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AMBIGÜIDADES DA TEORIA ENERGÉTICO REPRESENTACIONAL

Um a vez apresentada a hipótese que procura situar o lugar do afeto na neurose de angústia nas relações entre a excitação som ática e a psíquica, pode-se avan-

1 0 A passagem ilustra, ainda, o com prom etim ento da neurose de angústia com um a esfera de

excitação bastante restrita à função sexual propriam ente dita. Quando a noção de sexualidade for expandida com a introdução do conceito de pulsão, essa distinção, tão cara à concepção das neuroses atuais, cairá por terra, im plicando a necessidade de um a reconsideração da noção de insuficiência psíquica.

çar em algum as considerações adicionais. Trata-se de dem onstrar que a tram a conceitual em basada na hipótese energético-representacional encontra-se ain- da extrem am ente am bígua nos textos freudianos do período em questão. Nesse intuito, três pontos serão abordados: 1) a indefinição do m ecanism o psíquico presente na angústia das neuropsicoses de defesa; 2) a problem ática da diferen- ciação entre energia som ática e psíquica nos quadros nosográficos; 3) a própria natureza da concepção energética que serve de hipótese básica.

Até agora foi descrita em porm enores a angústia em seu m ecanism o prim á- rio, m as não foram abordados ainda os detalhes da angústia que é provocada pela defesa. Sabe-se que o afeto de angústia encontra-se presente tam bém de form a m arcante nas histerias e nas fobias. Nas histerias, a angústia decorre tam bém do processo conversivo, qu e em vez de se in stalar com o sím bolo m nêm ico, se descarrega na inervação na form a de angústia. A derivação do afeto, contudo, é secundária e não prim ária, decorrendo daí a sugestão que a neurose de angústia é a contrapartida som ática da histeria, diferindo desta quanto

ao m ecanism o ( FREUD, 1894e,p.115) .

No que tange às fobias, a questão é um pouco m ais com plexa. Isso se deve ao fato de que as fobias têm um estatuto bastante inconsistente nos textos desse período. A princípio, o que distinguiria as obsessões das fobias não seria pro- priam ente o m ecanism o — já que é o m esm o, transposição, para as duas — m as a qualidade do afeto associado à neurose: nas obsessões o afeto perm aneceria inalterado, m as ligado a outra representação ideativa, enquanto nas fobias esse afeto seria sem pre o de angústia, havendo, portanto, um a transform ação do afeto original ( FREUD, 1894d, p.79-80) . Além disso, o objeto da fobia não teria tão m arcadam ente o caráter de substituto ideativo, sendo m ais contingente que nos quadros histéricos. Haveria, então, diversos tipos de fobias — com uns, histéricas e contingentes — sem que fique m uito clara a distinção entre elas. De qualquer form a, o estado de angústia seria o m ais m arcante nas fobias “típi- cas”, com o a agorafobia e sua origem deveria ser encontrada na evitação de um ataque original de angústia que não derivaria de qualquer lem brança. Assim , pareceria haver um a distinção entre um a fobia de base psíquica, m ais próxim a da obsessão, e outra de base não psíquica. Essa constatação leva Freud a afirm ar que o segundo tipo de fobia seria então “parte da neurose de angústia” ( FREUD, 1894d, p.85) , na form a de um sintom a a ela associado — com o m anifestação psíquica desta — e não m ais com o um quadro relacionado à neurose obsessiva. O problem a é que essa distinção entre um a fobia de inscrição psíquica e outra não psíquica se confunde com a que faz distinção entre os objetos e ainda com a classe de fobias de origem traum ática que se ligam à histeria. Porém , no artigo sobre a neurose de angústia a distinção recai novam ente entre as fobias pertencentes à neurose obsessiva e as pertencentes à neurose de angústia, só que

agora se afirm a que o afeto transposto da segunda não tem origem em um a idéia reprim ida, m as em algo com o um ataque original de angústia ( FREUD, 1894e, p.99) . Observa-se, de novo, que Freud associa um m ecanism o defensivo a um fator energético aparentem ente não psíquico. Além disso, não esclarece a angústia presente nas fobias de origem defensiva. Ao que parece, nessas, a angús- tia encontra-se m ais ligada a um objeto específico, devido a sua m aior inserção na rede associativa psíquica. Em sum a, o m ecanism o das fobias perm anece obs- curo para Freud, dificultando ainda m ais um a elucidação das diferentes m anifes- tações do afeto de angústia. De fato, é só no caso do “pequeno Hans” que Freud irá dar um passo na definição da entidade clínica que com preenderá algum as das fobias, dessa vez articulando-a ao m ecanism o da histeria: a histeria de angústia ( FREUD, 1909, p.106) . Assim , parece que as fobias e a histeria pouco ajudam a com preender o m ecanism o da angústia no período dos anos 1890. Com partilham apenas a noção de um a transform ação autom ática do excesso de excitação em angústia, que é em blem ático na neurose de angústia. Por esse m otivo, Freud tom a a angústia das neuroses atuais com o prim eiro paradigm a da angústia.

Um segundo ponto é a form a incipiente da relação entre excitação som ática e psíquica enquanto hipótese explicativa dos quadros nosográficos descritos por Freud. Além das disjunções aparentes entre a origem não psíquica e a psí- quica para diversos distúrbios, é interessante notar o caso da m elancolia. Freud interpretará a m elancolia com o um a patologia decorrente de perda de libido ou, m ais especificam ente, o afeto de luto pela perda da libido ( FREUD, 1895a, p.247) . Não há, contudo, um m ecanism o que dê conta dessa defasagem libidinal. Isso faz com que Freud não consiga fazer um a distinção exata entre a perda de libido decorrente das neuroses atuais da perda de libido psíquica que ocorre na m elancolia propriam ente dita, que ele cham a de com um .11 Além disso, não há com o explicar, teoricam ente, a presença do afeto de luto, assim com o o m eca- nism o específico que retira a libido psíquica da representação e a transform a em angústia. Em sum a, a m elancolia não recebe um a explicação devida dentro do contexto da teorização freudiana do período e não é para m enos que ela

venha a desaparecer dos textos sobre as neuropsicoses de defesa.12 De qualquer

11 A rigor, seriam três tipos de m elancolia: a neurastênica ( decorrente do esgotam ento de libido

física e, por conseguinte, da psíquica) , a de angústia ( falta de libido psíquica por insuficiência psíquica) e a com um ( perda de investim ento de libido psíquica, ficando esta na fronteira entre o som ático e o psíquico) ( FREUD, 1895a, p.249) .

1 2 Entretanto, no período em questão, não há um operador teórico que dê conta desse luto

pela libido, já que a noção de inibição psíquica com retraim ento da libido é apenas descritiva. Este é um ponto cego da teorização freudiana inicial, o qual será retom ado com o desenvolvi- m ento da m etapsicologia freudiana. É curioso notar com o já aqui se esboça um ponto central do trabalho posterior sobre luto e m elancolia ( FREUD, 1917) , que colocará em novas bases a problem ática da representação a partir da introdução da noção de identificação.

form a, a consideração da m elancolia traz m ais elem entos para ilustrar as difi- culdades que Freud encontra nessa prim eira abordagem da relação entre o som ático e o psíquico e seu ponto nodal: a angústia.

O terceiro ponto é outra am bigüidade presente na concepção energética de Freud, além da confusão entre a quantidade e a qualidade. Com o se pôde obser- var, o anúncio da hipótese básica de Freud m ostra que a concepção de energia investindo nas representações encontraria seu am paro no m odelo físico da ele-

tricidade. Haveria, portanto, um a noção de quantidade energética subjacente à

dinâm ica psíquica. A questão é que esse quantum não é pensado em fatores abso- lutos m as, principalm ente, em fatores relativos nos term os de sua distribuição e

de sua dinâm ica, o que alude m ais a um a concepção de intensidade energética

( BARROS, 1975) . Constata-se, nesse período, a dúvida de Freud em utilizar um term o ou outro. Percebe-se não só um a confusão entre o fator quantitativo e o qualitativo, m as um a indefinição quanto ao estatuto do fator quantitativo ( ou intensivo) por ele postulado. Essas definições serão m ais bem trabalhadas no

Projeto de uma psicologia ( FREUD,1895d) sem , contudo, sanar as superposições en-

tre um fator extensivo e um intensivo da econom ia psíquica.13