• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

2.5 MODELO TEÓRICO E APRESENTAÇÃO DAS HIPÓTESES

2.5.1 Ambiguidade de papéis

A ambiguidade de papéis, assim como os demais conceitos da teoria dos papéis, pode ser compreendida de muitas formas, dependendo da maneira como é tratada (BIDDLE, 1986). Ela está relacionada a um comportamento incoerente do indivíduo, motivado pela falta de clareza de seu papel (RIZZO et al., 1970). A ambiguidade pode influenciar o entendimento geral sobre o papel, incluindo o escopo de suas responsabilidades, o comportamento esperado, o modo como suas ações serão avaliadas e as possíveis sanções caso não atenda às expectativas do papel (EYS; CARRON, 2001). Algumas das concepções identificadas na literatura são elencadas no Quadro 12.

Para este trabalho, será adotada a definição de Biddle (1986), que argumenta que a ambiguidade emana da insuficiência de informações ou da incompreensão sobre os comportamentos esperados de um papel, implicando em um comportamento distinto do esperado, ou confuso, a ser observado pela ótica de quem possui maior clareza sobre o papel.

Quadro 12 – Conceitos de Ambiguidade de Papéis.

Autores Conceito / Contexto Definição

Rizzo et al. (1970, p. 151)

Ambiguidade de papéis / Organizacional

“falta de informações necessárias disponíveis para determinada posição organizacional”

Biddle (1986, p. 83) Ambiguidade de papéis / Social

“uma condição na qual as expectativas são incompletas ou insuficientes para guiar o comportamento”

Tubre e Collins (2000, p. 155)

Ambiguidade de papéis / Organizacional

“ocorre quando o conjunto de comportamentos esperado para um papel não é claro”

Kahn et al. (1964) Ambiguidade de papéis / Organizacional

Falta de informações claras associadas a um papel particular

Beauchamp et al. (2002, p. 231)

Ambiguidade de papéis subjetiva / Esportivo

“a percepção da ambiguidade de papéis mantida por uma pessoa em particular”

Ackfeldt e Malhotra (2013, p. 354)

Ambiguidade de papéis / Organizacional

“percepção dos empregados sobre a falta de informações claras e salientes e que são necessárias para a performance adequada do seu papel de trabalho”

Fonte: elaborado pelo autor.

Solomon et al. (1985) não definem diretamente a ambiguidade, mas tratam a relação dos indivíduos com os seus papéis pela ótica da congruência na representação e nas expectativas a respeito dos papéis, bem como suas discrepâncias em contextos de prestação de serviços. Segundo os autores, ela se subdivide em duas dimensões: a congruência intra- papel, que reflete o grau de concordância entre as concepções do prestador e da empresa

sobre o seu papel, e a congruência inter-papéis, que é o grau em que o consumidor e o prestador compartilham da mesma concepção a respeito dos papéis. No que tange à ambiguidade, a falta de clareza em relação às atribuições de um determinado papel, seja pelo funcionário ou pelo consumidor, pode interferir em sua execução e no atendimento das expectativas das partes interessadas. Isso pode influenciar na satisfação dos funcionários com o trabalho e dos consumidores com o serviço, bem como em outras variáveis como frustração, estresse, ansiedade e efetividade. A presente pesquisa utiliza a lente da congruência inter- papéis sob a ótica do consumidor sobre o seu próprio papel na relação com a empresa prestadora de serviços, tanto para a ambiguidade quanto para o conflito de papéis.

No âmbito organizacional, a teoria clássica prediz que todas as posições em uma organização formal deveriam possuir um conjunto de tarefas e responsabilidades. Estas especificações formais dos requerimentos do cargo, ou papel, possuem como objetivo permitir à administração a delegação de tarefas aos subordinados, bem como o acompanhamento de sua execução e gerenciamento dos resultados. Se um empregado não sabe qual a autoridade que possui para tomar decisões, o que é esperado que ele realize e como ele será avaliado por suas ações e comportamentos, ele hesitará em tomar decisões e trabalhará em cima de erros e acertos, de forma a atender somente às expectativas de seu superior imediato. A existência de ambiguidade sobre papéis nas organizações pode gerar comportamentos onde os funcionários tentam apenas resolver problemas para fugir de situações de estresse ou usam de mecanismos de defesa para distorcer a realidade da situação. Além disso, a ambiguidade pode também aumentar a probabilidade de uma pessoa ficar insatisfeita com o seu papel, se sentir ansiosa e ter a sua performance reduzida (RIZZO et al., 1970).

Em estudo realizado especificamente com funcionários de linha de frente (FLFs), surgiram evidências de que a ambiguidade e o conflito de papéis podem afetar o comprometimento organizacional (ACKFELDT; MALHOTRA, 2013). A ambiguidade se relacionou negativamente com a dimensão afetiva do compromisso do empregado com a empresa. No entanto, somente o conflito de papéis afetou o comprometimento de continuidade, que se refere à intenção de permanecer na empresa em função da avaliação do custo-benefício de pedir demissão. Na interpretação dos pesquisadores, isso pode ter ocorrido pelos desafios que um trabalho estressante e com elevado nível de demanda possui, reduzindo a margem para ocorrência de ambiguidade e denotando que ela pode estar relacionada inversamente ao conflito de papéis em alguns contextos (ACKFELDT; MALHOTRA, 2013).

Em outra pesquisa, realizada por Chebat e Kollias (2000), foi identificada a ambiguidade de papéis dos FLFs como a variável mais influente na interface do empregado com o próprio papel, afetando suas respostas às tarefas esperadas para o cargo e, consequentemente, a efetividade na prestação do serviço.

Alguns trabalhos de meta-análise avaliaram os estudos empíricos sobre a ambiguidade e o conflito de papéis (FISHER; GITELSON, 1983; JACKSON; SCHULER, 1985; TUBRE; COLLINS, 2000). Fisher e Gitelson (1983) verificaram a existência de relação negativa da ambiguidade de papéis com diversas variáveis, tais como: comprometimento organizacional, envolvimento com o trabalho, satisfação com colegas, satisfação com promoções, atendimento ao cliente. Jackson e Schuler (1985) identificaram que existem relações negativas com diversas variáveis ocupacionais, entre elas: autonomia, feedback recebido, identificação com as tarefas, consideração dos líderes, participação, formalização, idade, autoestima, satisfação geral com o trabalho e outras. Em contrapartida, demonstraram correlações positivas com: conflito de papéis, nível hierárquico, lócus de controle interno, grau de instrução, tensão, ansiedade e propensão a sair da empresa. Na meta-análise de Tubre e Collins (2000), foi revisado e atualizado o trabalho anterior de Jackson e Schuler (1985), ampliando a base examinada. Os resultados evidenciaram que a ambiguidade se relaciona negativamente com a performance no trabalho em níveis distintos, sugerindo que atividades mais complexas sejam mais afetadas. Além disso, postulam que a percepção de ambiguidade pode influenciar na percepção de performance do sujeito pesquisado, que poderia ocorrer justamente em função da falta de clareza a respeito das atribuições e avaliação de resultados. Outra descoberta importante de Tubre e Collins (2000) refere-se a um agravamento da deterioração da performance em função da ambiguidade quanto maior for a interdependência entre os papéis envolvidos no contexto.

No campo das atividades esportivas, a ambiguidade foi incluída no escopo de pesquisa em decorrência da necessidade de alta performance das equipes, exigindo que cada atleta realize o seu papel com elevado grau de excelência (EYS; CARRON, 2001). Em alguns estudos, foi percebido que a existência de ambiguidade: (i) reduziu a percepção de integração da equipe pelos seus membros, reportando menores níveis de aproximação e coesão nas tarefas do grupo (EYS; CARRON, 2001); (ii) reduziu a eficácia das responsabilidades primárias do papel, também mediando a relação entre conflito de papéis e a eficácia no exercício do papel (BEAUCHAMP et al., 2005b); (iii) reduziu a performance no papel

mediada pela eficácia no exercício do papel (BEAUCHAMP et al., 2002); (iv) quando analisada em grupos, de forma multifocal, teve efeito negativo maior na autoeficácia pela avaliação do próprio indivíduo (BEAUCHAMP et al., 2005a); e, (v) afetou negativamente a satisfação de membros de equipes esportivas (BEAUCHAMP et al., 2005a). A medida mais utilizada neste contexto é a Escala de Ambiguidade de Papel (Role Ambiguity Scale – RAS) de Beauchamp et al. (2002), que subdivide a ambiguidade em quatro dimensões, conforme Quadro 13.

Quadro 13 – Dimensões da Escala de Ambiguidade de Papel de Beauchamp et al. (2002)

Ambiguidade Conceito

Sobre o escopo das responsabilidades do papel

Falta de informações claras sobre o alcance das tarefas e/ou responsabilidades pessoais

Sobre o comportamento do papel Falta de informações claras sobre os comportamentos requeridos para

atender às tarefas e/ou responsabilidades pessoais

Sobre a avaliação do papel Falta de informações claras sobre como a performance relacionada ao

papel será avaliada

Sobre as consequências das falhas na execução do papel

Falta de informações claras sobre as consequências no caso de falha em atender às tarefas e/ou responsabilidades pessoais

Fonte: elaborado a partir de Eys e Carron (2001) e Beauchamp et al. (2002).

Ela contribui para a teoria dos papéis por mensurar a ambiguidade relacionada ao trabalho em equipes onde exista elevada interdependência e necessidade de cooperação entre os papéis (THEODORAKIS et al., 2010). Beauchamp et al. (2002) também verificaram que a principal dimensão do construto foi a da ambiguidade relacionada ao escopo das responsabilidades, sendo a única com resposta significativa para todos os testes estatísticos, sendo proposto inclusive que ela possa ser antecedente das demais na maioria dos cenários. Theodorakis et al. (2010) avaliaram as três escalas consideradas mais relevantes para mensuração da ambiguidade no contexto de esquipes esportivas (BEAUCHAMP; BRAY, 2001; BEAUCHAMP et al., 2002; EYS; CARRON, 2001) e concluíram que, apesar de uma sinalização para a prevalência da dimensão relativa ao escopo das responsabilidades sobre as demais dimensões, o construto ainda seria melhor utilizado como multidimensional para o contexto esportivo, podendo ser considerado de forma distinta conforme o contexto e o papel em questão. Em contextos onde não se faz necessária a compreensão sobre os efeitos dos diferentes aspectos da ambiguidade sobre outras variáveis, mas apenas os efeitos da ambiguidade de modo geral, entende-se que o uso da concepção unidimensional proposta pela teoria tradicional (RIZZO et al., 1970) seja suficiente, conforme direcionamento das pesquisas

realizadas na área do comportamento do consumidor (CHEN et al., 2015; CHEN; RAAB, 2014; MEUTER et al., 2005). Deste modo, considerando os objetivos do presente estudo e a prática adotada nas pesquisas de marketing, optou-se pela abordagem unidimensional da ambiguidade. Em termos conceituais, entende-se que a ambiguidade ocorrerá quando inexistir entendimento claro e preciso sobre as responsabilidades e os comportamentos esperados de determinado papel.

A ambiguidade também é indiretamente mensurada pelo construto “clareza do papel” (role clarity), que seria conceitualmente o seu oposto (KAUPPILA, 2014), e aparece sendo administrado em alguns estudos, inclusive com adaptações da escala de Rizzo et al. (1970) – que originalmente foi concebida para medir a ambiguidade. Através de trabalhos sobre os efeitos da clareza dos papéis, ou a sua falta (ambiguidade), foi possível identificar a existência de relação entre a ambiguidade e a satisfação, o comprometimento e a performance do papel (DONNELLY; IVANCEVICH, 1975; KAUPPILA, 2014; LYONS, 1971). No âmbito do marketing, também existem evidências de que seria um antecedente para a adequação do consumidor ao seu papel como participante do processo (WÜNDERLICH et al., 2013; YI; GONG, 2013).

Meuter et al. (2005) avaliaram o uso de tecnologias de autosserviço por consumidores através de um modelo em que a participação do consumidor foi delimitada através da sua prontidão. No respectivo estudo, a clareza do papel foi utilizada como dimensão da prontidão do consumidor, demonstrando mediação na relação da prontidão do consumidor com a tentativa de utilizar as novas tecnologias. Wünderlich et al. (2013) teorizam sobre colaboração do consumidor em ambientes de alta interatividade através de tecnologias inteligentes, indicando que a clareza do papel do consumidor é essencial para que sua participação seja efetiva no uso dos serviços. Bolton e Saxena-Iyer (2009) ratificam esse entendimento em seu modelo sobre serviços interativos, ressaltando que as empresas precisam facilitar a clareza do consumidor sobre o seu papel, além da habilidade e motivação com o mesmo, para garantir comportamentos adequados para que participe ativamente da cocriação de valor.

A ambiguidade também pode influenciar negativamente o comportamento afetivo (ACKFELDT; MALHOTRA, 2013), que supostamente interferirá nas dimensões relacionais do comportamento de cocriação de valor, bem como na satisfação do consumidor (YI, 1993). Segundo Broderick (1999), a confusão entre os papéis em ambientes de cocriação pode gerar pouca consistência no processo de prestação de serviço, reduzindo a percepção de valor. O

alto grau de interdependência entre os papéis exige que exista maior clareza para que se estabeleça uma interação satisfatória para ambas as partes (YI; GONG, 2013). Considerando que a clareza do consumidor sobre o seu papel é considerada um antecedente do seu comportamento de participação (BOLTON; SAXENA-IYER, 2009; CHEN et al., 2015; CHEN; RAAB, 2014; GROTH, 2005; MEUTER et al., 2005; UZKURT 2010), a existência de ambiguidade pode afetar a compreensão sobre o escopo de suas responsabilidades como responsável pela cocriação de valor-em-uso dos serviços, supondo que:

Segundo Alves (1985), uma questão importante a ser considerada quanto à ambiguidade de papéis, é que a pessoa pode se comportar de forma ambígua apenas na percepção dos outros. Em virtude da coexistência de diversos papéis na integralidade do ator social, suas atitudes podem ser tomadas de acordo com a maneira que interpreta tais papéis. Assim, não deveria existir, na sua própria opinião, ambiguidade percebida sobre a forma que executa os seus papéis sociais, pois o faz da maneira que entende ser a correta. Por este princípio, a existência de ambiguidade ocorre quando, por possuir diversos papéis ligados a si, os interesses de um papel se sobreponham aos de outro, fazendo com que a pessoa se comporte de uma maneira diferente daquela esperada. Esta percepção vai ao encontro das descobertas realizadas em alguns estudos, onde foi verificado que a ambiguidade, quando analisada em conjunto com o conflito de papéis, exerceu pouco efeito na relação com as demais variáveis envolvidas (JACKSON; SCHULER, 1985; TUBRE; COLLINS, 2000). No entanto, isso pode ocorrer em função do modo como as escalas foram construídas e utilizadas, motivadas pela existência de confusão entre os conceitos de ambiguidade e conflitos de papéis (BIDDLE, 1986; TUBRE; COLLINS, 2000).

Em estudos realizados no ambiente organizacional (RIZZO et al., 1970; TUBRE; COLLINS, 2000), foi identificada uma possível relação antecedente entre os elementos de ambiguidade e conflito de papéis. Entende-se, neste sentido, que, se um indivíduo não compreende bem o seu papel em determinado contexto, provavelmente interpretará sua atuação de acordo com experiências anteriores ou conceitos previamente estabelecidos em outros contextos (SOLOMON et al., 1985). Sob a ótica da cocriação de valor, se o consumidor não compreender bem o seu papel, poderá interpretá-lo de forma divergente da H1: A ambiguidade de papéis se relaciona negativamente com o comportamento de cocriação.

esperada, se comportando de modo dissonante do necessário para a adequada realização do serviço, logo é argumentado que: