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4.1 Pesquisas sobre a organização dos espaços na Educação Infantil

4.1.2 Educação Infantil e espaço

Nessa seção, será apresenta a leitura exploratória de três dissertações (BEZERRA, 2013; JULIASZ, 2012; MARTINS, 2010), merecendo destaque o fato de que os primeiros trabalhos foram realizados a partir de escutas de crianças.

A dissertação de Martins (2010), A Organização Do Espaço Na Educação

Infantil: O Que Contam As Crianças?, objetivou compreender os significados e

sentidos que as crianças atribuíam às instituições de Educação Infantil, em Curitiba. Ela analisou os dados sobre quatro núcleos de significação, cada um deles com respectivos indicadores finais: 1) Brinquedos e brincadeiras (mais legal versus mais chato; livre escolha versus proibições); 2) Contato com a natureza (novas aprendizagens); 3) Relações afetivas (Familiares no CMEI; Sala dos bebezinhos); e 4) Rotinas instituídas (Momentos de espera; Regras do CMEI; Espaços para meninos e espaços para meninas).

Martins (2010, p. 23), ao refletir sobre os conceitos de espaço, afirmou que para definir “espaço” é necessário investigar as aproximações com estudiosos das áreas da Psicologia, Pedagogia, Geografia e Arquitetura. As principais contribuições são os estudos de Forneiro (1998), Horn (2004), Carvalho e Rubiano (2007), Faria (2007a, 2007b) e Santos (1997; 2008).

A autora concluiu que,

[...] embora as crianças nomeiem os espaços de sua preferência e aqueles dos quais não gostam, estes estão mais relacionados com as atividades possibilitadas pelo próprio espaço e autorizadas pelas educadoras, do que pela sua estrutura física em si. As crianças preferem espaços que oferecem liberdade de escolha sobre os brinquedos e os colegas com quem brincar (MARTINS, 2010, p. 98).

A dissertação de Bezerra (2013), O Espaço na Educação Infantil: a

investigar os usos e os significados dados pelas crianças aos espaços da creche, estabelecendo um confronto com os critérios de qualidade dos espaços para a educação infantil apresentados nos documentos oficiais e na produção cientifica recente”. Seu lócus foi uma instituição pública do município de Florianópolis.

Para isso, a autora analisou diversos documentos legais de Florianópolis e do Brasil sobre qualidade na EI. O texto Indicadores da Qualidade na Educação ressalta que “Cada escola tem autonomia para refletir, propor e agir na sua busca pela qualidade da educação.”. (AÇÃO EDUCATIVA et al, 2007, p. 05) e indica sete dimensões (AÇÃO EDUCATIVA et al, 2007, p. 21-57):

1. Ambiente Educativo - No ambiente educativo, o respeito, a alegria, a amizade e a solidariedade, a disciplina, a negociação, o combate à discriminação e o exercício dos direitos e deveres são práticas que garantem a socialização e a convivência, desenvolvem e fortalecem a noção de cidadania e de igualdade entre todos.

2. Prática Pedagógica e Avaliação – planejamento a partir do conhecimento das crianças e avaliação (inicial, para o planejamento do professor, e uma avaliação ao final de uma etapa de trabalho), avaliação da criança e avaliação da instituição educativa.

3. Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita – destacam-se as indicações que se adaptam à Educação Infantil – precisam ter contato com diferentes textos, ouvir histórias, observar adultos lendo e escrevendo; existência de uma boa biblioteca e seu bom uso por todos; preocupação de cuidar e ampliar seu acervo e permitir o acesso aos livros.

4. Gestão Escolar Democrática – compartilhamento de decisões e informações entre pais, crianças, professores, funcionários e outras pessoas da comunidade na administração escolar.

5. Formação e condições de trabalho dos profissionais da instituição educativa – boas condições de trabalho, preparo e equilíbrio; garantia de formação continuada aos profissionais; uma adequada relação entre o número de professores e o número de alunos; salários condizentes, etc.

6. Ambiente Físico Escolar – organizado, limpo, arejado, agradável, cuidado, com flores e árvores, móveis, equipamentos e materiais didáticos adequados à realidade da escola, com recursos que permitam a prestação de serviços de qualidade aos alunos, aos pais e à comunidade, além de boas condições de trabalho para professores, diretores e funcionários em geral.

7. Acesso e Permanência das Crianças na Escola – conhecer e procurar os motivos das faltas das crianças e conhecer as singularidades de cada criança: onde e como vivem; quais as suas dificuldades; o que fazem depois do atendimento.

Na coleta dos dados, Bezerra (2013) observou como ocorre a constituição dos lugares e a qualidade dos espaços, definidos em três categorias: 1) nas ações dos professores; 2) nas ações das crianças; e 3) no compartilhamento das ações entre professores e crianças.

Bezerra (2013) concluiu que as manifestações e as experiências das crianças em diversos espaços de uma instituição de EI – o refeitório, a sala multiuso, a sala dos professores, o corredor, o banheiro, a horta, o pátio coberto e o parque – são lugares de ocupação dessas crianças e é necessário torná-los como indicadores de qualidade.

A dissertação de Juliasz (2012), Tempo, espaço e corpo na representação

espacial: contribuições para a educação infantil, buscou compreender a forma como

as crianças constituem as noções de tempo e de espaço, mediante a representação corporal e desenhos infantis.

Os estudos de Louçat (1979), destacados por Juliasz (2012), valorizam a importância de estudar as noções espaciais e temporais aliado ao conhecimento do corpo na educação infantil, visto que “[...] não se pode separar a organização do campo espacial ambiente da estrutura do corpo e de sua mobilidade.”. (JULIASZ, 2012, p. 52). Ressalte-se, ainda, que a projeção do esquema corporal acontece mediante a referência que a criança tem do espaço (JULIASZ, 2012, p. 55).

Juliasz (2012, p.175) concluiu que, ao

[...] dar a voz às crianças, o planejamento das atividades passa a ser feito de acordo com que elas sabem, pois, ao ouvi-las, no seu cotidiano, podemos pensar e proporcionar situações que partam do seu contexto histórico-cultural e que assim, mobilizam seus pensamentos para a resolução de problemas, avançando para o que já sabem para aquilo que saberão.

A importância de refletir sobre a organização dos espaços internos das instituições nos denominados “cantos” é compreender que é no espaço físico que as crianças se relacionam com mundo e as pessoas, descentralizando a figura do professor sobre a criança, “[...] transformando-o em pano de fundo no qual se insere as emoções. Essa qualificação do espaço físico é que o transforma em ambiente.”. (HORN, 2007, p. 28).

Desse modo, segundo Alves (1998, p. 129), a escola se constitui como espaço, pois “[...] é cheia de objetos e seres discriminados, marcados e

hierarquizados (a cadeira do diretor; a mesa do professor; o fogão da cozinheira; a bola do aluno; o bom e o mau professor).”.

Todos esses aspectos entram em um jogo simbólico constituindo os ambientes. Ressalto, portanto, que, apesar de parecer sutil, é importante distinguir “espaço” de “ambiente”, a partir dos estudos de Zabalza e Forneiro (1998), e definir lugar e território, de acordo com Tuan (1983) e Duarte (2002) (Quadro 08).

Quadro 08 – Significado de espaço, ambiente, lugar e território

ESPAÇO AMBIENTE LUGAR TERRITÓRIO

Objetos, móveis, materiais didáticos, decoração e estrutura física.

Conjunto de relações entre crianças e entre crianças-adultos no uso do espaço. Espaço ocupado. Adquire significado individual de acordo com o uso. Espaço institucionalizado/ legalizado.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Zabalza e Forneiro (1998), Alves (1998), Tuan (1983), Duarte (2002).

Escolano e Frago (1988, p. 26) postulam que

O espaço-escola é, além disso, um mediador cultural em relação à gênese e formação dos primeiros esquemas cognitivos e motores, ou seja, um elemento significante do currículo, uma fonte de experiência e aprendizagem.

Sob essa ótica, Malaguzzi (1999b, p. 86) afirma:

A valorização do espaço devido o poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre as crianças de diferentes idades, de criar um ambiente atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividades, e devido a seu potencial para iniciar qualquer espécie de aprendizagem social, afetiva, motora e cognitiva. Tudo isso contribui para a sensação de bem-estar e segurança nos alunos. Também pensamos que o espaço deve ser uma espécie de aquário que espalhe as ideias, os valores, as atitudes e a cultura das pessoas que vivem nele.

A organização espacial, portanto, comunica aos usuários daquele espaço mensagens, tanto diretas, ao facilitar ou impedir determinadas atividades, como simbólicas, ao divulgar valores e crenças sobre o ensinar e o aprender. Adotamos, portanto, uma perspectiva ambiental que enfatiza a relação bidirecional entre o Homem e o espaço, a qual é essencial para o pleno desenvolvimento da pessoa.

Outra contribuição importante para a reflexão sobre o espaço é fornecida por Horn (2007, p. 09), quando afirma que o espaço não é simplesmente físico, mas

permeia as relações entre estudante, professor e aprendizagem. O docente, mediante seu olhar atento, é sensível aos elementos postos em sala de aula. Ele se constitui um mediador de diferentes relações: entre as crianças e o saber, entre as crianças e o mundo que as cerca, entre elas mesmas, entre elas e o mundo imediato. A autora declara que

[...] a organização do espaço físico na educação infantil em cantos, em zonas semi-abertas, possa constituir-se para alguns educadores como uma forma de controle através de arranjos espaciais, pois o professor observa e controla as ações das crianças sem ser o centro da prática pedagógica. (HORN, 2007, p. 25).

Neste mesmo sentido, Campos-de-Carvalho (2004, p. 26) destaca que a organização espacial é um conceito multifacetado, englobando vários aspectos e dimensões, tais como segurança, conforto, identidade pessoal, motivação, autonomia, arranjo do ambiente, privacidade, contatos sociais, dentre outros. Entende-se que a organização do espaço é um dos componentes de um contexto ambiental, sendo que sua análise é necessária para a compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças.

A autora afirma que as características contextuais, das pessoas e dos campos interativos interpessoais, possíveis de ocorrência naquele contexto específico, são três elementos indissociáveis, imbricados na ação de dar significado ou sentido a si próprio, ao(s) outro(s) e ao contexto ambiental, bem como ao que acontece ali.

Segundo Barbosa e Horn (2001, p. 67),

Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o estabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais nada, o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir, principalmente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que momentos do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a proposta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte.