• Nenhum resultado encontrado

Pesquisar gênero, sexualidade e educação musical é resultado de fatores que se imbricaram nas minhas vivências cotidianas e experiências de ensino-aprendizagem. O primeiro feito está relacionado à minha iniciação musical, que se deu dentro de uma igreja protestante em que o ensino de música é muito valorizado. Na igreja na qual comecei a estudar, as aulas são ministradas aos meninos e às meninas separadamente. Os meninos, em sua maioria, têm aulas gratuitas na igreja, as meninas têm aulas particulares e pagas, ministradas nas casas de outras “irmãs”. Isto cria, ao menos na realidade que vivi, um duplo sentido: de separação entre meninas e meninos (algo, de certa forma, segregador) e ao mesmo tempo, é algo que traz uma subsistência para as “irmãs” professoras. Ao longo desta minha formação na igreja, ficou evidente que as meninas e mulheres têm uma formação teórica mais profunda, são melhores cantoras, contudo, dentro da igreja, elas tocam somente o órgão. Já os meninos e homens tocam na orquestra, que tem diversos instrumentos e, à medida que são promovidos, regem tais orquestras. Há um grande paradoxo: comumente somente homens regem nas orquestras, isto no contexto brasileiro, mas a regente superiora de todas as orquestras é uma mulher muito bem formada, filha de uma família tradicional nesta igreja. Em outros países, mulheres tocam os instrumentos das orquestras, isso se justifica uma vez que nos demais países a quantidade de fiéis é menor e às mulheres cabem tais possibilidades.

Estudei por 4 anos trompete, depois, estudei violino. A este último instrumento, me dediquei por quase 16 anos, quando entrei na universidade. Antes de entrar na universidade, por um tempo cursei o conservatório, participei de projetos sociais, fui professor do projeto Guri por 6 anos, no quais, trabalhai como professor de violino e viola e também como regente, também trabalhei como professor por um ano dentro de um abrigo para crianças e jovens.

Passei por outras formações musicais: aulas particulares, projetos sociais e algum tempo no conservatório e em orquestras. Em especial, participei de orquestras e cameratas. Nas cameratas foram poucas as vezes que pude perceber uma paridade entre homens e mulheres.

Na minha experiência enquanto educador, tanto como educador sem curso superior, quando nos estágios que fiz ao longo de quase toda graduação, as questões do gênero e de sexualidade emergiu a partir de minha relação com minhas alunas e alunos, assim como, em decorrência das vivências com as licenciandas e licenciandos, que estagiaram comigo. Questões

como crianças que se beijam na sala de aula, invisibilidade para mulheres compositoras, aluno que apresentava indício de abuso sexual, aluno que foi abusado pela mãe, aluna que saia da aula de música para namorar e era punida por perder o ônibus, estagiária que defendiam a separação entre meninas e meninos nas salas de aula de música, alunas e alunos tendo suas primeiras experiências afetivas em termos de sexualidade na adolescência, por vezes, censuradas pela direção de projetos de música, caso de abuso sexual de um aluno, etc. Não vou me alongar, nem detalhar estes casos, pois deles falo sem podê-los esmiuçá-los, em decorrência de princípios éticos, contudo, direta ou indiretamente, naquilo que se discutia nas salas de professores, ou demandas que os próprios alunos traziam ou dividiam comigo, o gênero e a sexualidade sempre estiveram presentes no que se refere à minha formação e atuação musical, isto, nas aulas que ministrei, nos problemas que emergiram na ordem do dia das vivências musicais.

Em específico, na universidade, fiz licenciatura e me dediquei ao canto lírico, com um único semestre em canto popular, e me dediquei bastante à área da musicalização. Estagiei praticamente minha graduação toda com crianças e adolescentes.

Ao entrar na universidade, logo no primeiro semestre de licenciatura em música, constatei que uma significativa parte das alunas e alunos que ocupavam juntamente comigo tais espaços tiveram suas formações musicais em diversas igrejas protestantes ou católicas, algumas pessoas, inclusive, da mesma igreja da qual fui membro. Pude com isto compreender, direcionado por minhas professoras e professores, que as igrejas são no Brasil grandes formadoras de músicos.

No meu segundo ano de graduação tive grande aproximação com a professora Adriana do Nascimento Araújo Mendes que, em 2010, apresentou a sua tese de doutorado intitulada “Um estudo experimental a respeito da apreciação musical de alunos do ensino fundamental no ensino musical via computador”, focando na integração de mídias, na busca por promover a disseminação e o compartilhamento de conteúdo, desvendando o desenvolvimento de conteúdos didáticos multimídia tomados na produção de textos, vídeos, áudio, imagens, e animações, com base em orientações pedagógicas adequadas e usando ferramentas apropriadas à produção de cada tipo de mídia nas atividades dos professores nas escolas. Essa pesquisadora mostrou, na conclusão deste trabalho, que a variável de gênero, apesar de esta não ter sido considerada relevante inicialmente, teve um significativo impacto na assimilação dos conteúdos musicais apresentados às 50 alunas e alunos do 4° ano de escolas de Pedreira, interior de São Paulo (MENDES, 2010).

Mendes (2010, p. 94) aponta que “inicialmente, pensou-se que tal variável seria apenas complementar, de menor importância. No entanto, acabou sendo constatado que era de extrema relevância para o estudo”. A pesquisadora coloca que:

A questão de gênero foi um fator surpreendente e revelador, que deve ser levado em consideração tanto dentro de trabalhos a serem propostos no [projeto pesquisado], quanto em trabalhos desenvolvidos na área de educação musical. Este estudo apontou para uma nítida diferença nos resultados para meninas e meninos, demonstrando que há necessidade de se refletir sobre as relações de gênero na escola. Esta questão não foi o foco inicial da pesquisa e, portanto, não foi abordada na revisão da literatura. Mas através da observação durante a consecução do experimento e, principalmente, através dos resultados refletidos nos dados, não se pode ignorar que meninos e meninas nesta faixa etária apresentam perfis, interesses e formas de aprender diferentes. Ao se investigar a questão, constata-se que a preocupação com a maior dificuldade de meninos do que de meninas com relação ao desempenho escolar é objeto de estudo crescente no Brasil, apesar de não haver respostas definitivas no assunto (MENDES, 2010, p. 163).

Em sua pesquisa, Mendes (2010) evidencia a necessidade de desenvolver futuros estudos que tragam a discussão de gênero para propostas em educação musical em geral.

No meu terceiro ano de faculdade, cursei a disciplina eletiva EF 969 – Corpo, Gênero e Educação, ministrada na Faculdade de Educação Física da UNICAMP, pela professora Helena Altmann.

Diante destas prerrogativas, desenvolvi meu Trabalho de Conclusão de Curso, assim como três artigos, publicados em anos diferentes no Encontro de Educação Musical da UNICAMP, e surgiu então esta problemática, que constitui a presente dissertação de mestrado.