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5 Análise da configuração Organizacional Administrativa do Movimento Pró-Criança

5.2 Ambiente externo e relações inter-organizacionais

Esta seção traz a caracterização do ambiente externo ao Movimento Pró-Criança a partir de dimensões definidas por Hall (2004): condições legais e condições demográficas.

Além disso, haverá identificação de algumas das organizações e instituições com as quais o MPC mantém relacionamento.

O próprio nascimento do Movimento Pró-Criança está ligado a condições sócio- ambientais desfavoráveis que assolavam, e até hoje assolam, a comunidade pernambucana. O problema das crianças na rua estava ligado não somente à desocupação delas nos horários em que não estavam na escola, ou até à falta aos compromissos escolares, mas envolvia a questão da miserabilidade em que a sociedade mergulhou, notadamente, dos anos 80 para cá. O diretor-fundador do MPC, Sebastião Campello, relata assim as condições ambientais que provocam relevância para o trabalho do Movimento Pró-Criança:

Isso começou por volta de 50, quando eu comecei a observar famílias na rua. Era tudo pobre e etc., mas na sua casinha, humilde. Essa miséria gritante e escandalosa que a gente já se acostumou não existia, não é? Eu tive nas favelas do peru. Não existe isso, entendeu? O Peru tem metade da renda per capta brasileira, mas você chega e você vê aqueles índios todos, com aquela casa até bonita, em todo o canto. Pobrezinho e etc, mas com uma certa dignidade que aqui no Brasil não tem, nenhuma. [...] A pediatra chefe aí do imip me contou que anualmente chega um, dois casos de meninos que perderam o pênis mordido por cachorro. É uma coisa assim que eu nunca vou entender (“F”).

Nesse estado da sociedade, de real miserabilidade, a atuação de instituições como o Pró-Criança torna-se cada vez mais requisitada, já que para lidar com o problema das crianças nas ruas é necessário fazer um trabalho não só com elas, mas também com suas famílias e a comunidade na qual estão inseridas. A inserção nas comunidades de baixa renda da cidade é uma missão que exige perícia para lidar com a “lógica da favela”, na qual todos lá estão inseridos. Não basta apenas adentrar a favela, mas é necessário entendê-la, seus mecanismos de ação e controle, sua dinâmica própria, o papel do crime, do governo e de instituições filantrópicas e religiosas que ali participam. O depoimento a seguir relata o tato necessário para tal inserção remontando o início das atividades do MPC:

“Quando mexe com comunidade, mexe com líder comunitário, quando mexe com líder comunitário, mexe com a policia interna da favela. Aí pronto, começaram a achar que eu queria ser política, eu queria ganhar eleição (ser vereadora) e até eu dizer “olhe, esse trabalho é meu, Roseangela, ser humano, cidadão, não tem nada a ver com a ONG, eu tô aqui tentando ajudar as pessoas” Então assim, além dos conflitos que a gente tinha de mensurar, de mostrar as pessoas que vale a pena investir na educação, vale a pena investir no conhecimento, que é a única coisa que a pessoa tem que ninguém toma, mais não conseguia. (...) Primeira comunidade que foi a do Caranguejo, quando conseguiram salas pra dar aula

de arte, com pouco tempo a comunidade tava cobrando R$ 1,00 de cada aluno pra pagar a limpeza das salas, então assim pra você ver coisas que nem a gente tava sabendo (...) É muito conflitante, porque você tem que ta se resguardando por todos os lados sempre tem alguém que queira se beneficiar através de uma ação” (“B”).

Durante toda a história do MPC sempre foi necessário lidar com possíveis aproveitadores do “status” proporcionado pelas ações realizadas. Além disso, a imagem que muitas pessoas têm de organizações não governamentais como instituições de “fachada”, que buscam fazer enriquecimento fácil e ilícito, sempre levou o MPC a buscar prudência na sua prestação de contas, seja ela interna ou externa.

Os agentes empresariais e governamentais financiadores de projetos sempre foram uma das fortes relações do MPC. Os agentes governamentais realmente não têm expressividade nessa relação, já que é quase inexpressiva a participação deles no âmbito financeiro dos projetos. Quanto aos agentes empresariais, eles têm participação efetiva no financiamento de projetos, com destaque para a Petrobrás, Infraero, além do Instituto Ayrton Senna.

Dentro dessa relação com parceiros financiadores, as exigências no procedimento tal qual proposto no projeto aprovado é sempre requerido. Além disso, há o controle rígido em cima de como estão sendo gastos os recursos enviados para os projetos. Isso gera várias demandas de produção de relatórios e atendimento a auditorias, como expressado abaixo:

“Cada colaborador (o patrocinador do projeto) ele diz como a gente deve gastar, por exemplo, você só pode gastar 4 mil em material didático, só pode gastar... Tô falando assim. Você só pode gastar 3 mil em vale-transporte, então você tem que ter aquele máximo de cuidado pra gastar dentro do projeto, tem que ter muita concentração em relação a isso. E tudo é como eu te falei, é tudo preto no branco, você tem que mostrar o que você recebeu, o que você gastou. Cada projeto existe uma conta especifica, onde quando eu faço a prestação de contas, segue além do movimento, tudo que eu usei, vai o extrato pra que ele confira, porque vai a cópia do cheque, o valor que foi utilizado, a nota fiscal em anexo do que foi utilizado” (“G”).

Uma das instituições que têm contribuído bastante com o MPC é a Celpe (Companhia Energética de Pernambuco), não diretamente com dinheiro, mas com a disponibilização do acesso a seus clientes através da doação ao MPC pela conta mensal de energia elétrica. Esta campanha já responde por mais da metade dos recursos angariados mensalmente, e conta com pretensões de aumentar sua participação na totalidade dos recursos da instituição.

Se o governo realmente não tem envolvimento relevante no financiamento das atividades do MPC, seu papel é firmado como fiscalizador das atividades. Esta fiscalização dá-se no sentido do cumprimento das obrigações legais peculiares às relações trabalhistas, e pagamento de demais impostos, além da atividade de fiscalização da qualidade das atividades proporcionadas às crianças, com instituições como Conselho Tutelar e outras entidades que zelam pelos direitos da criança e do adolescente no Estado.

No mesmo prédio onde hoje funciona a sede do Movimento Pró-Criança e também a Unidade dos Coelhos, funcionam outras duas organizações. Essa convivência dá-se objetivando o melhor relacionamento possível, entretanto, em virtude de dificuldades com os assistidos por essas instituições, alguns desconfortos são percebidos na relação. Segundo funcionários do MPC:

“Eles são indisciplinados, os alunos deles não assistem aula, ficam pelos corredores, invadem aqui a nossa área, não tem educação. Uma vez eu tava subindo, teve um que pegou um copo, pra você ver o instinto da pessoa, né? É os que estão em processo de ressocialização, pegou um copo de plástico e jogou na parede e ai foi água por todo canto e a menina tinha varrido o chão, tinha deixado tudo limpinho. Na hora, eu vou falar a verdade eu morro de medo desses meninos. Na hora quando vi o absurdo que ele fez eu briguei com ele “menino como é que tu faz um negócio desses? a menina acabou de limpar”, ainda bem que ele falou calmo comigo, ele fez “tia, eu pensei que tivesse um lixo aqui” Se fazendo de besta. Aí eu disse: “mas não faça isso não” ele pegou e tirou o copo no chão. Depois que eu entrei eu pensei, eu sou louca, porque saio então todo dia saio pra almoçar a pé e volto. Meu Deus, não devia ter feito isso não. Eu até comentei com seu Sebastião “me chamasse que eu brigava com ele”, não senhor. A gente tem esse problema, entendeu? Eu acho que eles não conseguem mostrar controle pra esses meninos, eles não conseguem colocar eles dentro de sala de aula” (“G”). “A relação é meio conflituosa, mas vale lembrar que eles têm objetivos diferentes. Eles estão aqui há muito tempo. O MPC chegou depois deles. O prédio é da Arquidiocese. Se você tem atividades diferentes, cada um quer que seus objetivos sejam alcançados da melhor forma possível. Aí existe conflitos por conta da formação da pessoas, objetivos que têm a organização, essas coisas. Nada que possa atrapalhar de forma significativa nosso funcionamento, nem o deles” (“A”).

No envolvimento que o MPC tem estabelecido com diversas instituições privadas, governamentais, terceiro setor e sociedade civil organizada, ele exerce influência e articulação no sentido de criar e fomentar redes para abordagem dos problemas sociais

envolvendo crianças e adolescente no Estado. O Pacto do Recife foi o resultado de uma dessas atuações do Pró-Criança, juntando várias pessoas e autoridades significativas de Pernambuco para assinatura de um pacto com o objetivo de tirar todas as crianças das ruas do Recife, se responsabilizando por escrito. Na ocasião, até mesmo o presidente da república esteve presente no evento de lançamento. Através da articulação do MPC foi possibilitada uma orientação eficiente para usufruto dos benefícios da lei de incentivo a cultura do Recife.

Mediante o atendimento de seus objetivos, o Movimento Pró-Criança também, ao longo de sua história, sempre esteve presente a ajudar outras organizações não governamentais, através da partilha de recursos. Hoje, por exemplo, proporciona a partilha dos recursos advindos da Campanha Clarear com mais duas instituições, a ABCC e a Auxílio Fraterno.

Cabe também ressaltar a relação desenvolvida entre o MPC e escolas e empresas. Periodicamente há o acompanhamento da freqüência dos beneficiários nas escolas onde eles estudam. A ligação ao MPC está condicionada à freqüência à escola. Quanto à relação com empresas, além das já citadas, o MPC também encaminha, quando solicitado, adolescentes para realização de estágio e programas de primeiro emprego, proporcionando uma oportunidade de capacitação para estes.

Podemos então ilustrar através da figura abaixo as inter-relações com diversas entidades e organizações vivenciadas pelo Movimento Pró-Criança:

Figura 7(5): Representação do ambiente externo do MPC (Fonte: Elaborada pelo próprio autor)

Passaremos então agora ao próximo tópico, abordando os aspectos referentes ao agente neste estudo.

5.3 Caracterização do agente organizacional e relacionamentos