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Fase 4 : A Perspectiva de Empresas de Pequeno Porte

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.9. Questões ligadas ao ambiente

4.9.3. Ambiente sociocultural

Para tentarmos identificar de que forma a cultura nacional e das organizações pode contribuir para explicar os relacionamentos entre os agentes do canal de distribuição de alimentos no Brasil, utilizamos como instrumento de análise, elementos relacionados às dimensões culturais propostas por Hofstede (1997).

4.9.3.1.Individualismo versus coletivismo

O estudo de Hofstede (1997) aponta que o Brasil é um país que tende ao coletivismo. Esta constatação é coerente com a visão de Damatta (1985), para quem, no Brasil, as relações que uma pessoa tem são mais importantes do que aquilo que ela faz ou o lugar onde nasceu e, portanto, o fato de pertencer a um grupo confere importância ao indivíduo. Desta forma, os relacionamentos e os interesses do grupo são mais importantes que os dos indivíduos.

Este contexto levaria a crer que, ao considerarmos os agentes do canal de distribuição como um grupo, poderíamos encontrar baixa ocorrência de conflito e mais cooperação. Todavia, esta constatação é oposta aos resultados de nossa pesquisa, uma vez que predominam no canal de distribuição relacionamentos conflituosos e de baixa cooperação.

A explicação para esta aparente contradição, possa estar na afirmação de Aidar et al. (2000:56), ao comentar a análise desta dimensão numa visão mais ampla da

cultura organizacional brasileira: “Nossa noção de solidariedade é precária e parece envolver somente os mais próximos. Não chegamos a concluir o caminho que leva à noção de cidadania e bem comum”.

Como conseqüência desta aparente contradição, entendemos que esta dimensão cultural não explica os relacionamentos conflituosos, porém sinaliza que existem traços na cultura brasileira que talvez pudessem facilitar o desenvolvimento de relacionamentos mais colaborativos.

4.9.3.2. Distância do poder

O Brasil, assim como, diversos países latinos inclusive França e Espanha, apresenta elevada distância do poder. Em paises com elevada distância do poder, atitudes autoritárias são aceitas, assim como as decisões são autocráticas e paternalistas e a distribuição do poder é desigual, constituindo as hierarquias.

Ao descrevermos os relacionamentos entre os agentes no canal de distribuição de alimentos no Brasil, constatamos que os relacionamentos se desenvolvem por meio de negociações constantes com a utilização freqüente de fontes de poder coercitivo que são características de relacionamentos de caráter hierárquico. Desta forma, poderíamos especular que a elevada distância do poder característica da cultura brasileira, contribuiria para explicar os relacionamentos conflituosos observados entre os agentes.

4.9.3.3. Prevenção contra incertezas

As organizações empregam diversos instrumentos para lidar com a incerteza, tais como: tecnologia, normas, leis, rituais, etc. (HATCH 1997, AIDAR et al. 2000). Desta forma quanto maior a prevenção contra incerteza, mais presentes estarão estes instrumentos, caracterizando estruturas mais burocráticas e hierarquizadas regidas

por tradições, normas e leis. Nesta dimensão, o Brasil é identificado como um país com elevada prevenção à incerteza e, portanto, predominariam as estruturas burocráticas e hierarquizadas, bem como instrumentos de prevenção à incerteza.

Em nossa pesquisa não identificamos, a utilização, como regra geral, de instrumentos formais que organizam o relacionamento entre os agentes. Pelo contrário, predominam as negociações constantes, os leilões e as cotações, mesmo em na presença de contratos formais, como no caso dos grandes varejistas.

Por essa perspectiva, a dimensão prevenção contra incerteza não contribuiria, em nossa interpretação, para explicar os relacionamentos entre os agentes no canal de distribuição de alimentos no Brasil.

4.9.3.4. Masculinidade versus feminilidade

As culturas e as organizações com características masculina enfatizam resultados e a repartição destes em função do desempenho, ao passo que naquelas com característica feminina, os resultados devem ser repartidos com base na necessidade individual. Nesta dimensão, o Brasil apresenta um posicionamento neutro, ou seja, não pode ser classificado nem como uma cultura com característica masculina, nem feminina. Este tipo de resultado poderia ser interpretado como uma cultura de natureza ambígua, ora apresentando características femininas, ora masculinas. Nossa pesquisa encontra evidências desta ambigüidade, conforme pode ser constatado nos exemplos a seguir, extraídos das entrevistas:

[...] a questão não é ser pior ou melhor, a questão é que é um jogo de forças, isso está claro. Os médios fornecedores são mais flexíveis e se a gente souber usar a nossa relação e não a força, a gente consegue desenvolvê-los aqui dentro.

Varejo – Entrevistado 4

[...] nós não estamos aqui para ajudar, nós estamos aqui para colaborar para resolver esses problemas e uma solução desse problema é a transparência. Eu não sei há quanto tempo estou dizendo que precisamos além de reforma tributária precisamos de uma legislação que regule o sistema comercial e que regule também a definição de preços

A ambigüidade entre o discurso e a prática, entre a intenção e ação estaria relacionada à posição neutra que caracterizaria o contexto brasileiro, na dimensão masculinidade versus feminilidade, poderia explicar a falta de transparência e a inconsistência no discurso dos agentes do canal de distribuição de alimentos no Brasil.

4.9.3.5. Orientação a curto versus longo prazo

A quinta e última dimensão do modelo de Hofstede diz respeito á orientação a curto prazo e a longo prazo. Esta é uma dimensão que foi acrescentada posteriormente ao modelo e que resulta de um processo de amostragem e de uma abordagem diferente. A orientação a longo prazo é caracterizada pelo sacrifício de resultados no presente em beneficio de resultados futuros.

Curiosamente, o Brasil desponta com uma cultura com orientação a longo prazo, o que aparenta ser uma constatação não intuitiva. Ao comentar este resultado, Hofstede (1997: 168) afirma que “...Brazil has a sizeable japanese minority, though”.

O resultado nesta dimensão não encontra respaldo na pesquisa, uma vez que o próprio processo de negociações permanentes, associado ao uso extensivo de fontes de poder coercitivo, caracterizaria uma orientação a curto prazo. Desta forma, não poderíamos estabelecer uma relação entre esta dimensão cultural e o desenvolvimento dos relacionamentos entre os agentes no canal.

Ainda que, nossa pesquisa não tenha como objetivo demonstrar a aplicabilidade do modelo de Hofstede (1997), cremos que os resultados obtidos são intrigantes, uma vez que através de uma aplicação simplificada e direta das dimensões culturais propostas, encontramos evidências de influência direta, apenas na dimensão distanciamento do poder. Na dimensão masculinidade/feminilidade, o posicionamento neutro do contexto brasileiro foi interpretado como um sinal de ambigüidade e, desta forma, respaldou o comportamento dos agentes identificado

na pesquisa. Para as demais dimensões, não foi possível estabelecer nenhuma relação.

Todavia, quanto à orientação a curto e longo prazo, podemos efetuar outra análise, a partir do conceito de clockspeed proposto por Fine (1998). Clockspeed poderia ser definido como a taxa de evolução de uma indústria, sendo, portanto, uma medida de sua capacidade de evolução e de adaptação. Por sua proximidade junto aos consumidores, os processos de negócio do varejo tendem a ser bastante acelerados, pois devem estar em constante adaptação às necessidades destes consumidores. Esta situação fica melhor caracterizada quando imaginamos as transformações sociais e políticas que o Brasil vem experimentando nas últimas décadas e seu impacto nos consumidores. Desta forma, mudanças no composto mercadológico e nos processos de negócio do varejo são relativamente rápidas, caracterizando uma dinâmica acelerada e, portanto um clockspeed maior. No caso da indústria, o próprio processo de desenvolvimento de produto e a decisão pela produção traduzem-se em ciclos de decisão mais longos e, portanto, um clockspeed menor, se comparado ao varejo. Se considerarmos que o canal integra estes dois agentes, operando com clockspeeds distintos, podemos identificar um outro aspecto que contribui para dificultar uma maior integração e um melhor relacionamento entre os agentes. Neste caso, não se trata da cultura nacional influenciando o relacionamento, mas sim de culturas de diferentes setores com características profundamente distintas. Esta situação não é um privilégio do contexto brasileiro e, em algumas entrevistas, este tema surgiu, bem como algumas idéias quanto à forma de gerenciar estas diferenças:

[…] frequentemente, em minhas viagens pelos países sob minha responsabilidade, utilizo uma imagem que retrata uma balança: num prato temos o curto prazo e no outro o longo prazo, a criação do futuro. Precisamos equilibrar os dois, permanentemente.

Indústria - Entrevistado 1

[...] existe uma tendência que é a integração dos setores econômicos. Esta tendência impulsionada pelo princípio da economia de mercado, faz com que as empresas tenham que competir e as que não são suficientemente competitivas morrem. E, para competir, as empresas buscam formas de reduzir os custos de seus negócios e aumentar as vendas e quando já não têm mais formas de conseguir reduzir os custos internamente se relacionam com outras empresas para encontrar fontes de redução de custo e aumentar as vendas.