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5 DAS INTERAÇÕES COTIDIANAS AOS GÊNEROS ORAIS FORMAIS:

5.5.1 Ambientação e Diagnóstico de Competências e Habilidades

O momento de acolhida foi iniciado com a leitura do texto “O que é cidadania?” (DHNET, 2015) que discute os conceitos ligados ao tema. Todos os anos, em todas as turmas, levantamos esta questão, como parte de um esforço pessoal de disseminar estes conceitos entre os alunos. Em duas aulas, já antecipamos um debate sobre Direitos e Deveres, com uma parte dos alunos defendendo a tese de que há um exagero da instituição escolar na cobrança das regras (fardamento, horário, comportamento em sala de aula, assiduidade, etc) e a outra afirmando que a escola deve cobrar e fiscalizar e poderia, inclusive, ser mais rígida e usar outros artifícios - como a advertência e a expulsão – aos quais se recorre apenas em casos gravíssimos.

Foi interessante perceber como a discussão aconteceu naturalmente (sem a proposição do professor) e constatar a boa capacidade de argumentação dos alunos que, sem pesquisa ou preparação prévia, “dividiram-se”, por conta própria, em grupos e refletiram sobre o tema a partir da produção de textos orais, com a colocação de argumentos como a exemplificação e a analogia.

Este primeiro momento foi animador e vale lembrar, inclusive, que esta discussão oral não estava no planejamento inicial daquela aula. A ideia era a realização de uma produção escrita na qual os alunos, a partir da leitura do texto “O que é cidadania?” deveriam responder à pergunta: “Exerço meu papel de cidadão dentro da escola?”.

Pela animação demonstrada no primeiro dia, decidimos reapresentar a discussão na aula seguinte, momento em que cada um teve que responder oralmente à pergunta acima. Alguns deles se saíram muito bem na apresentação de sua resposta e foi possível perceber, nesta atividade, uma disposição dos alunos para o trabalho com linguagem oral. Apesar da

resistência inicial, decorrente, principalmente, da timidez, vimos que aulas nas quais discutam temas de seu interesse são mais empolgantes para eles.

5.5.1.1 Exposição Oral

A partir desta primeira experiência, empreendemos outra atividade, desta vez com o gênero exposição oral. Antes de explicar-lhes a proposta de produção textual, entretanto, decidimos conversar um pouco sobre a metodologia das aulas de Língua Portuguesa que eles haviam tido até então. Realizamos uma enquete na qual os alunos afirmaram que nas aulas de Língua Portuguesa dos anos anteriores não se privilegiava a produção de textos orais, a não ser seminários, geralmente realizados, segundo eles, sem nenhuma orientação a respeito das especificidades desse gênero textual. Nenhum deles conhecia ou havia participado de um debate no âmbito escolar, segundo declarado.

Ao final, foi explicado que, para a exposição oral, cada aluno deveria escolher alguém que admirasse e sobre quem gostaria de falar para a turma, trazendo desde dados biográficos, até curiosidades e fofocas. Na lista dos artistas apareceram os cantores Luan Santana, Pedro Geraldo Mazarão (PG, da banda gospel Oficina G3), Eminem, Anita e MC Guimé. Duas pessoas escolheram Luiz Gonzaga e uma, a atriz norte-americana Kate Winslet. Um estudante falou sobre o técnico de futebol Carlos Alberto Parreira, outro sobre o jogador Ronaldinho e outro sobre Neymar. Uma aluna decidiu falar sobre sua mãe. Seis resolveram não participar da atividade e a eles foi dado o direito de escreverem um texto a partir da proposta apresentada.

Na aula seguinte, trouxemos informações sobre o gênero exposição oral. Os alunos foram orientados a realizar uma ampla pesquisa a respeito da personalidade escolhida, etapa que deveria ser seguida da elaboração de um roteiro escrito com informações, que poderiam, ou não, serem utilizadas no momento da fala diante da turma.

Foi explicado que eles deveriam, antes de iniciarem, seguir um „ritual‟ de abertura, saudando os presentes, dizendo-lhes seu nome, identificando o espaço em que estavam, anunciando o tema de sua exposição e explicando à platéia o motivo de haverem escolhido a pessoa sobre quem iriam falar. Esta „exigência‟, própria do gênero textual em estudo, levantou uma discussão, com questionamentos do tipo “todo mundo já me conhece, então por que preciso dizer meu nome?”, “se estamos na escola, por que preciso dizer, novamente, o espaço onde estou antes de falar?”, “por que não posso simplesmente começar a falar, sem essa complicação toda?”

Muitos declararam timidez e afirmaram que este “protocolo” só aumentaria o tempo em que deveriam estar em frente à turma. Mesmo os que, a princípio, não fizeram críticas, passaram a concordar com a ideia e a reclamação foi geral. Este foi o momento em que precisamos intervir, explicando que os gêneros discursivos têm peculiaridades e sua realização demanda um conjunto de procedimentos necessários à sua caracterização.

A aula seguinte foi de preparação e ensaio. Foi reservado um espaço para as dúvidas e revisão do material de pesquisa coletado. No dia 19 de fevereiro, 11 alunos fizeram suas apresentações orais. Dois alunos desistiram de última hora. Dos que resolveram cumprir a atividade, três se destacaram e a eles foi atribuída uma nota 8,0. Falaram com fluência, atendendo às especificações do gênero, tiveram postura de expositores e ajustaram, satisfatoriamente, o registro linguístico ao contexto.

Os demais variaram entre 5,0 e 6,0, já que não atenderam, a contento, ao que foi exaustivamente orientado: esqueceram ou simplesmente ignoraram o „ritual‟ de apresentação; apenas leram o material de pesquisa; interromperam várias vezes a explanação alegando timidez (uma delas pediu para falar no final da aula) e, em alguns momentos, houve risos e brincadeiras.

5.5.1.2 Discussão Oral em Grupo

Após a realização do trabalho de Exposição Oral, o planejamento inicial de aulas teve que ser mudado mais uma vez. Empolgados, os estudantes sugeriram que, antes de entrarmos no estudo do gênero debate propriamente, realizássemos discussões orais a respeito de temas polêmicos o que, em seu entender, os ajudaria a perder a inibição e a se prepararem no que se refere à defesa dos argumentos.

Decidimos, mais uma vez, aproveitar a empolgação dos alunos, mudando o que estava programado. Sugerimos a divisão em cinco grupos de quatro alunos para uma discussão oral em grupo, gênero textual que desenvolve a capacidade de argumentar, e aproveitamos a ocasião para já lhes passar informações teóricas e também decidir, junto com eles, as regras da atividade. O tema escolhido foi “Os Limites do Humor”, discussão que mobilizou a opinião pública no início de 2015, principalmente por causa do atentado terrorista ao jornal francês Charlie Hebdo.

Ficou acertado que cada grupo deveria responder três perguntas, com revezamento entre os oradores, de forma que a maioria tivesse oportunidade de expressar, individualmente, sua opinião. Os outros dois participantes ficariam responsáveis por ajudar os colegas na

elaboração dos argumentos. Os oradores de cada grupo foram escolhidos previamente e, durante a sua fala, não seria permitido interrompê-lo.

O tempo estipulado era de um minuto e, caso o orador concluísse suas considerações antes, o cronômetro não seria interrompido. Se algum integrante de outro grupo decidisse falar, seria dado, com a aceitação do grupo que estivesse com a palavra, um minuto para a réplica. O grupo vencedor seria escolhido pelo professor, levando em consideração a qualidade dos argumentos e a observância das especificações do gênero discussão oral em grupo.

A atividade foi realizada no dia 9 de março e rendeu boas reflexões. Os alunos responderam bem a perguntas como “há limites para o humor, ou a liberdade de expressão deve ser total?”; “se alguém de sua família fosse vítima de uma piada de cunho racista ou sexista, qual seria sua reação?”; “você já sorriu de alguém que estava em uma situação embaraçosa (queda, crise de pânico, reclamação pública, etc)”?; “o humorista e apresentador Jô Soares declarou que „o limite do humor, é morrer de rir‟. Você concorda?”; “qual a sua opinião a respeito do incidente envolvendo o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa Camargo”?

Não houve pedidos de réplica. Percebemos que cada grupo focou na preparação para as perguntas que lhes foram feitas e até instalou-se, diante da vontade de vencer, um clima de certa tensão que acabou estimulando os participantes. O grupo 5, escolhido como vencedor, explorou melhor os recursos argumentativos e, diferente de outros, a exemplo dos grupos 1 e 3, manteve a postura e usou melhor a linguagem formal, de acordo com o requerido em situações de fala pública.

Um fato nos chamou atenção: nenhuma das falas tomou os 60 segundos reservados, o que demonstrou que ainda faltava fluência argumentativa. Muitas vezes, na ânsia de preencherem o tempo restante, alguns decidiam reelaborar enunciados que continham os mesmos argumentos, caracterizando uma falta de cabedal linguístico para realizar suas ideias oralmente.

Ao final desta aula, promovemos um momento de avaliação durante o qual os próprios alunos reconheceram as questões levantadas acima. Alguns revelaram que não se prepararam suficientemente e outros que sequer tinham feito as pesquisas. Aproveitando a ocasião, ressaltamos a importância da leitura sobre o tema abordado, afirmando-lhes que, apenas conhecendo o tema em profundidade, é possível defender, de forma mais efetiva e convincente, o ponto de vista adotado.