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S OLEDADE NO CONTEXTO 1935 – 1938: POLÍTICA E VIOLÊNCIA LOCAL

2. A S DISPUTAS POLÍTICAS LOCAIS EM S OLEDADE (1935 – 1938)

2.1 S OLEDADE NO CONTEXTO 1935 – 1938: POLÍTICA E VIOLÊNCIA LOCAL

Após os acontecimentos violentos ocorridos na Farmácia Serrana, Cândido Carneiro Júnior teria ido para o Paraguai. Porém, no ano de 1937, pouco tempo antes da renúncia de Flores da Cunha do governo gaúcho, ele retornou ao município de Soledade. Tramitava o processo movido pelo Ministério Público por duplo homicídio contra ele, referindo-se às mortes ocorridas em 1934.

Na Decisão do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferida no ano de 1936, podemos ter ciência dos crimes pelos quais Carneiro Júnior e Albino Senger foram processados.

Acordam, em Câmara Criminal, dar provimento ao recurso, para pronunciar o recorrido Cândido Carneiro Júnior incurso – duas vezes no art. 294 da Const. das Leis Penais, por ser o autor da morte de Gerôncio Assis Ferreira e co-autor da morte de Alvino dos Santos Ferreira, e pronunciar o recorrido Albino Senger incurso no art. 294 citado, por ser co-autor da morte de Alvino dos Santos Ferreira e incurso no art. 303 por ser autor da lesão corporal leve na pessoa de Ricardo Schaffer.69

68 Para um conhecimento dos principais fatos da Intentona Comunista, indicamos VIANNA, 2007; SODRÉ,

1986.

69 DECISÃO DO TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL, proferida no ano de 1936, 1º

A repercussão do julgamento de Cândido Carneiro Júnior e demais envolvidos no crime da Farmácia Serrana recebeu significativo destaque na imprensa. Nas reportagens que se referiam ao julgamento, sempre retornavam os detalhes do crime sucedido no final de 1934, associando-o diretamente com as eleições ocorridas.

Na notícia, veiculada pelo jornal Correio do Povo em 7 de outubro de 1936, podemos identificar a retomada dos acontecimentos do dia do crime:

O assassínio do Sr. Kurt Spalding em Soledade. Apresentou-se a prisão o sr. Cândido Carneiro Júnior – o Tribunal do Jury será instalado a 15 do corrente naquele município serrano. Como é do domínio público, a 14 de dezembro de 1934, véspera das eleições suplementares à Câmara dos Deputados do Estado, foi assassinado, em sua residência, na vila de Soledade, por três capangas armados, o sr. Kurt Spalding, prócer da Frente Única daquele município. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

Na reportagem, há também uma breve reconstrução da biografia política de Cândido Carneiro Júnior e os resultados do confronto ocorrido no interior da Farmácia Serrana.

Estando presente, o sr. Cândido Carneiro Júnior, presidente do Directoria Libertador de Soledade, que, no posto de general, comandou as forças revolucionárias daquela vila por ocasião do movimento de 1932, acudiu ele em defesa de seu companheiro político, travando cerrado tiroteio com os agressores. Do lamentável ocorrido resultou a morte de dois dos assaltantes, ferimentos no terceiro e graves lesões no general Cândido Carneiro Júnior, que foi preso, em flagrante, sendo processado como autor de dois assassínios e de ferimentos graves. Tendo se agravado o estão de saúde do sr. Cândido Carneiro Júnior seguiu, ele, dias depois, acompanhado do general Felippe Nery Portinho, prócer libertador na região serrana do Estado, e de um contingente da Brigada Militar, para a cidade de Passo Fundo, em cujo Hospital de Caridade foi internado e sofreu uma intervenção cirúrgica para extração da bala. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

Na sequência, podemos identificar que o crime acirrou o clima político municipal. A notícia diverge da informação presente na obra de Wedy, segundo a qual Carneiro Júnior teria ido para o Paraguai. Conforme noticiado pelo Correio do Povo, teria estado em Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.

A tragédia em que pereceu o sr. Kurt Spalding, como era natural, agitou profundamente a vila de Soledade e criou, então, forte exaltação de ânimos entre os elementos do situacionismo riograndense e as oposições coligadas, aparecendo notícias tendenciosas, entre as quais a que o sr. Cândido Carneiro Júnior, por ocasião de seu regresso a Soledade, para o inquérito criminal, corria perigo de vida. Alegando falta de garantias, baseando-se no

fato de ser inimigo pessoal do então prefeito de Soledade, o agrimensor Francisco Müller Fortes, que após foi assassinado em Cruz Alta, o sr. Cândido Carneiro Júnior, conhecido em toda aquela zona riograndense por general Candoca Carneiro, evadiu-se no Hospital em que se achava sob custódia. Foragido, conseguiu alcançar a fronteira norte do Estado, passando para Santa Catarina, de onde se transferiu para Mato Grosso, depois para São Paulo e, finalmente, para o Rio de Janeiro. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

A matéria também ressaltou o retorno do general Candoca ao Rio Grande do Sul, comparecendo em Porto Alegre para se submeter à sentença. Salientou, ainda, a condição de ele ser ex-comandante do corpo auxiliar da Brigada Militar, fato que possibilitou ser recolhido ao quartel no Praia de Belas.

Regressando recentemente ao Rio Grande do Sul, o sr. Cândido Carneiro Júnior veio a esta capital e, ante-ontem apresentou-se ao dr. Poty Medeiros, chefe de Polícia do Estado, afim de submeter à sentença do tribunal popular. Essa apresentação verificou-se às 15 horas, na Chefatura de Polícia, tendo o denunciado comparecido acompanhado pelo seu advogado, dr. Rosauro Tavares dos Santos e se submetido à prisão, na forma da lei. Como o general Carneiro houvesse sido oficial superior de unidades auxiliares da Brigada Militar do Estado, pois em 1930, foi coronel comandante de um corpo provisório organizado em Soledade, o governo do Estado reconheceu as prerrogativas inerentes aquele segundo posto, tendo sido ele, por determinação do coronel Canabarro Cunha, comandante geral daquela milícia, recolhido ao quartel do 3º batalhão de Infantaria, na Praia de Bela. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

Por fim, o texto conclui informando que Cândido Carneiro Júnior retornaria para Soledade para ser julgado no Tribunal do Júri e destaca o envio de tropas da Brigada Militar ao município com o propósito de manter a ordem durante o julgamento.

Pelo trem de Santa Maria, acompanhado de um contingente da Brigada Militar, o sr. Cândido Carneiro Júnior seguirá hoje, para Soledade, onde se vai submeter ao Tribunal do Juri que funcionará extraordinariamente a 15 do corrente. O destacamento da Brigada, por ordem do governo, permanecerá em Soledade durante vários dias, afim de garantir a ordem durante os trabalhos do Tribunal do Juri. Será, também, julgado na mesma ocasião o sr. Albino Senger, companheiro e chaufeur, na ocasião, do general Cândido, pronunciado como co-autor ou participante do conflito. O terceiro agressor do sr. Kurt Spalding, de nome Schaeffer –, ferido também no embate, não foi cúmplice da morte daquela partidário, tendo sido arrolado tão somente como testemunha de vista do conflito. São advogados do general Cândido Carneiro Júnior, os drs. Armando de Sousa Kanters, Rosauro Tavares dos Santos e Clovis Libero Cardoso. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

Podemos perceber que os acontecimentos políticos de Soledade geravam expectativas na vida política estadual. Mesmo tendo transcorrido quase dois anos, o crime da Farmácia Serrana ainda era motivo de disputas políticas locais e estaduais. A todo momento de tensão política ou de alguma disputa política, sua lembrança era evocada, permanecendo como um símbolo da violência cometida contra os opositores no município.

Além da longa e detalhada reportagem referente ao julgamento de Candoca, o jornal Correio do Povo publicou, na mesma data, os agradecimentos de Cândido Carneiro Júnior, enquanto este se encontrava preso no quartel do 3º Batalhão de Caçadores na cidade de Porto Alegre.

Realçamos a relevância dos agradecimentos, pois esse ato evidencia a articulação política e o prestígio do réu junto aos políticos oposicionistas, nas esferas municipal, estadual e nacional.

AGRADECIMENTO. Agradeço, muito confortado, por intermédio do grande órgão de imprensa gaúcha – “Correio do Povo” – e pela impossibilidade de fazê-lo pessoalmente, o cavalheirismo dos meus valorosos correligionários e meus patrícios e amigos srs. Drs. João Neves da Fontoura, Maurício Cardoso, Batista Luzardo, Waldemar de Vasconcellos, Rosauro Tavares, Glycerio Alves, Renato Costa, Dary Silveira de Barcellos, Mario de Lima Beck, José Carlos Pereira de Souza, Arnaldo Velloso, Antônio Bittencourt de Azambuja, Armando Fay de Azevedo, João Junqueira Rocha, Mauro Pinheiro Machado, Victor Graeff, A. Ribeiro Weimann, Celso Fiori e Odalgiro Corrêa, que espontaneamente me ofereceram seus sérvios profissionais, advocatícios, independentemente de honorários, para minha defesa no Jury a que me vou submeter em Soledade, num caso de legitima defeza própria e de terceiro, que exerci. Aproveito, ainda a oportunidade para apresentar ao sr. dr. Lindolfo Collor meu sincero agradecimento pelo empenho que tomou em favor da rápida solução de andamento do processo e outras providências necessárias, bem como, por idêntico motivo, ao sr. General Firmiro Paim Filho; tornando-o extensivo, igualmente, ás demais pessoas do governo que, de boa vontade, para o mesmo contribuíram. Quartel do 3º Batalhão de Caçadores em Porto Alegre, 6-10-1936. Cândido Carneiro Junior. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 07 OUT 1936, p. 13).

Podemos perceber que, entre os nomes daqueles que receberam publicamente o agradecimento de Cândido Carneiro Júnior, encontravam-se personagens da vida política identificados com Getúlio Vargas, dentre os quais ressaltamos Batista Luzardo, Marício Cardoso e João Neves da Fontoura. Essa informação pode indicar uma relação mais estreita entre Candoca e Vargas, ou pelo menos uma aproximação entre eles. Lembramos que Cândido Carneiro Júnior era uma das lideranças da Frente Única de Soledade, e o contexto político era justamente o de aproximação da FUG com o governo federal, o qual buscava

fortalecer seu poder regional e, em contrapartida, enfraquecer o poder regional de Flores da Cunha.

Cândido Carneiro Júnior, assim como a maioria dos réus, foi absolvido pelo Tribunal do Júri. Conforme noticiado nas páginas do jornal Correio do Povo do dia 24 de outubro de 1936, temos o resultado do julgamento.

Unanimente absolvido pelo Tribunal do Juri de Soledade o general Cândido Carneiro Júnior. Como decorreram os trabalhos – A defesa esteve a cargo do dr. Armando de Souza Kanters e dos advogados Abelardo de Almeida Campos, Caio Graccho Serrano e Pedro Pacheco. O julgamento. A sessão do Tribunal do Juri que julgou o general Cândido Carneiro Junior, realizou-se, ontem, sendo os trabalhos presididos pelo dr. João Didonet Netto, juiz de direito desta comarca. O Tribunal funcionou na mais perfeita ordem, havendo a maior elevação e cortesia no decorrer dos debates. Fez a acusação o promotor público, dr. Floriano Ubirajara de Moura, que produziu longa oração. A defesa esteve a cargo do dr. Armando de Souza Kanters dos advogados Abelardo de Almeida Campos, caio Graccho Serrano e Pedro dos Santos Pacheco. Foi absolvido o general Carneiro. O Tribunal absolveu, unanimemente, o general Cândido Carneiro Júnior pela justificativa da legitima defesa. Encerrados os trabalhos do Tribunal do Juri. SOLEDADE, 20 (via postal). (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 24 OUT 1936, p. 4).

Ainda segundo a reportagem, foi possível obter algumas informações referentes aos demais réus julgados no processo:

Foram encerrados, ontem, os trabalhos da sessão extraordinária do Tribunal do Juri, instalados no dia 15. Foram submetidos a julgamento no dia 15, Mazarino Moraes e João Haas; Ignácio de Lima e Oliverio Cruz Fagundes a 16; Aldino Castro a 17; Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger a 18. Foram todos absolvidos, exceto Oliverio Fagundes, condenado a 15 anos. - Amanhã transferirá residência para Taquari, em virtude da remoção que solicitou e conseguiu, o dr. João Didonet Netto, juiz de Direito desta comarca. Este magistrado aqui se impôs à administração pela sua retidão, espírito justiceiro e pela atitude profundamente democrática. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 24 OUT 1936, p. 4).

Segundo destacado acima, podemos perceber que, dentre todos os réus julgados, somente Oliverio Fagundes foi condenado a 15 anos de prisão. O motivo da condenação não foi explicitado.

No dia seguinte à absolvição, Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram postos em liberdade. Esse ato foi muito festejado, conforme noticiado pelo Correio do Povo do dia 25 e outubro de 1936:

Posto em liberdade, em Soledade, o general Cândido Carneiro Júnior. SOLEDADE, 24 (C.P.) – Hoje, aos primeiros momentos do dia, foram postos em liberdade o general Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger, absolvidos pelo Tribunal do Juri. Numerosos amigos, reunidos no Hotel Tomasi, lhes ofereceram um churrasco, improvisaram um baile, que perdurou até alta madrugada. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 25 OUT 1936, p. 4).

Em nossas pesquisas, não conseguimos confirmar se o único condenado cumpriu plenamente a condenação. Até onde pudemos averiguar, o julgamento não fez referência à culpabilidade ou à participação direta ou indireta do então prefeito municipal Francisco Müller Fortes nos crimes ocorridos na Farmácia Serrana.