• Nenhum resultado encontrado

A bacia dos rios San Francisco e San Agustín Dimensão espacial e ambiental da bacia

3 O PLANO E O PROJETO ITINERÁRIO DE UMA TRANSFORMAÇÃO PAISAGÍSTICA URBANA.

4.1 A bacia dos rios San Francisco e San Agustín Dimensão espacial e ambiental da bacia

Durante o período colonial, a Paróquia271 de San Victorino272 – lugar onde na atualidade localiza-se o PTM – estava situada na parte baixa e na periferia da cidade, próxima à confluência dos leitos dos rios San Francisco e San Agustín273. Estes rios cumpriam o papel de limites naturais da cidade, marcando uma interrupção da traça como tabuleiro de xadrez da cidade colonial.

Como se explicou na seção 2, na fundação e consolidação da cidade colonial primou uma visão utilitária dos corpos de água e do recurso florestal e, além disso, uma percepção negativa das zonas baixas inundáveis as quais eram vistas como foco de animais

271 Para efeitos de administração religiosa, Santafé dividiu-se em 4 Paróquias desde o século XVI, “as quais foram o único

modo para uma organização espacial até o século XVIII”. (MEJÍA, 1999, p. 300)

272 A Paróquia recebeu seu nome em honra a San Victorino “Abogado contra los hielos que suelen hacer daño a los panes

recién sembrados”. (IBAÑEZ, 1989, tomo I, p. 92)

273 Estes rios antes da conquista recebiam o nome indígena de Vicachá e Manzanares. Os nomes dos lugares naturais,

venenosos. Esta condição repercutiu de duas maneiras na Paróquia de San Victorino. (Figura 49). Em primeiro lugar, os habitantes da Paróquia não se beneficiaram com as águas dos rios San Francisco e San Agustín, devido ao consumo e poluição nas partes altas da cidade que provocaram a diminuição do leito e uma abundante presença de desperdícios no leito dos mesmos. Em segundo lugar, no limite ocidental da Paróquia, na altura do atual bairro Santa Inés, (Carrera 10a) havia um barranco profundo, que se formou pelas enchentes

do R. San Francisco274. Nesse barranco os habitantes da Paróquia descartavam os restos dos animais mortos e o lixo. Estas duas situações determinaram o fato de que o setor de San Victorino fosse pouco apetecido para a localização das classes ricas (brancos), de forma que até meados do século XIX, San Victorino foi um subúrbio da Paróquia de La Catedral275, que acolheu aos indígenas e mestiços que habitavam Santafé276. Neste sentido, pode-se dizer que San Victorino nasceu sob o símbolo da marginalidade que originou por meio de uma condição ambiental preexistente277: o desprezo por um rio que se desbordava durante certos períodos do ano278, cujo caudal era incapaz de surtir com águas limpas aos habitantes, e de uns solos, submetidos ao risco de possíveis enchentes, e aos imaginários perigos da natureza, representados principalmente por animais venenosos dos quais advertiram as ordenanças de fundação de povoados.

De acordo com a condição de seus habitantes, e o fato de estarem em um vale inundável, as terras da Paróquia caracterizaram-se por conformar uma mancha verde de terras destinadas em sua maioria à atividade agrícola de “pan coger“279; esta mancha verde somente era interrompida por algumas edificações e caminhos.

No sul da Paróquia também se situaram algumas propriedades rurais dos espanhóis: a Vila de Segovia ou a Horto de Jaimes280, – cujas terras começavam frente à Praça do

274 VILLEGAS Ed., 2000, p. 130.

275 ZAMBRANO, Fabio; CARREIRA, Ana; RIVERA, Mauricio. Historia Urbana de la Localidad de Teusaquillo. Inédito, 2007. p.

41.

276 Em 1688 havia em Santafé 3.000 brancos e 10.000 indígenas […] os setores mais densamente povoados por indígenas

foram Pueblo Viejo (leste e sul) Las Nieves, Santa Barbará e San Victorino. […] Em 1780 os indígenas puros passavam escassamente 10%, enquanto os mestiços eram 45% da população santafereña. Finalizando o século, os indígenas não passavam de 4%. (IRIARTE, 1988, p. 68)

277 Setor de classes pobres da cidade, assentamento de indígenas – San Victorino, Las Nieves, Santa Bárbara, Pueblo Viejo.

(IRIARTE, 1988, p.68)

278 Bogotá tem dois períodos de chuva no ano, o primeiro em março, abril e maio, e o segundo em setembro, outubro e

novembro.

279 Vale a pena esclarecer que também havia comercialização de alguns produtos agrícolas, consistente na venda de legumes

na “Plaza de las Yerbas” (Parque Santander). A Praça, que durante o período republicano adquiriu o nome de Plaza de

Santander, durante o período colonial era a Praça de mercado permanente da cidade. Os legumes que se vendiam na referida

praça vinham da Parroquia de San Victorino e da de Las Nieves localizadas ao norte da cidade, onde também se situou um povoado indígena. (MEJÍA, 1999, passim.)

280 A Huerta de Jaimes localizou-se onde hoje se encontra a igreja de Corazón de Jesús (Voto Nacional). Apostillas. Eduardo

mesmo nome –, e uma porção da fazenda de La Estanzuela que conformava o limite sul da Horta de Jaimes e estendia-se ao oeste até a Calle 6a281.

Figura 49 – Organização Política do Centro da Cidade: paróquias e bairros.

No final do século XIX a divisão política da cidade estava determinada pelas Paróquias Catedral (vermelho), San Pablo (roxo), San Victorino (amarelo), Santa Barbará (azul), Las Cruces (rosa) Egipto (verde), Las Aguas (marrão), Las Nieves (verde escuro). No início do século XX a divisão política se estabelece por bairros. O bairro de Santa Inés (10) encontrava-se rodeado pelos bairros de: (1) San Victorino (2) La Capuchina (3) Veracruz (4) La Catedral (5) Centro Administrativo (6) Santa Bárbara (7) San Bernardo (8) La Estanzuela (9) Voto Nacional. Por tradição, a Praça Antonio Nariño ou de San Victorino (A) opera como centro do setor, razão pela qual a população identifica a área de confluência de seis bairros (oval vermelho) como San Victorino. Fonte: P1. Atlas Histórico de Bogotá 1538-1910. A Candelaria, Bogotá 2004, p. 29. P-2.

Elementos urbanos: San Victorino conventual e portão da cidade

Do século XVI ao XVIII configuraram-se elementos urbanos significativos que começaram a conferir uma identidade a San Victorino em relação às demais paróquias da cidade. O primeiro deles é o fato de que a paróquia comportava-se como portão de entrada à cidade, pois ali terminava o caminho de Oeste, Calle 13 (Av. Jiménez). Este caminho tinha um importante papel na escala regional, já que conectava a cidade com o porto fluvial de Honda, localizado sobre o Río Magdalena, a 135 km de distância de Bogotá282. O anterior concedeu uma particularidade à Praçinha da Paróquia de San Victorino, como porto terrestre de viajantes e como importante ponto de venda de materiais de construção e de mel em atacado283.

281 No leste divisa com o que atualmente é a Av. Caracas e no oeste chegava até embaixo da atual Carrera 20.

(CARRASQUILLA, 1989, p. 63)

282Bem o descreve o historiador Jorge Orlando Melo: “Durante todo o século [XIX], o eixo do sistema, a peça fundamental

esteve constituída pelo rio Magdalena. Por onde se introduziam, desde os portos atlânticos de Cartagena, Santa Marta e posteriormente Barranquilla (Sabanilla), os bens importados; dele saíam para o mercado mundial os produtos agrícolas de exportação”. (MELO, 1984, p. 153)

Outros elementos urbanos destacáveis neste período, por terem configurado a paisagem outorgando identidade ao setor, foram a igreja e convento de Santa Inés284 (consagração em 1645)285; a igreja e convento de La Capuchina ou de San José, (consagração em 1791), que marcou o limite ocidental da cidade na atual Carrera 13 (Av. Jiménez) com Calle 14 (Av. Caracas); a igreja da Concepción e de San Juan de Dios; e finalmente, a igreja de San Victorino (Calle 13 com Carrera 12). Esta última erigiu-se em 1598286, e teve grande significação como símbolo máximo da Paróquia, uma vez que ali se concentrou a missão religiosa da “administração de almas” realizada sob a tutela do catolicismo.

San Victorino assomou-se ao século XIX, contando com cinco prédios religiosos e conventuais, separados apenas por poucas ruas. (Figura 50). Durante o período Colonial, as igrejas constituíram um elemento de relevante importância na paisagem urbana não somente pelo seu significado religioso, mas pelo fato de se destacar no perfil urbano com relação às demais edificações, as quais, salvo casos excepcionais, alcançavam dois andares de altura. Assim, “[...] a urbe aparecia como um espaço sagrado, protegido das influências externas como as geadas, os raios e as secas […]”287, uma cidade morando tranquilamente sob o amparo das torres das igrejas, dos objetos e iconografia religiosa que albergavam no seu interior.

Neste ponto pode-se afirmar que durante o período colonial a paisagem de San Victorino caracterizou-se basicamente por quatro elementos: a conotação marginal derivada da utilização e percepção dos elementos naturais, o caráter rural associado principalmente à agricultura de “pan coger”, os elementos próprios de um porto terrestre e portão da cidade, e finalmente a presença protetora das igrejas no perfil da cidade. No que diz respeito à dimensão social, vale a pena ressaltar que em virtude de um inadequado uso e percepção do entorno natural, San Victorino nasceu como lugar de assentamento das classes pobres, conformadas por indígenas e mestiços, fato que seguramente é indicativo de um parodoxo na relação entre homem e natureza.

284 Mesmo que a Igreja de Santa Inés não pertença à área desta paróquia, menciona-se aqui por sua importância na

consolidação da paisagem urbana de San Victorino.

285 Localizado no costado ocidental da Carrera 10, entre Calles 9a e 10a. Em 1638 aprovou-se a criação do convento da Segunda Orden Dominicana.

286 A construção original com teto de palha data de 1578; em 1598 colocou-se telhado de barro. (MEJÍA, 1999, p. 159) 287 MEJÍA, 1999, passim.

Figura 50 – Presença de equipamentos religiosos no setor.

Durante muito tempo a paisagem da cidade foi denominada pelas torres da igreja – em um mesmo quarteirão localizavam-se várias igrejas –, o setor de San Victorino apresentou esta mesma lógica (P1). Conventos e igrejas (1) Santa Inés, 1645 (2) Nuestra Señora de la Concepción, 1538 (3) San Juan de Dios, 1723 (4) San Victorino, 1568 (5) La Capuchina, 1778. Foto 1: Igreja de Santa Inés, 1945. Foto 2: Igreja La Capuchina, 1910. Fonte: P1 Elaborado pelo autor; fonte: Atlas histórico de Bogotá. Fotos 1 e 5: Sociedad de Mejoras y Ornato.