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4 ARGUMENTAÇÃO NA PERSPECTIVA COGNITIVO-DISCURSIVA: A

4.2 O papel da argumentação em processos educativos

A argumentação tem papel essencial na escola e deve ser trabalhada em sala de aula, pois contribui para ampliação da capacidade de atribuir sentidos à realidade, do saber dos indivíduos, além de atuar como processo constituinte na formação do pensamento crítico. “Argumentação, reflexão e construção do conhecimento são processos estritamente relacionados” (LEITÃO, 2011, p. 13). A autora ressalta, ainda, que “o engajamento em argumentação desencadeia nos indivíduos processos cognitivo-discursivos vistos como essenciais à construção do conhecimento e ao exercício da reflexão” (LEITÃO, 2011, p. 14- 15).

Para Dolz e Schneuwly, (2004b, p. 71), “situações autênticas de argumentação [...] são, sem dúvida, lugares de aprendizagem”. Ribeiro (2009, p. 56) ressalta que, do ponto de vista sociopolítico, é necessário implantar “na escola práticas sociais que permitam aos alunos o exercício real da cidadania [...] como ouvir os argumentos do outro e, a partir daí, poder refletir e se posicionar, opinar sobre o que ouviu, refutar, justificar opiniões”.

Em atividades que envolvam a confrontação de opiniões na defesa de um ponto de vista, o aluno é levado a identificar/produzir/avaliar/descartar argumentos no intuito de “aprender a argumentar” (LEITÃO, 2011, p. 16) a partir de ações específicas desenvolvidas pelo professor que se engaja nesta tarefa. Nesse sentido, Mateus (2013, p. 16) afirma que a argumentação configura-se como “prática pedagógica genuinamente crítica que busca criar possibilidades para que professores/as e alunos/as se comprometam com a produção de seu próprio conhecimento, de forma livre e criativa”. Assim como destacado por Leitão (2011, p. 15), que diz que

ao engajar-se em argumentação o indivíduo é levado a formular claramente seus pontos de vista e fundamentá-los mediante a apresentação de razões que sejam aceitáveis a interlocutores críticos. Mais que isso. Uma vez que o argumentar só se faz pertinente em situações em que pontos de vista divergentes em relação a um tema são (ou poderiam ser) considerados, espera-se ainda de quem argumenta disposição e capacidade de considerar e responder a dúvidas, objeções e pontos de vista contrários às suas próprias posições.

Dentre os mecanismos cognitivo-discursivos que a argumentação desencadeia estão, segundo Leitão (2011, p. 21-26): a) mecanismo reflexivo, acionado quando a argumentação compele o indivíduo a conjeturar sobre seu próprio pensamento, revendo os fundamentos e limites do seu saber e b) mecanismo de revisão de perspectivas, num movimento que leva o falante a analisar mais detidamente seus pontos de vista pela confrontação dos argumentos propostos na situação comunicativa.

Especificamente em relação a este último item, a autora explica que, ao entrar em contato com os contra-argumentos, o falante volta ao seu ponto de vista inicial para examiná- lo, atitude que pode gerar quatro tipos de respostas: 1 – a rejeição direta 2 – o entendimento de que o contra-argumento foi insuficiente para fazer com que ele abra mão de sua convicção a respeito do assunto 3 – a integração ao ponto de vista inicial de apenas parte da informação recebida ou a 4 – adesão total (LEITÃO, 2011, p. 27-28).

Não há dúvidas da riqueza de possibilidades de abordagem da argumentação em sala de aula. E diante desta diversidade, vale recorrer a Mateus (2013) para quem

a pedagogia da argumentação tem se tornado central para professores/as que se dedicam a práticas democráticas, buscando criar possibilidades para que mais pessoas sejam capazes de pensar criticamente, de refletir cuidadosamente e de se posicionar de forma articulada frente a questões sociais de natureza política, econômica, cultural (MATEUS, 2013, p. 9)

Algumas ações discursivas favorecem a instauração da argumentação na escola. No nível pragmático, estão as que favorecem o “enfrentamento” de ideias, tornando-se um “convite à argumentação” (LEITÃO, 2011, p. 33) como o estabelecimento de desafios à formulação de pontos de vista sobre temas polêmicos; os pedidos de justificação; estímulo à análise coletiva dos pontos de vistas colocados em sala de aula, dentre outros.

No nível argumentativo, o professor pode lançar atividades que estimulem o aluno a “avaliar a pertinência e o alcance de suas próprias afirmações” (LEITÃO, 2011, p. 34), através da formulação de argumentos e avaliação dos alheios e da elaboração de dúvidas, objeções, contra-argumentos, buscando respondê-los. No campo epistêmico, encaixam-se as atividades que “trazem para o discurso informações, conceitos, definições pertinentes ao tema focalizado e/ou implementam procedimentos e modelos de raciocínio típicos do campo do conhecimento em questão (LEITÃO, 2011, p. 34) como pesquisas, definição de conceitos, ensino de habilidades, dentre outros.

Mas a autora pondera: apesar da reconhecida importância do incentivo a atividades deste gênero, e da própria argumentação como atividade discursiva a ser trabalhada em sala de aula, “é ainda relativamente pouco frequente no cotidiano da sala de aula” (LEITÃO, 2011, p. 35). Charadeau (2012, p. 201) também afirma que “a tradição escolar nunca esteve muito à vontade com essa atividade da linguagem”. Isso se deve ao fato de que

Consciência da relevância da argumentação e disposição para produzi-la em sala de aula parecem, portanto, não ser suficientes. Mesmo professores sensíveis ao papel da argumentação na aprendizagem se sentem muitas vezes confusos sobre os níveis de escolaridade, campos de conhecimento (disciplinas) e mesmo, mais especificamente, as circunstâncias da sala de aula em que a argumentação poderia/deveria ser produtivamente implementada (LEITÃO, 2011, p. 35)

Nesse sentido, a autora esclarece que a argumentação pode ser trabalhada em qualquer nível de escolaridade e que temas e assuntos referentes a quaisquer disciplinas podem ser tomados em atividades que envolvam o embate de ideias, especialmente por que “a construção de conhecimentos nos variados campos do conhecimento depende não só da mobilização de conteúdo específicos aos respectivos campos, mas, também, do apelo aos tipos de raciocínio (razões/justificativas, objeções) de diferentes naturezas” (LEITÃO, 2011, p. 39).

Pelo seu potencial criativo, então, a argumentação oferece inúmeras possibilidades. “Ao argumentar, os participantes precisam se lançar com todo seu potencial na produção de possibilidades sobre um determinado tema. Engajam-se na busca por posicionamentos, evidências, explicações, exemplificações, correlações entre posições” (LIBERALI, 2013, p. 111).