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A AMEAÇA VEM DO U RUGUAI : A CONSPIRAÇÃO DE F LORES DA C UNHA

2. A S DISPUTAS POLÍTICAS LOCAIS EM S OLEDADE (1935 – 1938)

3.1 A AMEAÇA VEM DO U RUGUAI : A CONSPIRAÇÃO DE F LORES DA C UNHA

Flores da Cunha viveu em Montevidéu sob cerco policial que o vigiava a todo o momento. Suas correspondências e suas atividades eram monitoradas pela polícia. Tentava-se, a todo custo, dificultar e mesmo proibir que Flores da Cunha tivesse acesso à fronteira com o Brasil através do Rio Grande do Sul, onde mantinha forte atividade política com seus aliados.

Mesmo sob todo o esforço para isolá-lo no Uruguai, Flores da Cunha conseguia manter comunicação com seus aliados e continuava planejando a invasão armada ao Brasil, a fim de derrubar o governo de Getúlio Vargas. Segundo CAGGIANI (1996, p. 160, nota, 1), “Flores da Cunha não deixou nunca de conspirar com seus amigos e correligionários, principalmente do Rio Grande do Sul, correspondendo-se com eles por meio de emissários que iam e vinham de Montevidéu, via Santana do Livramento.” Assim, destacamos a existência da conspiração orquestrada por Flores da Cunha do Uruguai. Esse fato contribui

99 Sobre o movimento Pau de Colher indicamos as seguintes obras: POMPA, 1995; BRITO, 1999; MONTEIRO,

para compreender a repressão imposta ao Rio Grande do Sul e aos supostos aliados do florismo no estado.

Batista Luzardo, que nessa época ocupava a pasta de embaixador brasileiro, mantinha estreita comunicação com o com governo uruguaio. A todo o momento, comunicava o governo uruguaio sobre os subversivos que se encontravam em seu território. Relatava, igualmente, as atividades e a capacidade de motins que esses elementos possuíam como também a representativa ameaça à ordem instalada no Brasil. (cf. BELLINTANI, 2002, p. 69).

Segundo afirmação de BELLINTANI (2002, p. 69), “as relações diplomáticas entre Brasil e Uruguai foram usadas como apoio por Luzardo para forçar o governo de Gabriel Terra a colaborar com a perseguição de pessoas que poderiam intervir politicamente e pôr fim ao Estado Novo.”

Porém, o governo Uruguaio permitiu algumas idas de Flores da Cunha à cidade de Rivera, fato que gerou uma reação do governo brasileiro.

José Antônio Flores da Cunha, tendo ido, por autorização excepcional do Governo Uruguaio, a cerca de uma semana, à cidade de Rivera, ainda ali se encontra, desenvolvendo perniciosa atividade política, perturbando o curso natural das relações naquela zona, aliciando até elementos comunistas e pretendendo, conforme estou perfeitamente informado, infiltrar, por esse meio indecoroso, no organismo da nação brasileira, o germe da desordem.100

Segundo o documento, podemos perceber que a ameaça comunista ainda continuava a gerar frutos, mesmo já concretizada a remoção de Flores da Cunha do governo do Rio Grande do Sul e instaurado o Estado Novo. Identificamos que, nesse período de consolidação do novo regime, toda e qualquer possibilidade de oposição ao Estado Novo receberia uma forte repressão por parte do governo federal, tanto em questões políticas internacionais, como no caso de Flores da Cunha no Uruguai, quanto na da política nacional, como no caso de perturbação da ordem ocorrida no interior dos estados do Rio Grande do Sul (Soledade) e da Bahia (Casa Nova).

Referindo-se à atuação política oposicionista de Flores da Cunha, BELLINTANI afirmou que

[...] foi nesse clima de perseguição incansável que Flores, embora vigiado, oprimido e encarcerado em Montevidéu, conseguiu executar planos de

100 CARTA DE BATISTA LUZARDO A JOSÉ ESPALDER, 21/02/1938. Doc. nº 22. Arquivo Histórico Palácio

ataque ao Estado Novo e a toda sua estrutura. Fez acordos e alianças pela derrubada do governo Vargas, contou com amigos e correligionários fiéis e foi traído por outros, mas conspirou e tramou nos bastidores do exílio em busca da ‘redemocratização’ do País. Enquanto Luzardo cumpria seu papel em conter os avanços ‘floristas’, Flores procurava burlar o cerco que o oprimia. (BELLINTANI, 2002, p. 70).

O governo Vargas estava atento a toda e qualquer ação revolucionária que se opusesse ao Estado Novo. Dentre as ameaças existentes, encontrava-se a conspiração organizada por Flores da Cunha, principalmente por grupos e membros políticos que ainda se encontravam ligados ao florismo no Rio Grande do Sul. Assim, o governo federal intensificou a caça aos armamentos que teriam sido comprados pelo ex-governador quando ainda estava no exercício da função. Essa procura estendeu-se aos municípios do estado, principalmente os de fronteira e àqueles que tinham estreita relação com Flores da Cunha. A polícia passou a ficar no “encalço de pessoas que tivessem parentesco ou qualquer outra relação com José Antônio Flores da Cunha” (BELLINTANI, 2002, p. 75). Foram efetuadas detenções de diversos aliados de Flores essa atitude visava a demonstrar que a polícia estaria ciente das ações dos conspiradores e que seus atos não passariam despercebidos pelo governo federal. Alguns documentos demonstram que havia a preocupação com a formação de grupos floristas prevendo um movimento armado para derrubar o Estado Novo.101

Conforme afirmou BELLINTANI (2002, p. 81), “Flores da Cunha não estava brincado quando intencionava derrubar o governo de Vargas, com o apoio revolucionário de São Paulo, da Bahia e de outros estados da União.”

Assim, podemos identificar que qualquer movimento suspeito estava sendo vigiado e posteriormente reprimido pelo governo federal, sob acusações de serem adeptos do florismo e/ou comunistas. Sob qualquer das acusações, seriam apontados como conspiradores contra a ordem nacional.

Ao instaurar o novo regime, Vargas visava a “destruir as antigas estruturas do Estado Brasileiro e de construir uma nova ordem que levasse à prosperidade e ao desenvolvimento, Getúlio restringiu todas as liberdades e implantou sem resistências o Estado Novo [...].” (BELLINTANI, 2002, p. 61).

101 Confira nota nº 65. Ao se despedir rumo ao exílio, Flores da Cunha tinha declarado que “se a democracia não

prevalecer de novo no Brasil, meus amigos e eu estaremos prontos para restabelecê-la, visto que todos permanecerão de prontidão. A tirania não durará no Brasil, e dentro de poucos dias eu voltarei para o Rio Grande do Sul para lutar contra ela.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 19 OUT 1937, p. 1).