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O PENSAMENTO FREUDIANO E O SISTEMA CATEGORIAL

O rápido percurso feito até aqui m ostra que a noção freudiana de representação e pensam ento é com patível com o sistem a categorial proposto por Kosslyn. Lem brem os que Freud concebe as representações de coisa com o com plexos abertos de sensações, representados por um a sensação saliente, no caso a visual, sensações que são im agens m nésicas ou traços de m em ória deixados no apare-

1 6 Há um a série de trabalhos em sem ântica cognitiva que m ostram esse antropocentrism o da

linguagem . Sobre isso, ver Allan, K. ( 2001) .

1 7

Source- Path- Goal Schem a, no original inglês.

1 8 Nesta conexão, considere-se a seguinte sentença de Freud: Então os senhores se lem brariam de que a

m aioria das palavras abstratas são palavras concretas ‘diluídas’, e, por essa razão, teríam os que retroceder, sem pre que possível, à significação concreta original de tais palavras. Assim , os senhores teriam o prazer de constatar que podem representar ‘a possessão’ de um objeto pela ação real, física, de estar sentado sobre o m esm o. E a elaboração onírica executa justam ente a m esm a coisa ( 1916-17/ 1976, p.209) .

lho pela experiência perceptual. Ora, essa noção corresponde estreitam ente à noção de im agens prototípicas e de im agens-esquem a, que constituem as re-

presentações do m undo dos objetos, obtidas através dos chunks form ados no

sistem a categorial pelas classes funcionais de equivalência que integram as variações sensoriais interm odais do sistem a contínuo. Dessa form a, a Sachevorstellung de Freud pode ser entendida com o um a representação im agética, que, ao ligar-se com sua correspondente W ortvorstellung, recebe um nom e e lhe dá conteúdo se- m ântico.

Nesse sistem a estão os fundam entos dos processos de pensam ento. Conside- rem os brevem ente a m etáfora utilizada por Freud para definir os dois processos de pensam ento, o processo prim ário e o processo secundário: a m etáfora da experiência de satisfação.

A experiência de satisfação deixa duas m arcas essenciais: a percepção particular ( do objeto que nutre, nesse caso) registra-se com o um a imagem mnésica que per- m anece associada, daí por diante, com o traço de memória da excitação produzida pela necessidade. Com o resultado desse elo, na próxim a vez que a necessidade desperte, surgirá de im ediato um im pulso psíquico que procurará recatexizar a im agem m nésica da percepção e reevocar a própria percepção, processo que Freud cham ava de identidade perceptiva ( 1900/ 1972, p.602) . O que pode significar isso senão um a referência à form ação de um a im agem prototípica? Os diversos estím ulos, advindos das várias m odalidades sensoriais envolvidas na experiên- cia da necessidade, conjugam -se com os estím ulos produzidos pelo objeto de satisfação, afunilando-se e conjugando-se em um a im agem no sistem a categorial, que resultará no protótipo do objeto de satisfação. As classes funcionais de equivalência funcionarão canalizando as experiências sem elhantes para a m es- m a im agem , ativando-a quando a necessidade desperte. O que Freud cham a de identidade perceptiva nada m ais é do que a ativação dessa im agem prototípica. Com o a identidade perceptiva não apresenta o resultado esperado, a excita- ção deve ser desviada por outros cam inhos que possam de m aneira efetiva conduzir à satisfação desejada, que envolvem , necessariam ente o m undo exter- no ( pois é lá que está o objeto visado) . Assim , essa pr im itiva atividade do

pensamento deve dar lugar a outra, o processo secundário, dom inado pelo princí- pio da realidade, que se estende desde a im agem m nésica até o m om ento em que a identidade perceptiva é estabelecida com o m undo exterior. Ela precisa desviar a excitação surgida da necessidade ao longo de um cam inho indireto, que envolve o m ovim ento voluntário, de tal form a a alterar o mundo externo para que seja possível chegar a um a percepção real do objeto de satisfação. O processo secundário visa, assim , um a identidade de pensamento.

O que, nesse contexto, pode querer dizer ‘identidade de pensam ento’ senão a constatação, por m eio da ação efetuada sobre o m eio, de que um a representa-

ção tem existência na realidade? O que se decide é se algo, que está no eu com o representação, pode ser reencontrado na percepção. Isso im plica no estabeleci- m en to d e u m a co rresp o n d ên cia en tre o s o b jeto s extern o s e as im agen s prototípicas, sendo que seu objetivo é reencontrar na percepção real um objeto que corresponda ao representado.

Essa é um a atividade de categorização cujo resultado é a produção de um a determ inada categoria de objetos. Se considerarm os que as categorias conceituais

estão organizadas em torno de m em bros centrais prototípicos,19 pode-se dizer

que nessa m etáfora Freud está procurando delinear o centro da categoria dos objetos de satisfação. Lem brem os que Freud situava os diversos objetos de satis- fação em um a série, produzida pela atividade do deslocam ento, a partir de objetos prim ordiais.

Evidências de que Freud considerava a categorização com o organizada pro- totipicam ente podem ser encontradas em seu texto. Em As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal ( 1917/ 1976) , texto no qual desdobra os elem entos da categoria do objeto anal na série: fezes, pênis, bebê, dádiva, dinheiro..., diz:

“Com o ponto de partida para esta exposição, podem os tom ar o fato de que parece que nos produtos do inconsciente — idéias espontâneas, fantasias e sintom as — os conceitos de fezes ( dinheiro, dádiva) , bebê e pênis m al se distinguem um do outro e são facilm ente intercam biáveis. Com preendem os, certam ente , que expressar-se desse m odo é aplicar incorretam ente à esfera do inconsciente term os que perten- cem propriam ente a outras regiões da vida m ental, e que fom os levados a nos desviar pelas vantagens oferecidas por um a analogia. Para colocar o assunto de um a form a m enos sujeita a objeções, esses elem entos do inconsciente são tratados m ui- tas vezes com o se fossem equivalentes e pudessem livrem ente substituir um ao outro.” ( p.160-161) ( sublinhado do autor)

É evidente que, apesar de reform ular suas palavras para não levantar as ob- jeções que poderiam surgir com o uso do term o ‘conceito’ para indicar a rela- ção de identidade sem ântica entre esses term os, Freud está pensando exatam en- te nisso. Sua noção de que o objeto da pulsão é o que há de m ais variável nela, de que não está originalm ente ligado a ela, podendo ser m odificado tantas vezes quanto for necessário em função das vicissitudes sofridas durante a exis- tência e “só lhe sendo destinado por ser peculiarm ente adequado a tornar pos- sível a satisfação” ( 1915/ 1974c) indica que a categoria dos objetos pulsionais

19 Para um a descrição da teoria prototípica da categorização, tam bém cham ada de probabilística,

está organizada do ponto de vista prototípico e form a um a categoria fuzzy.20 Note-se que, desta perspectiva, um m esm o objeto pode pertencer a m ais de um a categoria, fato observado por Freud quando indica que um m esm o objeto pode servir a m ais de um a pulsão parcial.

Assim , na categoria do objeto anal, em torno de seu m elhor exem plar, fezes,

distribui-se um gradiente de objetos cujo grau de pertinência é variável e, in- clusive, particular. Ou seja, para um sujeito, determ inado objeto pode estar nessa categoria, enquanto que para outro, não. Por exem plo, no caso do Ho- m em dos Ratos, rato entra nessa categoria, juntam ente com dinheiro, pênis, criança e

ele próprio.