caráter específico de uma especificidade latino-americana, portanto, que diz respeito à territorialidade e ainda assim, indissoluvelmente enquanto estratégia feminista e conteúdo musical propriamente já definido.

Assim, é da autorreferenciação, da análise de seus trabalhos composicionais que Rosa e Nogueira (2015), enquanto “cantoautoras”, fazem da escrita de seu artigo uma estratégia política, explicitado, intencionalmente, as contribuições de um fazer propositadamente epistemológico, próprio da América Latina.

É a partir da perspectiva pós-colonialista, que elas tomam os elementos que constituem suas perspectivas, oferecendo assim, uma miríade de estratégias políticas. Dizem as autoras:

Para começar a presente incursão musical feminista, partimos de algumas questões: como pensar música, processos criativos, performance e educação a partir de uma perspectiva das epistemologias feministas pós-coloniais? Quais as contribuições das mesmas epistemologias para reconfigurar este extenso panorama musical nosso de cada dia? O que nos move e inquieta para trazer estas questões? Quais outras trajetórias que nos inspiram para pensar sobre nossas próprias trajetórias e atuações musicais enquanto musicistas, compositoras, pesquisadoras, educadoras e ativistas feministas? (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 26).

Para imergirem na incursão, Rosa e Nogueira (2015) tomam como ponto de partida trazer referências musicais e feministas pós-coloniais, tais quais as de Glória Anzaldúa (2005) que:

Ao falar em línguas sobre uma consciência fronteiriça e mestiça, de poesia e enfrentamento, criando uma nova língua: aquela que refuta a hegemonia que não nos pauta, não nos contempla, não nos representa – a produção de conhecimento heteronormativa, branca, sexista, classista que nega e exclui a existência das mulheres enquanto criadoras, pensadoras, pessoas. O que se configura numa verdadeira tentativa de extermínio de seus feitos e de sua existência (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 26).

Isto fundamentado em um feminismo interseccional que se coloca para atender especificidades das mulheres, até então excluídas dos pensamentos feministas mais tradicionais, coisa que o pós-colonialismo traz. Porém, este mesmo trecho faz pensar: tal estratégia acaba por essencializar e fragmentar as questões feministas não trazendo às mulheres nenhuma possibilidade de convergência?

Rosa e Nogueira (2015) fazem surgir o segundo ponto de argumentação – a proposta de um feminismo fundamentado em uma pedagogia feminista antirracista pautada no fazer poético e musical. Isto, segundo elas:

É uma construção artística que, por lidar com a poesia, não quer dizer que esteja isenta de dor e de rupturas. Ao contrário: a poesia e a música nascem das rupturas e da dor que transformam. É um processo criativo no sentido amplo onde, ao criarmos caminhos artísticos e de produção de conhecimento próprios, também nos reinventamos como pessoas (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 27).

Cabe observar que há aqui a reivindicação de um diálogo entre poesia e música, deste modo, um fazer artístico estendido, e não somente delimitado disciplinarmente somente na música, novamente a miríade interdisciplinar aparece. É importante observar que aqui a letra é fundamental à música; coisa que nem sempre é comum a outros gêneros musicais.

Na justificativa de um fazer artístico estendido, as autoras recorrem ao dramaturgo, psicanalista e ator argentino Eduardo Pavlosky (1982) e explicitam que o diálogo com o referido autor fundamenta-se na proposição de uma pequena rebelião transformadora que, sendo intimamente delas, não deixa de ser também coletiva, e por conseguinte, é de outras “sujeitas” que se encontram nas inquietações artísticas, nos artevismos, na militância e na produção de conhecimento feminista (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 27).

O “artevismo” é colocado como um fazer artístico que se põe a favor da militância, que se propõe a pôr em congruência o fazer sensível, individual e o coletivo.

Neste aspecto, Rosa e Nogueira (2015), falando de suas próprias obras artísticas, tomam a subjetividade do artista como ferramenta coletiva. Dizem as autoras:

Neste sentido, ainda que consideremos a dimensão subjetiva como fundamental, pois “o pessoal é político”, não propomos uma narrativa de nossas obras, sonoridades e desejos de modo individualizado apenas, mas que estejam em consonância e em prol de um bem comum, dos direitos humanos que incluem os direitos das mulheres, da comunidade LGBTT, das comunidades indígenas, negras, periféricas, que ainda não estão representadas ou contempladas dignamente pelos estudos e ações em música. Mas claro que, de longe afirmamos representar todo este coletivo, e sim, nos conectar e solidarizar com suas agendas através de nossas atuações e interlocuções (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 27).

Há, desta maneira, um fazer que se instaura na “conexão” entre as mulheres, LGBT, etc., em um fazer musical em que sonoridades e desejos buscam contemplar conexões e especificidades. Nisto, Rosa e Nogueira (2015) colocam que se:

Nos considerarmos enquanto cantautoras, nos conectamos também com nossas irmãs latino-americanas feministas, que, através de suas diversas e particulares produções musicais, propõem um artevismo que extrapola fronteiras, o que novamente nos remete à consciência fronteiriça, uma nova consciência: a consciência mestiça, lindamente proposta por Gloria Anzaldúa (2005, p. 704), que citamos poeticamente:

Porque eu, uma mestiza, continuamente saio de uma cultura

para outra,

porque eu estou em todas as culturas ao mesmo tempo, alma entre dos mundos,

tres, cuatro,

me zumba la cabeza con lo contradictorio. Estoy norteada por todas las voces que me hablan

Simultaneamente

Rosa e Nogueira (2015) explicitam que estão caminhando para trabalhar o potencial criativo como uma tentativa de projeto solidário situado feminista e localizado no Brasil, mais precisamente, na América do Sul Latina e aqui, as vivências musicais são colocadas como estratégias de empoderamento das mulheres. Porém, tal estratégia não se finca numa estrutura de conhecimento que ainda vigora. Dizem elas:

Contudo, este projeto solidário e feminista, para situar mais uma vez nossa fala nos termos da perspectiva de conhecimento situado (HARAWAY, 1995), extrapola o âmbito do escrito-supostamente racional e científico e chega/vem para o/do corpo, onde mora outro conhecimento, o da experiência, da vivência musical, dos desejos mais íntimos de fazer uma música que nos acolha e nos represente, que nos ponha em diálogo com outras tantas que compartilham experiências semelhantes. Um espaço de empoderamento. Obras que nos brotam, escapam e já não mais nos pertencem, que formam uma estrutura estética que gera também uma sensação que integra e repara (ROSA e NOGUEIRA, 2015, p. 28).

Estas estratégias estão colocadas para a superação de um domínio racional que precisa ser transposto musicalmente, para a superação dos controles impostos aos corpos das mulheres. Nesta perspectiva, também Soares (2000, p.46) explicita que, nestes termos, “o corpo, portanto, é objeto de conhecimento e de intervenção, é algo que se domina, é mensurável, é construção humana”.

Há uma inegável positividade nesta estratégia, caberia ainda criticar os limites destas articulações artísticas, uma vez que elas trazem em si os limites de um ativismo ou militância de não é facilmente assimilável às pessoas de modo geral. A própria linguagem musical suscitada traz em si as rupturas e congruências que são frutos de processos nem sempre simples, ainda assim, Rosa e Nogueira (2015) “recorrem” à América Latina como um espaço político de potencialidades analíticas e empoderadoras. Elas criticam o imperialismo intelectual e, complementarmente, não desconsideram as contribuições já atingidas por estes fazeres epistemológicos e explicitam que a “cantoautoria” é fruto de um fazer que se coloca na superação da subjugação das mulheres no campo da composição musical.

Com isso, Rosa e Nogueira (2015) tomam tal fazer musical em similitude às epistemologias feministas, uma vez que na visão delas, em ambas as produções de conhecimento perpassam uma crítica à hegemonia epistemológica masculina e excludente. Defendem as autoras que:

Começamos pelas epistemologias feministas pós-coloniais ainda juntamente com a pensadora e compositora dominicana Ochy Curiel (2010), que traz sua identidade cantante, transgressora, negra e lésbica como marcadores fundamentais de sua obra. Pensamos composição como criação de mundos

que criam sentido e, sobretudo, está relacionada a relações de poder (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 29).

Nesta articulação entre epistemologia e composição musical, simultaneamente, o fazer feminista acaba por oferecer criações de mundo que dizem respeito às identidades de gênero e sexualidades que são colocadas para além das normas que vigoram e constituem, nas relações de poder, o desprestígio das mulheres em determinadas subáreas da música, em especial, na composição.

Desse modo, a nosso ver, tais estratégias de empoderamento trazem à “cantautoria” uma evidenciação de consubstancialidade (HIRATA, 2014), como já apresentado, e também, uma instância de agenciamento, que em Marlise Matos (2008) diz respeito às reflexões sobre epistemologias feministas12 que se apresentam como estratégias de não submissão ou condução ao papel de vítima, ou de sujeito em desprestígio diante dos fazeres sociais categorizados. Pois no fazer composicional colocado aos moldes da “cantautoria”, as mulheres “cantoautoras” cantam suas próprias canções e executam também as canções umas das outras, e acabam por constituírem sentidos de agenciamento. Ainda faltando mostrar como se darão esses fluxos de trocas; somente enquanto atividades próprias dos nichos?

Cabe resgatar que tal atenção à composição musical se dá pois, como mostrou Green (2012), sabe-se que a vasta maioria dos compositores, em música erudita/clássica, é de homens, com poucas mulheres, e que, segundo Murgel (2005), em se tratando de música popular brasileira, há um baixo grau de visibilidade das mulheres compositoras.

Portanto, esta perspectiva de composição e execução musical “cantautoral” propicia um exercício subjetivo e sensível, que em decorrência da agência (MATOS, 2008), consubstancializa-se (HIRATA, 2014) nos movimentos feministas em suas especificidades latinoamericanas. Uma possível solução à problemática que tem se mostrado constante às mulheres, superação da invisibilidade e depreciação na composição.

Apesar disso, nestes moldes de Rosa e Nogueira (2015), os olhares sobre a “cantautoria” perpassam instâncias que se submetem às epistemologias feministas, uma vez que, ressalvam as autoras:

Apesar de reconhecermos tais questões sobre o compor no sentido amplo como pertinentes e, assim também compormos nossas próprias narrativas e trajetórias, reiteramos a importância do retorno às epistemologias feministas em detrimento ao suposto universal masculino do compor – aquele que não toca na dimensão de gênero. Retornamos então à perspectiva de uma reescrita da história (SCOTT, 1992) sobre processos do compor, de performance, de

12 No plural por suas múltiplas vertentes, por isso, em discordância com um fazer epistemológico masculino centrado. Isto na perspectiva de Matos (2008).

pensar e agir feministas. E, neste sentido, somente autoras/es feministas e

Queer, em sua maioria, contribuíram para esta ruptura fundamental de

produção de conhecimento sobre o musical (ROSA; NOGUEIRA, 2015, p. 29).

Aqui cabe ressaltar que Rosa e Nogueira (2015) acabam por colocar a composição musical em função do processo de empoderamento das mulheres, entretanto, isso sob a égide de fazeres epistemológicos feministas que lhe propiciariam tais propriedades empoderadoras. Aqui o gênero, enquanto instância feminista, é tomado como uma instância que altera a produção musical.

Embora Rosa e Nogueira (2015) reconheçam a grande contribuição que o processo composicional musical, aos moldes das epistemologias feministas, apresentam, as autoras defendem que tais caraterísticas feministas só apareceram na composição musical após os pensamentos feministas adentrarem na área musical.

Parece-nos que aqui se explicitam os choques, as disputas entre os “campos” de conhecimentos propriamente compreendidos, como diz Bourdieu, citado por Matos (2008).

Em Matos (2008), o que torna o gênero um campo é, em primeira instância, as diferenças já reconhecidas, as ainda em reconhecimento e as disputas das diversas abordagens do conceito de gênero. Tais perspectivas, diversas em si, produzem um campo fundamentado no multiculturalismo e de certo modo, aberto às contradições. O gênero enquanto campo é complexo em si mesmo, pois faz o conceito ser entendido em modos feministas e fora deles e, concomitantemente, faz tal campo colocar em movimentação outros campos.

Até há pouco, tomamos, em maioria, neste trabalho acadêmico, o gênero, a sexualidade e a educação musical como áreas de conhecimento e categorias. Tal estratégia se deu por considerarmos que nossos aparatos teórico-metodológicos são melhor compreendidos dentro deste termo, enquanto o conceito de “campo” só foi suscitado à medita que ele acabou por evidenciar uma multiplicidade de entendimentos e de disputas entre as áreas supracitadas. Nesta medida, o conceito de “campo”, tomado aqui aos moldes de Matos (2008), citando Bourdieu, não será estendido, mas tomado pontualmente.

Retomando Rosa e Nogueira (2015), elas evidenciam pressupostos que dizem respeito a como a questão epistemológica feminista altera o campo (MATOS, 2008) da música. Textualmente, recorrendo a Scott (1992), as autoras defendem, mesmo diante da hierarquização epistemologia-composição que, similar a compor uma música, é, pois, compor- se enquanto sujeito. Tal vertente de superação das mazelas masculinas serão atingidas somente por meio dos pensamentos de autoras e autores feministas e queer, que em sua maioria,