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2 O LEITOR NA TEORIA DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA

5.1 AMARRANDO AS PONTAS: PROJETO DE ENSINO, A PROPOSIÇÃO DE UM

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores.

Cláudio Saltini

As instigantes e inusitadas formas de entretenimento que as novas tecnologias da informática e da comunicação oferecem nos dias de hoje contribuem para acentuar a distância entre os jovens e a literatura canônica, o que parece ser reforçado pelas famílias, que raramente incluem a leitura no seu rol de atividades culturais.

A leitura da literatura contribui na aquisição e na ampliação do saber sobre a vida, sobre o mundo, sobre as pessoas — um saber diferente do científico, um saber de outra ordem. A literatura oferece novos olhares para as experiências vividas, para as idéias e conhecimentos obtidos.

Entretanto, certos procedimentos pedagógicos desconsideram as potencialidades próprias do texto literário, apostando em estratégias que focalizam a indicação de obras escolhidas por critérios pré-estabelecidos11, a avaliação meramente quantitativa, a leitura prevendo o vestibular e os exercícios gramaticais descontextualizados.

O resultado dessas experiências é conhecido: a escola, na maioria das vezes, não desempenha seu papel na formação de leitores; pelo contrário, seguidamente contribui para afastar os alunos do texto literário. Para que esse quadro se modifique, a leitura precisa ser encarada como um ato democrático, socializado e aberto entre texto, aluno e professor, ou seja, é necessário que se privilegie a liberdade na reflexão

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Obras que constam das listas das provas de vestibular; obras habitualmente solicitadas pela escola, definidas por critérios estabelecidos pela tradição.

acerca das obras literárias. É nesse sentido que o professor deve privilegiar a aproximação do aluno da leitura através da afetividade.

A aprendizagem do gosto pela leitura está ligada ao emocional do indivíduo, portanto o educador precisa incorporar em suas práticas pedagógicas os novos paradigmas, as novas teorias sobre a aprendizagem, sobre a leitura, sobre a literatura, e romper com certas tradições do âmbito escolar, nas quais os afetos estão excluídos. De acordo com SALTINI (1999), é fundamental promover a inclusão dos afetos na escola para que a educação forme pessoas livres, amorosas e, ao mesmo tempo, reflexivas, críticas e criativas.

Além da aquisição e do desenvolvimento do conhecimento, a educação é meio para auxiliar o homem a buscar a felicidade, sendo capaz de enfrentar os problemas e os conflitos de hoje, ou seja, tendo aptidão para conviver com o mundo que o cerca. Para SALTINI

as emoções, assim como os sentimentos e os desejos, são manifestações da vida afetiva. Na linguagem comum costuma-se substituir emoção por afetividade, tratando os termos como sinônimos. Todavia, não o são. A afetividade é um conceito mais abrangente no qual se inserem várias manifestações (p.61).

Assim, considerar a afetividade na escola é uma forma de contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, no caso, da leitura da literatura, uma vez que o professor não apenas transmite os conhecimentos, mas também estabelece uma relação de troca com seus alunos, isto é, deve aproximar-se do aluno, saber ouvi-lo, valorizá-lo, dando abertura para a sua expressão, credibilidade às suas opiniões bem como acolhimento às suas sugestões. Se respeitadas as especificidades do texto literário, essa abordagem pode ser priorizada com facilidade na escola.

Para VYGOTSKY (1987), o indivíduo e o mundo exterior estão intimamente ligados ao funcionamento psicológico. Assim, o homem aprende a partir daquilo que vive, experiencia. A metodologia do professor deve estar em parcimônia com as necessidades, os interesses, as predisposições dos alunos, favorecendo a comunicação. Compreende-se, então, que afetividade e inteligência são indissociáveis, ligadas e influenciadas pelo social, ou seja, também pela ação do professor.

Pelas escolas circulam discursos de professores, pedagogos e administradores escolares a respeito de trabalho com projetos em sala de aula. No entanto, muitas vezes, a idéia de projeto está equivocada, pois não se associam inteligência e conhecimento ao imaginário, à criatividade, à sociabilidade. Deste modo, as atividades estão voltadas à memorização, à segmentação, ao mecanicismo, isto é, não há uma real articulação das habilidades cognitivas do aluno aos conteúdos propostos.

Na verdade, é necessário criar uma proposta educativa cuja aprendizagem do aluno se torne mais significativa. Para tanto, é preciso que o professor proporcione aulas mais dinâmicas, criativas e interativas, onde o diálogo seja constantemente incentivado.

O ensino por projetos atende ao que MACHADO (1995) aponta: o conhecimento como uma rede de metáforas, em que o próprio ser humano faz suas conexões a fim de compreender.

Especialmente no que se refere ao planejamento das atividades didáticas, a concepção de conhecimento como uma teia acentrada de nós e relações significativas, em permanente transformação e atualização, conduz a uma radical mudança de perspectivas e expectativas (MACHADO, 1995, 154).

Principalmente, no que tange às disciplinas, vê-se a necessidade de articulações entre elas, ou seja, o professor precisa inovar suas aulas articulando os conhecimentos, inclusive aqueles que, muitas vezes, parecem desconexos, e colocando-os em rede com os acontecimentos, as descobertas, a história, a ciência, a tecnologia do mundo. Desta maneira, precisa, antes de mais nada, conhecer e entender a realidade em que o aluno vive para que, assim, o conhecimento esteja ao alcance dele: Levar em consideração a realidade do aluno, neste caso, pode significar eleger as metáforas para a construção dos novos significados a partir daqueles que supostamente os alunos já conhecem (MACHADO, 1995, p.163).

A fim de reunir a teoria sobre a literatura analisada neste trabalho àquelas relacionadas à aprendizagem optou-se pela elaboração e realização de um projeto de ensino. Nesse sentido, entendendo-se que a introdução da leitura da literatura deva começar a partir de textos relacionados à vida do aluno — seja a interior ou a real — a escolha das obras deve considerar o meio social, as experiências, as necessidades, seus gostos, os desejos, etc. Aos poucos, o professor deve ampliar a quantidade e o

grau de dificuldade das leituras, sempre, buscando relacioná-las de forma a facilitar e a ampliar os laços entre o texto, a leitura e o leitor.

O projeto em questão parte, pois, do gênero policial para chegar ao texto canônico. A representação da sociedade, com seus valores, seus ideais, suas ações, etc. constitui-se no material tanto da literatura canônica como da literatura policial. A diferença está no tratamento dispensado à linguagem. As obras especificamente escolhidas para a proposta metodológica em questão, embora pertencentes a essas duas modalidades culturais, possuem pontos convergentes que merecem destaque.

Cabe ressaltar que as opções relativas aos textos buscam atender as características psicossociais dos indivíduos da faixa etária da turma (em torno de 15 anos) a que se destina o Projeto e o conhecimento da pesquisadora a respeito da escola12 — o que foi reforçado pela Sondagem realizada no início dos trabalhos.

Os contos de Arthur Conan Doyle13 e Hamlet, de William Shakespeare possuem assunto, tema e estrutura semelhantes. Ambas as modalidades se organizam em torno do mistério, a partir de crimes que criam enigmas a serem desvendados por alguém — detetive ou não —, que atua a fim de solucionar os conflitos daí advindos. Para tanto, em ambos os casos, o raciocínio e a dedução, que percorrem caminhos específicos, dão as respostas.

A linguagem do gênero policial, porque coloquial, objetiva e instigante, atrai o leitor; tem a capacidade de envolvê-lo na história, nos pensamentos, deduções e descobertas dos protagonistas. O texto canônico, muitas vezes, traz uma linguagem considerada difícil porque distante do jovem. Assim, a imagem que o texto canônico passa ao leitor, muitas vezes, fica vinculada ao inacessível, à superioridade; já a literatura policial, ao contrário, tende a ser marginalizada e excluída do meio intelectual, como a escola, porque aponta apenas para o prazer.

Outra modalidade cultural relegada à marginalizadade pela escola é a história em quadrinhos, que, em contrapartida, constitui-se numa das leituras preferidas dos jovens. Apostando na conjunção entre imagem e linguagem, essencialmente dialógica, essas narrativas constituem-se numa leitura rápida, que atende ao ritmo acelerado da contemporaneidade.

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A mestranda atuou como professora de Língua Portuguesa e de Literatura neste estabelecimento de ensino durante cinco anos.

O material escolhido como estímulo para introduzir o Projeto foi As aventuras de TinTim,14 do escritor Hergé ainda da década de 40. A qualidade gráfica, lingüística, estrutural, o nível de informações acerca dos diferentes locais15 onde se passam as histórias e o gênero das narrativas — o policial — definiram a escolha. O detetive TinTim, ao desvendar os mais fantásticos crimes, convida o leitor a interagir na narrativa por meio do mistério, da dedução, da investigação.

Diferentemente das histórias em quadrinhos acessíveis aos jovens de hoje, as peripécias de TinTim são narrativas extensas, que exigem também maior concentração do leitor por apresentar enigmas e deduções do detetive a todo instante. A opção por essa modalidade textual parte da idéia de que se deve considerar, sim, os interesses, características, desejos, aptidões, etc. dos leitores, mas já ampliando tais possibilidades, pois se trata de uma proposta de ensino. Além disso, apostou-se no elemento surpresa, supondo-se que os alunos não conhecessem a revista, o que poderia despertar a atenção e provocar a curiosidade.

As modalidades narrativas foram, pois, eleitas com fins bem específicos, tendo em vista os respectivos contextos de produção e os públicos a que pretendem costuma atingir, quais sejam:

a) as histórias em quadrinhos são feitas para o lazer, também com intuito educativo, com objetivo de suscitar a crítica, a reflexão do público infantil, juvenil e adulto;

b) o conto, por sua vez, é a forma narrativa de menor extensão que o romance e de maior extensão que a novela. Apesar de possuir os mesmos componentes do romance, também mostra características estruturais próprias, quais sejam: narrativa linear e breve, normalmente, contém um só personagem principal, um só assunto, um só conflito, por isso deve primar pela concisão, precisão, ritmo, que, bem amarrados, devem provocar um efeito único no leitor. No caso do conto policial, o mistério, o medo, os enigmas, por exemplo, contribuem para suscitar tais emoções no leitor.

c) o texto dramático, que é a arte em que um ator, ou conjunto de atores, interpreta uma história que têm como objetivo representar (tornar a apresentar) uma situação e despertar sentimentos na audiência. Teatro significa lugar onde se vê e se ouve — modalidade que traz o diálogo, elemento que pode atrair o jovem leitor.

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Parte da História em quadrinhos As aventuras de TimTin, está em anexo N.

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Além do mais, as histórias policiais nessas obras mostram a cultura e a beleza de diversos países, onde acontecem os episódios, tais como: Austrália, Inglaterra, Egito. TinTim, o detetive, a fim de desvendar os crimes, não somente conhece os lugares, as culturas, mas também os mais variados tipos de pessoas.

As histórias em quadrinhos e os contos policiais foram respeitados quanto às suas particularidades e valorizados como modalidades culturais legítimas, embora tenham sido concebidos neste Projeto como meios para se chegar ao texto canônico.16

O material literário definido, numa seqüência cujo grau de dificuldade vai aumentando, pretende preparar o aluno, evitando que considere a leitura complexa, monótona e desinteressante. Nesse sentido, o professor deve organizar atividades de análise dos textos que incentivem a interação com os leitores — o que exige uma avaliação qualitativa e não nos moldes quantitativos tradicionais.

Uma avaliação baseada na medida do conhecimento obtido através de notas e valores atribuídos a partir da realização de provas e testes, comprometeria todo o trabalho proposto, pois não promoveria a interação com o texto literário. Assim, a avaliação deve incluir a participação, o interesse do aluno pelas atividades propostas evidenciados em situações tais como: a leitura de textos, a realização dos questionários de interpretação de texto, as apresentações de trabalho de pesquisa em grupos, as produções textuais.

Nesse sentido, outras disciplinas podem contribuir para o desenvolvimento de um projeto de ensino atualizado com as exigências da contemporaneidade. A disciplina de Língua Portuguesa deve concorrer para isso. Contudo, para formar leitores, a obra literária não deve servir como pretexto para qualquer outra atividade que não busque encontrar o prazer. Nesse sentido, pretende-se proporcionar ao aluno a leitura de diferentes tipos de textos bem como atividades por meio das quais ele possa expressar sua criatividade, seus pensamentos, seus desejos, etc. O aproveitamento dessa leitura, com certeza, contribuirá na ampliação dos horizontes de expectativas do aluno, reduzindo as barreiras existentes entre ele e a obra literária.

5.2 PROJETO DE SHERLOCK HOLMES A HAMLET: UM CAMINHO A SER