• Nenhum resultado encontrado

Conforme disse, morar numa roça tem uma série de vantagens, mas, também, inúmeras restrições. Ao iniciar pelas inúmeras faltas: aulas, merenda escolar, água, professores e biblioteca na minha pequena escola (até hoje ainda não tem!). Não recordo de nenhum livro até os seis anos de idade, apenas das histórias que meu pai inventava para mim antes de dormir. Eu sempre perguntava para ele: “Amanhã vai ter escola?”. Devido às cheias do rio e da lagoa, durante parte da minha infância eu não tive aula, pois os professores que vinham da cidade não conseguiam atravessar o rio.

Os contos e as histórias da nossa infância são os primeiros elementos de uma aprendizagem que sinalizam que ser humano é também criar as histórias que simbolizam a nossa compreensão das coisas e da vida. As experiências, de que falam as recordações- referências constitutivas das narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente da vida. (JOSSO, 2004. p. 43).

Em 1994, com seis anos de idade, ingressei, feliz e saltitante, no 1º ano do Ensino Fundamental. Este foi, de fato, meu primeiro ano na escola. Lembro-me da emoção que sentia quando minha mãe arrumava e penteava meus cabelos e organizava meu colecionador2 para eu ir à escola. Meu irmão mais velho, Junior, já havia feito um grande investimento, alfabetizando a mim e a meus irmãos, todos os dias nos dava aula, usando a porta de madeira da bodega e um giz.

Outro espaço-tempo que muito contribuiu para a minha alfabetização foi a Escola Bíblica Dominical, em uma igreja protestante que tinha perto de minha casa. Aquele espaço, minimamente, supria a necessidade e vontade que eu tinha de ir para uma escola formal, apesar da infraestrutura carente: sem luz e piso!

Quando cheguei na escola, era fascinada por uns livros paradidáticos que havia na estante da diretora. Este foi meu primeiro contato com livros de historinha com imagens. Os livros ficavam empacotados em uma das últimas prateleiras (bem no alto). Lembro-me das diversas vezes que implorei para levar para casa, ela sempre respondia com tom irônico que não podia pegar, apenas olhar e de longe.

Aquilo me revoltou... Não me conformei e consegui levá-los para casa com a ajuda de uma funcionária do turno da noite (Dona Marizor), a minha preocupação era que minha mãe descobrisse e achasse que havia roubado da escola, isso seria um castigo eterno! Mesmo assim, corri o risco, e passei a ler na hora que todos iam dormir, com a ajuda de uma moça que morava na minha casa: Nara (era ajudante da minha mãe na produção de queijos). Um dos primeiros livros que li foi Ali babá e os 40 ladrões, seguido de Aladim e a lâmpada mágica e 1001 noites. Não gostava dos livros de princesas, meus favoritos eram os de aventuras.

Minhas idas à diretoria era todas motivadas pelos livros, que só podia olhar e procurar se havia chegado algum novo e levá-lo a noite para casa... Um dos fatos marcantes foi um comentário de uma professora do 1º ano do Ensino Fundamental: “Meu Deus! A menina já lê tudinho!”.

2

Livros Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada Quase não tínhamos livros em casa E a cidade não tinha livraria

Mas os livros que em nossa vida entraram São como a radiação de um corpo negro [...]

Tropeçavas nos astros desastrada Sem saber que a ventura e a desventura Dessa estrada que vai do nada ao nada São livros e o luar contra a cultura. [...]

Durante a disciplina Educação Matemática e Educação Infantil, no Mestrado da UFC, procurei em meus registros de Infância e, em minhas lembranças de aulas que abordassem alguns conceitos ou noções matemáticas, mas poucas surgiram.

Tive duas professoras da creche, as quais sequer tinham o Ensino Fundamental completo. Ninguém ama o que não conhece, este pensamento explica o porquê de tantos alunos não gostarem de Matemática. Se a eles não foi dado o direito de conhecê-la, como podem vir a admirá-la? (LORENZATO, 2006).

Assim, as aulas eram todas voltadas para as práticas lúdicas, apesar de não usufruirmos de materiais e nem de um espaço físico para nossas aulas, as professoras sempre criavam alguma brincadeira ou, em muitas vezes, nos deixavam livres para sugerir brincadeiras.

Nós brincávamos de um tudo: pega-pega, bola, elástico, massinha de modelar, faz de conta e os adoráveis banhos na sexta feira, alguns de mangueira e outros no nosso rio. As lembranças que mais gosto de ter eram que sempre ficava descalça nas salas: como eu amava não precisar usar chinelas para subir em árvores!

Ao propor, no brincar, a trilogia: criar, sentir e pensar, Froebel (1912, p. 56) mostra o valor da ação criativa da criança, o papel das emoções e a integração do pensamento na ação. As concepções sobre o desenvolvimento infantil, nesse aspecto, são similares as da maioria dos psicólogos atuais. Wallon (1950) destaca as emoções como desencadeadoras das ações da criança. Bruner (1983a, 1983b) e Vygotsky (1988) evidenciam a integração da atividade infantil.

Quando ingressei no Ensino Fundamental I, houve uma grande ruptura e, no lugar da brincadeira, tudo era motivo de punição, castigo, especialmente nas aulas de Matemática: palmatória, ficar de joelho no milho...

Quando éramos um pouco mais ignorantes do que somos agora, se o resultado não era alcançado tal como planejado, educávamos, com autoridade, torturando crianças com pisa de cinto ou palmatória, ajoelhando- as em cima de caroços de feijão ou de milho e ainda tendo que segurar uma cadeira na cabeça, levando-as ao desespero com a arguição da tabuada, obrigando-as a copiar dezenas de vezes e números sem qualquer sentido, como se elas fossem pedras duras, que necessitam de muita água mole para serem furadas... E o que dizer dos milhares e milhares recreios roubados das crianças por adultos zelosos? (BARGUIL, 2014)

Outro fato importante era as ocasiões em que minha mãe era convidada a ir à escola com as queixas das professoras que porque eu não conseguia ficar sentada na cadeira e não calçava sandálias. Até essa idade, antes da escola, minha maior alegria era fazer acrobacias dos galhos das árvores para o rio. A escola era uma verdadeira tortura e disciplinamento do meu corpo.

Vale ainda ressaltar, que éramos proibidos de levar lanche para a escola. Só podíamos comer os lanches que essa inesquecível diretora vendia na cantina da escola que também era dela. Assim, o espaço da escola onde tudo era fantasia e alegria transformou-se em lugar sem cheiro, sem cor e sem sabor! Diante deste cenário, eu pulei o muro da escola no 5º ano e fui convidada a mudar de escola.

No silêncio da sala de aula ecoa a voz do mestre. Alunos calados escutam e copiam suas palavras. Pausadamente, o professor dita a sua versão da matéria com o estatuto de verdade absoluta. Alguns dos alunos permanecem com os olhos fixos no ambiente da sala, mas o pensamento viaja. Estão espacialmente presentes, mas mentalmente ausentes, distantes, embalados pelo som constante e monotônico da prelação. A hora e vez desses alunos nos espaços pedagógicos são restritas e definidas. Reproduzir nos exercícios, trabalhos e provas o pensamento do professor que “ensina”. Para esquecê-los depois. (KENSKI, 2000, p. 136).

Saí de casa, aos doze anos de idade, foi um marco na minha vida. Ainda mais pela transição da escola. Assim, cursei todo o 6°ano do Ensino Fundamental em escola particular na cidade de Morada Nova, e no final do ano com a promessa que iria me comportar retornei para o meu pedacinho de céu, onde conclui o Ensino Fundamental II.

No primeiro ano do Ensino Médio (2003), tive que retornar à cidade, pois no meu pedacinho de chão não esta etapa da Educação Básica. Assim, ia toda noite para a escola de pau de arara e retornava por volta de meia noite para casa. As recordações mais presentes são do carro que quebrava e inúmeras vezes chegava em casa quase de manhã, rezando para chover e tomar um banho no frio. E o pior é chovia e fazia muito frio.

Já não aguentando tanto sofrimento, no terceiro ano fui morar na cidade e estudar no turno da manhã. Lembro-me de uma situação engraçada, eu ficava sempre numa carteira próxima a uma janela da sala no segundo andar da escola. Fazia isso para ver quando meu pai passava no carro e saia desesperada para ir para a minha roça, nas sextas feiras, temendo passar o final de semana inteiro naquela selva, chamada cidade.

Tínhamos uma professora de História que era muito estranha e imprevisível em relação as nossas notas. Assim, certa vez quando ela saiu da sala, fui ver minhas notas no diário dela, e também achava estranho porque ela nunca me chamava pelo meu nome. Encontrei no meu número de chamada (15) a seguinte descrição: menina da janela.