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Os desafios que exigia o projeto Parque Tercer Milenio

3 O PLANO E O PROJETO ITINERÁRIO DE UMA TRANSFORMAÇÃO PAISAGÍSTICA URBANA.

4.6 Os desafios que exigia o projeto Parque Tercer Milenio

As páginas anteriores procuraram mostrar a evolução histórica de San Victorino com

o fim de determinar e explicar a origem dos elementos que configuraram suas atuais condições ambientais, urbanas, sociais e paisagísticas. Em consideração do autor, a compreensão destes elementos históricos e a consequente situação atual do setor criavam importantes retos às operações de renovação urbana empreendidas pelo Distrito a partir de 1999: San Victorino, e especificamente o bairro Santa Inés, configuraram-se como uma “barreira” urbana, na qual sobre uma cidade formal dão-se as dinâmicas de uma cidade informal, a qual reforça as condições de isolamento, amparadas nas redes do comércio ilegal de alucinógenos e a complacência da força pública. Esta população da cidade formal não tem desenvolvido um sentido de apego com o setor, pois sua relação com o mesmo é exclusivamente de caráter de trabalho, e as atividades da vida familiar, lazer e de descanso acontecem em outros lugares da cidade.

De outro lado está a população informal, a mais vulnerável devido a sua principal atividade que corresponde à luta diária para conseguir o sustento, ou seja, o que popularmente se conhece como “rebusque”. Dentro desta população configuram-se grupos característicos, de acordo com o tipo de atividade que realizam: recicladores (de papel, metal, vidro, madeira, entre outros), compradores de materiais recicláveis, consumidores de alucinógenos, dispensadores de alucinógenos (jíbaros), vendedores de comida, administradores de cortiços. As atividades desta população mantêm-se vivas durante o dia todo, não somente pela reciclagem de materiais, mas pelo comércio de alucinógenos, que fornece inclusive aos consumidores pertencentes às classes acomodadas da cidade.

Com relação à imagem do setor frente à cidade, o comércio de alucinógenos, a perda de controle sobre a propriedade, a alienação do espaço livre, as condições precárias de moradia e os consequentes fenômenos de violência são os elementos que terminam por configurar uma realidade com a qual San Victorino torna-se símbolo da miséria, do indesejável.

Este panorama, paradoxalmente produz-se somente a dois quarteirões dos símbolos políticos, sociais e religiosos do país: a Praça de Bolívar, o Palácio presidencial, o Capitólio Nacional e a Catedral de Bogotá. Além disso, nas proximidades do antigo leito do R. San Francisco, de forma que no espaço urbano sobrevive a antiga aliança entre marginalidade e água, agora, sob condições distintas às da colônia: encanou-se o rio, impermeabilizaram-se e homogeneizaram-se as superfícies, desapareceram os símbolos religiosos e emblemáticos, antigos residentes e comerciantes migraram e o setor ficou sitiado pelas grandes avenidas da cidade. Sob estas condições, conformou-se uma “barreira” urbana caracterizada pela alienação do espaço livre, a intensa presença de agentes delitivos e a perda total do controle da propriedade privada.

O discurso e conceito da EEU do POT de Bogotá, assim como os objetivos de equidade (ver seções 1 e 2), tiveram que significar uma oportunidade com a qual, pela via de três ações – recuperação da Estrutura Ecológica Urbana, geração de novos marcos na paisagem e criação de alternativas para reter população e atrair habitantes – conseguiu-se superar os desafios que exigia esta “barreira” urbana.

Com a construção do projeto Parque Terceiro Milênio, sem dúvida, recuperou-se o espaço livre e a propriedade privada por meio de uma complexa gestão imobiliária. Porém, apesar destes significativos resultados, é necessário dizer que o projeto não contribuiu para um processo de renovação no centro da cidade: com relação à dimensão social, não se criaram alternativas de moradia e equipamentos para estimular a atração de habitantes e provocou-se a expulsão e dispersão da população mais vulnerável do setor. No que se refere à dimensão paisagística, as decisões de desenho aumentaram o isolamento gerado pelas amplas avenidas, pois não se propuseram elementos que contribuíssem à conectividade urbana para pedestres (moradores e visitantes do setor), e também não se propuseram novos equipamentos que revitalizassem o setor e que devolvessem ao bairro os referentes, o significado e a importância que teve para a cidade durante muitos séculos. Esta característica evidencia-se no fato de que hoje em dia o parque tem pouca frequência de uso, não apresenta modificações importantes no seu entorno e requer constantes medidas de segurança e vigilância para sua utilização. (Figura 69) – Estado atual do entorno do Parque Terceiro Milênio (Folha anexa).

Finalmente, o projeto não contribuiu à recuperação dos leitos dos corpos de água, nem aportou elementos importantes para a recuperação dos elementos naturais que ajudariam a configurar a Estrutura Ecológica Urbana. O parque desconheceu a função

hidrológica da bacia e impermeabilizou a maior parte do solo recuperado, perdendo-se a oportunidade de melhorar as condicões ambientais para o setor e a cidade, por não contribuir à continuidade do corredor ecológico do R. San Francisco que, como já foi mencionado, é fundamental para a conectividade dos três componentes mais importantes da EEU de Bogotá (Cerros Orientales- Savana - R. Bogotá).

Todos esses elementos permitem concluir que o parque foi na verdade um exercício de limpeza social, em uma zona de alta degradação social e paisagística com a qual a ilha “barreira” urbana tornou-se um “vazio urbano”, no qual a população que poderia aproveitá-lo – setor formal – não aproveita e a população que quer utilizá-lo – setor informal –- não pode, porque as autoridades temem que o parque seja invadido.

Fonte Fotos Figura 13.

1 L. Ubaque(http://www.rupestreweb.info/correrlatierra.html) 2. El Verjon (http://www.rupestreweb.info/correrlatierra.html) 3. L. Siecha (http://www.montecilloenguatavita.com/turismo) 4. L. Guasca (http://farm4.static.flickr.com/3077/2288841621_d604f30f39.jpg?v=0 ) 5. L Guatavita (http://img151.imageshack.us/img151/8389/guatavita019eu.jpg) 6. L. Iguaque http://www.parquesnacionales.gov.co

CONCLUSÃO

Este trabalho permitiu evidenciar a importância e o papel que tem cumprido o conceito de EEU no ordenamento espacial do território, e também permitiu concluir que é decisivo revisar o conteúdo, processos e programas dos projetos vinculados à EEU.

A seção 2 permitiu verificar como o crescimento acelerado e descontrolado da cidade nos últimos cinquenta anos colocou em risco a estabilidade ambiental do território, pois afetou substancialmente os processos do ecossistema, por meio da alteração do sistema hídrico, da fragmentação da rede de corredores ecológicos e da impermeabilização da savana. Neste sentido, atualmente o conceito de EEU não somente é de inquestionável pertinência – como alternativa à restauração do equilíbrio ambiental – mas os projetos específicos (por exemplo, os parques metropolitanos), têm um indiscutível compromisso, o qual está associado à recuperação do sistema hídrico e aos corredores ecológicos, assim como à geração de superfícies permeáveis e de excelentes condições paisagísticas no meio urbano.

Neste contexto, surge o projeto Parque Terceiro Milênio, o qual, além de ser peça central de um ambicioso programa de renovação urbana – formulado para a recuperação integral do setor de San Victorino no centro de Bogotá –, era uma oportunidade para melhorar as condições ambientais e paisagísticas do centro da cidade. Porém, por meio deste trabalho de investigação, foi possível estabelecer que embora o projeto Parque Terceiro Milênio permitisse resgatar o espaço público, a recuperação da propriedade privada, a recolocação da população e a reabilitação parcial dos residentes ilegais, o projeto não aportou elementos importantes para a restauração ecológica do sistema hídrico, a conformação de corredores ecológicos, a recuperação integral urbana e para o melhoramento ambiental, paisagístico e social do setor.

Este trabalho permitiu concluir que existe uma contradição entre o discurso ambiental e os projetos pertencentes à EEU. Vejamos por quê:

A EEU e a cidade construída

O suporte principal para restabelecer a estrutura ecológica original e atual da cidade requer a recuperação do seu sistema hídrico, conformado pelos principais rios, canais, zonas úmidas, áreas de recarga de aquíferos e vale aluvial do rio Bogotá. A análise sobre como a

cidade tem ocupado a savana permite estabelecer que o sistema hídrico da cidade está profundamente alterado, o que exige estratégias inovadoras para cumprir com os objetivos e metas associadas ao conceito de EEU. É precisamente neste ponto que o trabalho de investigação permitir estabelecer a atual presença de deficiências, indicando a existência da distância entre o conceito e a sua materialização na cidade.

O sistema hídrico tem como eixos principais os rios Torca, Juan Amarillo (Salitre), Fucha e Tunjuelito, rios que têm sofrido um progressivo e constante deterioramento de seus leitos e bacias. Na parte baixa foram “controlados” com taludes naturais, na parte média foram canalizados e, em alguns casos, seu percurso foi modificado. A situação mais crítica apresenta-se na parte alta, onde foram encanados e enterrados sob as novas ruas e avenidas, afetando toda a rede de rios e riachos afluentes de suas bacias. É precisamente nesta última zona onde a EEU formulada no POT apresenta maior debilidade, pois não incluiu políticas e ações claras para a recuperação e renaturalização desta zona. Neste sentido, o propósito de restabelecer a unidade biológica (postulado por van der Hammen, e integrado ao POT), é impossível de realizar.

Outra dificuldade de materialização que apresenta a EEU é a de limitar a dimensão do sistema hídrico às linhas (percursos) dos rios, ignorando a noção de bacia hidrográfica na área urbana da cidade. O anterior deve-se em parte à ausência do conceito de “ciclo da água” que é superficialmente mencionado; inquestionavelmente este conceito precisa de uma maior discussão e incorporação às metodologias e aos instrumentos de planejamento da cidade, uma vez que não somente permite uma aproximação e ações adequadas sobre o sistema hídrico, mas também permite materializar o conceito de corredor ecológico.

Por outro lado, em relação aos parques metropolitanos, é muito visível que nenhum está integrado ao sistema hídrico da cidade; pelo contrário, tais parques operam como entes autônomos sem articulação como os demais componentes da EEU.

Finalmente, o POT estabelece como conector transversal do sistema todo da EEU a rede de corredores viários, mas como se observou na análise, entre a Carrera 30 e os Cerros Orientales, onde se localiza grande parte da população e serviços da cidade, as avenidas arborizadas têm sucumbido ante a satisfação da mobilidade veicular que cada dia demanda mais espaço. Foi assim que se asfaltaram os canteiros centrais, suprimiram-se os jardins laterais e retiraram-se as árvores, de modo que o corredor viário foi despojado do seu papel como conector transversal da EEU.

É lógico que para materializar o conceito de estrutura ecológica é necessário que todos os projetos associados a esta tenham como referência obrigatória as bacias hidrográficas e incorporem o conceito de infraestrutura verde, de forma que o ecossistema e o ciclo da água sejam base fundamental na concepção e realização dos mesmos. Além disso, é decisivo revisar a concepção das unidades geográficas e incluir o conceito de unidades de paisagem para que, com um olhar mais ambiental que administrativo, sejam parte ativa do planejamento do território.

A EEU no centro da cidade

A observação do centro tradicional de Bogotá permite-nos identificar que dentro desta zona – cujo limite norte é o R. Arzobispo e o limite sul é o R. San Cristobal – os corpos de água foram sepultados sob prédios e novas ruas e avenidas. Além disso, os projetos de intervenção neste setor da cidade não incluíram estratégias ou ações para a recuperação e para a renaturalização do sistema hídrico: este é o caso dos projetos Eixo Ambiental da Av. Jiménez, o Parque de San Victorino e o PTM, os quais apesar de se localizarem sobre o percurso do rio San Francisco, não tiveram em conta um compromisso com o sistema hídrico.

É preciso mencionar que não se trata simplesmente de reclamar pela renaturalização dos corpos de água, mas de chamar a atenção sobre o fato de que os projetos mencionados não apresentam nenhum compromisso ou proposta concreta frente ao sistema hídrico – drenagem – do centro da cidade.

O Parque Terceiro Milênio

A análise que foi realizada neste trabalho de pesquisa evidencia a contradição que se apresenta entre o discurso ambiental e as práticas ambientais da cidade; pelo anterior, não é de estranhar que o projeto do PTM não tenha proposto alternativas concretas para resolver a descontinuidade dos rios, nem programas para um manejo sustentável de seus escassos recursos hídricos, nem estratégias para restaurar a fragmentada rede de corredores ecológicos, reduzindo o problema a soluções técnicas simplistas no desenho e construção do mesmo.

Propuseram-se espelhos de água artificiais com a intenção de recuperar a “memória” dos rios San Francisco e San Agustín, em lugar de apresentar alternativas para naturalizar os rios. Também se desconheceu a possibilidade de incluir estratégias que permitissem o uso sustentável dos recursos hídricos superficiais da bacia. Deu-se preferência à criação do solo impermeável, e o plano de arborização privilegiou a plantação de linhas de árvores, desconhecendo a importância de gerar massas de árvores, ainda mais quando o centro da cidade carece destas.

Dessa forma, como o parque não aportou elementos significativos para a restauração ambiental do setor, nem para uma integração com o seu entorno natural, é de se esperar que houvesse um aporte à relação com o seu entorno urbano e social. Porém, depois de quatro anos de sua inauguração, é evidente a baixa frequência de uso do parque, apesar dos esforços por parte da administração para que a população utilize suas instalações. O anterior evidencia-se na desolação das áreas de brinquedos para crianças, dos equipamentos e demais serviços, como por exemplo, os estacionamentos subterrâneos. Este nível de abandono é contraditório em um setor da cidade que diariamente está ocupada por mais de um milhão e meio de habitantes e onde a demanda de estacionamentos de veículos é a maior da cidade.

Esta situação contraditória pode ser explicada pelo fato de que os estudos de formulação e desenho do parque careceram de uma análise das dinâmicas históricas de ocupação da bacia do rio San Francisco e San Agustín.

Como se indicou na seção 4, nos últimos cinquenta anos, o setor apresentou uma transformação, produto do abandono a que foi submetido pela administração Distrital. Com a construção da Av. Caracas e a ampliação da Carerra 10ª, o setor perdeu seus equipamentos mais importantes – a igreja de Santa Inés, a Escuela de Medicina, Praça de Mercado –, os quais deram identidade e reconhecimento ao setor na cidade durante mais de cem anos. Com a perda das rotas do bonde, o setor ficou fora dos circuitos do transporte público, deixando de ser um passo obrigatório dos habitantes da cidade. A partir do “Bogotazo” (1948) geraram-se várias migrações, pelas quais se transformou pouco a pouco o controle da propriedade privada, e o setor passou de um bairro de proprietários a um de arrendatários, tornando-se depois um bairro de invasores. Finalmente, com a autorização do prefeito Gaitán Cortés para que a praça de San Victorino fosse ocupada por vendedores ambulantes, estimulou-se e “legalizou-se” a invasão do espaço público do setor.

Produtos destes eventos, em termos sociais consolidaram-se dois grupos de habitantes – os do “setor formal” e os do “setor informal” – cada um dos quais operando com ritmos e hábitos diferentes de ocupação do território: os integrantes do primeiro, na sua maioria, trabalham no centro e moram na periferia; os integrantes do segundo, bastante numerosos e com uma significativa presença no setor, se “rebuscan e moram” no centro. Como os primeiros não utilizam o centro como espaço de recreação e lazer, e os segundos, com a realização do projeto, foram expulsos, o Parque não tem atualmente uma população que demande seu uso.

Sem dúvida nenhuma, a carência de uma análise das dinâmicas históricas de ocupação da bacia do rio San Francisco e San Agustín, e o desconhecimento da importância que tinham os habitantes do “setor informal” em San Victorino, contribuíram para que o parque se tornasse um vazio urbano sem maior importância e significado para os usuários e moradores do centro da cidade.

Comentários Finais

Uma das premissas utilizadas pela administração distrital para a promoção do projeto era que com a construção do parque melhorariam as condições físicas, ambientais e sociais do setor, com o qual se iniciaria um processo de renovação urbana que transformaria o entorno imediato do Parque, ao se incentivar a realização de projetos imobiliários, financiados pelo setor privado.

A realidade mostra o contrário. Até hoje não tem se iniciado nenhum processo de investimento público ou privado no entorno do Parque, e o que se percebe é um perfil urbano com condições precárias, distante do prometido no discurso que sustentou a concepção e promoção do projeto.

A ideia de reabilitação de população vulnerável não cumpriu com as metas traçadas: o resultado foi uma atomização ou dispersão desta população pela cidade, criando novos focos de conflito urbano. O paradoxo radica-se no fato de que a cidade suprimiu um cenário de conflito social, mas terminou criando outros.

Sem dúvida nenhuma, com projetos como Eixo Ambiental Av. Jiménez, a Praça de San Victorino e o Parque Terceiro Milênio, a cidade desperdiçou a oportunidade de contribuir efetivamente para o melhoramento das condições de seu ecossistema, a recuperação do sistema hídrico natural e a renaturalização da rede de Corredores Ecológicos de seu centro.