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3 O PLANO E O PROJETO ITINERÁRIO DE UMA TRANSFORMAÇÃO PAISAGÍSTICA URBANA.

3.3 Análise comparativa dos projetos

A análise das propostas elaboradas para o Parque por Bueno & Montenegro – Plano Maestro Terceiro Milênio (PMTM), de Pereira & Pabón – Concurso Arquitetônico de Ideias (CAI) e de Esguerra, Hernández & Mazzanti (Projeto Construído) permite entrever elementos que vale a pena comparar.

Com respeito aos eixos de composição, evidenciou-se que a proposta de B&M teve ênfase na solução simétrica, ao passo que a solução do concurso ganhador constituiu em uma proposta dinâmica produto da superposição de eixos diagonais – que correspondem às tensões e relações do lugar – sobre uma retícula, que representa a referência direta ao traçado urbano do setor. Finalmente, o projeto construído, propõe uma solução híbrida: sobre uma estrutura ortogonal, própria do traçado urbano, superpôs um percurso irregular, localizado na parte interna do Parque.

Em relação à proposta de praças, o projeto B&M optou pela alternativa da praça monumental na que se perde a escala humana. A proposta ganhadora do concurso de ideias apresentou a alternativa de praças triangulares que se geravam a partir do cruzamento dos eixos diagonais com a malha ortogonal. O projeto construído não manejou o conceito de praça, pois trocou o referido conceito pelo de “alameda”268, entendida como a materialização de um eixo de composição por uma extensa superfície pavimentada com caixas para plantio de árvores.

Finalmente, com relação à proposta de áreas edificadas, o projeto de B&M propôs uma edificação comercial no centro do Parque e um conjunto de equipamentos na parte sudeste do mesmo. O projeto ganhador do concurso arquitetônico propôs um conjunto lineal de prédios comerciais e institucionais na zona norte do Parque, a manutenção das edificações com valor patrimonial, e a instalação de uma rede de pequenos equipamentos. O projeto construído dentro do seu processo de desenho reduziu a área de ocupação do Parque de 20 ha a 18.5 ha, manteve os prédios de Medicina Legal e do Colégio San Inés e dispôs uma série de pequenos equipamentos distribuídos pelo parque todo, especialmente sobre a Alameda Terceiro Milênio e Calle Sétima.

Com relação aos elementos naturais, o projeto de B&M propôs uma esplanada verde, com uma grande fonte de água; o projeto ganhador do concurso, uma planície verde com

268

Nos parâmetros gerais do desenho do Parque incluiu-se o conceito de praça; porém, durante o processo de desenho o referido conceito foi trocado pelo de alameda, como pode ser constatado no Decreto 246 de 2003.

talude central e uma longa fonte de água; e o projeto construído, taludes perimetrais sobre um plano verde e três conjuntos de pequenos espelhos d’água. As três propostas utilizaram o mesmo conceito de arborização: fileiras de árvores marcando os caminhos e as alamedas.

Infelizmente, embora não se possam ignorar os grandes esforços de gestão adiantados pela administração Distrital e os profissionais contratados para lograr a materialização do projeto do PTM, o elemento natural nas três propostas teve importância devido ao seu valor cênico e decorativo. (Figura 47). Mas não como ferramenta que verdadeiramente contribuísse à conformação de uma EEU. Como colombianos e como bogotanos eles não podem contar com uma tradição que outorgue valor aos rios como elementos verdadeiramente importantes dentro da cidade; a evidência desta condição encontra-se precisamente em uma Bogotá que por quase quatro séculos dedicou-se a “enterrar seus rios”.

Figura 47 – Vista aérea do estado inicial do setor e depois com o projeto construído.

Imagem do estado do setor antes da intervenção urbana (I-1): aprecia-se o alto nível de ocupação do setor. Montagem do Parque no setor (I-2): evidencia-se a magnitude da operação urbana que significou a construção do Parque (P-2). Fonte: (I-1) IDU/SCA “Bases del Concurso” anexo 12. (I-2). [Montagem do autor: imagem Google sobre imagem das Bases de Concurso].

Com o anterior, a cidade perdeu uma valiosa oportunidade de tornar realidade o ideário proposto pelo conceito de EEU na franja da cidade que enterrou seus rios e no setor que correspondeu à confluência dos R. San Francisco e San Agustín. Esta atitude é semelhante à que se apresentou com os outros projetos que se localizaram sobre o antigo leito do R. San Francisco: o projeto de recuperação da Praça de San Victorino e o projeto do Eixo Ambiental Av. Jiménez269 na qual, como se explicou antes, instalou-se um extenso,

269 Eixo Ambiental Av. Jiménez, Extensão 2,8 km ”Para sua realização foi necessário recuperar e articular importantes espaços

estreito e superficial espelho d’água de 1.600 metros de comprimento ao longo da Av. Jiménez.

Com estas ações evidencia-se que os projetos de recuperação do sistema hídrico reduzem-se exclusivamente ao plano retórico, sem chegar a uma concretização do ideário da EEU. Esta atitude tem se replicado em outras áreas da cidade onde, por exemplo, a recuperação de zonas úmidas, como a de Juan Amarillo, tem se materializado na construção de alamedas perimetrais, que embora sejam uma alternativa para a geração de espaço livre (superfícies impermeáveis com árvores em canteiros não contribuem ao processo de restituição do sistema hídrico da cidade).

Frente à ausência de uma proposta que concretizasse o ideário da EEU, ficava ainda a oportunidade de que o projeto pudesse ser uma alternativa de renovação urbana de uma peça da cidade que se encontrava em avançado estado de deterioramento urbano e “decomposição” social de modo a contribuir à conformação de um “centro de integração social no mundo contemporâneo”270, que atraísse o investimento do setor privado, motivando

o retorno da população para que ocupasse de maneira estável a zona centro da cidade, como bem o apregoam as iniciativas empreendidas pela prefeitura atual.

Porém, após quatro anos de sua construção, nas visitas de campo realizadas no desenvolvimento do presente trabalho, ainda não se evidencia um transformação do entorno construído do Parque, também não se evidencia uma afluência massiva de pessoas ao mesmo e, ao contrário, ainda o setor mantém uma conotação negativa na percepção dos cidadãos. Frente a este panorama, surgem inevitavelmente alguns questionamentos: É possível que o Parque, não esteja contribuindo a um processo de renovação urbana no centro da cidade? Quais deveriam ser os elementos a serem levados em conta para que não se produzisse uma situação com estas características? Seria possível que o projeto na verdade tivesse se convertido em um exercício de limpeza social oficial em uma zona de alta degradação urbana, gerando um vazio dentro da cidade?

A seção 4 procurará responder a estes questionamentos, partindo da premissa de que é preciso revelar quais foram os processos e fenômenos urbanos e paisagísticos que deram lugar ao que atualmente é este setor da cidade, sendo que eles deveriam marcar a

Carrera 18). O conjunto cria um entorno que recupera integralmente parte do Centro Histórico, ressalta o patrimônio

arquitetônico e urbanístico situado ao longo do Eixo e gera as condições necessárias para reanimá-lo em termos ambientais. O Eixo inclui um amplo passeio para pedestres e um corredor para o uso exclusivo do serviço de transporte público Transmilenio […]”. Disponível em: <http://www.bogotaturismo.gov.co/ciudad/sectores/centro.php#eje>. Último acesso em: 07 mar. 2009. O tramo construído mede 1.6 km compreendido entre a Carrera 2a e a Carrera 10a, e teve um custo final de 7.056 milhões de pesos / 2.8 milhões US$ (custo inicial estimado 6.000 milhões de pesos / 2.4 milhões US$). Fonte: IDU.

referência ou o ponto de partida em que se baseiam a tomada de decisões para a recuperação da EEU.

4 O PARQUE TERCEIRO MILÊNIO E SUA BACIA. PERIFERIA, CENTRO, ILHA E VAZIO URBANO.

Na seção 1 apresentaram-se alguns aspectos que deram lugar à formação do discurso ambiental no país, explicou-se a origem e inclusão do Conceito de Estrutura Ecológica Urbana (EEU) no modelo do Plano de Ordenamento Territorial (POT) de Bogotá, mencionaram-se alguns elementos ou ferramentas – que na consideração do autor poderiam aportar à materialização efetiva do conceito de EEU em Bogotá – e, finalmente, enfatizou-se a importância de estudar os fenômenos de transformação da paisagem local em perspectiva histórica, a fim de encontrar elementos que permitissem não somente compreender quais os fenômenos que deram lugar às condições ambientais atuais, mas de obter experiências e aproveitar oportunidades que contribuam para a revitalização de valores sociais, urbanos, ecológicos e paisagísticos de um lugar. Na seção 2, realizou-se um recorte histórico que permitiu verificar como o ecossistema original no qual a cidade encontra-se hoje foi intensamente modificado desde o período Colonial até a atualidade, produto do manejo inadequado dos recursos naturais, de modo que o sistema hídrico foi alterado drasticamente com a impermeabilização do solo, a canalização dos rios, a dissecação das zonas úmidas, a contaminação dos corpos de água, a construção de redes combinadas de esgotos como resultado do acelerado crescimento da cidade, especialmente durante a segunda metade do século XX. Na seção 3, evidenciou-se a distância entre o discurso ambiental das propostas e como a concepção do Parque terminou sendo o reflexo de um projeto ou ideário político. Com estes antecedentes, a presente seção tem o propósito de fazer uma aproximação ao estudo do caso, revelando os elementos sociais, urbanos e ambientais que desde o período Colonial, configuraram a paisagem da área onde hoje está localizado o Parque Terceiro Milênio (PTM), e especialmente, indagar pelo processo de ocupação da sub-bacia do R. San Francisco neste setor da cidade. Esta análise visa a aportar um enfoque alternativo, diferente do enfoque que se deu durante a concepção e execução do PTM. Para tal efeito, o autor deste trabalho parte da convicção de que é indispensável estudar qual foi a dinâmica de transformação social, urbana e ambiental da bacia do R. San Francisco, que permita ter um novo olhar que deixe ao futuro tomar decisões de acordo com as condições físicas, sociais e ambientais do setor.

Para efeito da respectiva análise toma-se como recorte o espaço conformado pelas bacias dos rios San Francisco e San Agustín, espaço que corresponde ao lugar de fundação

e localização do Centro Histórico da cidade, e especialmente do lugar de confluência dos dois rios, setor no qual se construiu entre 2000 e 2005 o PTM. (Figura 48).

Figura 48 – Recorte da bacia e crescimento histórico do centro de Bogotá.

Toma-se como área de estudo a bacia dos rios San Francisco e San Agustín na zona centro da cidade (P1), delimitada por (1) Cerros Orientales, (2) Calle 16, (3) Carrera 18, (4) Calle 4ª, com uma área de 352 ha. San Victorino faz parte do centro tradicional (P2) e consolida-se como bairro em 1840 e é vizinho do Centro Histórico da cidade (P3). P2 Crescimento histórico: azul escuro 1539-1600; azul 1600-1840; lilás 1840-1890; vermelho escuro 1890-1900; vermelho 1900-1920; roxo 1920-1940; amarelo 1940-1950. Centro Histórico. Centro Histórico (P3). [P1- Imagem Google editado pelo autor. P2 e P3 Editados pelo autor/IDEA-UN].

4.1 A bacia dos rios San Francisco e San Agustín