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CAPÍTULO 2 WOLE SOYINKA: THE LION AND THE JEWEL E A OBRA

2.4 O método teórico de descrição de tradução literária de Lambert e Van Gorp

2.4.4 Análise do contexto sistêmico

De acordo com Lambert e van Gorp (1985), o contexto sistêmico diz respeito à recepção da obra no sistema literário de chegada, nos seus diferentes contextos de tradução, publicação e crítica. A forma como o autor é apresentado ao público, sua trajetória literária e a obra escolhida para ser traduzida são reflexos da poética vigente, que se torna visível por meio das normas literárias. Esses epitextos públicos (Genette, 2009), portanto, compõem o contexto sistêmico da obra, uma vez que é por meio deles que Soyinka tem sua obra refratada para outros meios de comunicação.

Como a obra foi traduzida para ser lançada na sessão de homenagem a Soyinka, na I Bienal do Livro e da Leitura de Brasília, em 2012, houve muitas reportagens sobre ele e entrevistas concedidas e publicadas nos principais meios de comunicação local e nacional. Em sua passagem pelo Brasil, Soyinka participou de eventos em Belo Horizonte, Salvador e Brasília. A Bienal do Livro e da Leitura é um projeto desenvolvido para democratizar o acesso da população a eventos culturais em Brasília, como apontou o Correio Braziliense (14 de abril de 2012), na época do evento, e sua relevância foi comparada à Semana de Arte Moderna, em

São Paulo, em 1922. O site g1.globo.com69 apresentou a seguinte manchete: “Brasília recebe 1ª Bienal do Livro com foco na América Latina e África”, fazendo referência ao lançamento de livros inéditos no país de Soyinka e de Conceição Lima, escritora são-tomense. Além disso, fotografias tiradas na Bienal foram disponibilizadas no site da Associação Brasileira das Editoras Universitárias ABEU, o que deixa claro a importância do evento também para essa categoria editorial e a diversidade do público potencial do evento.

Sobre a recepção de Soyinka, em si, é possível observar nas manchetes dos maiores jornais, online ou impressos, que o que mais foi destacado foi a laureação de Soyinka, sendo que ora sua nacionalidade nigeriana também era mencionada, ora sua profissão de dramaturgo. Nahima Maciel e Felipe Moraes, no Correio Braziliense (14 de abril de 2012), publicaram o artigo intitulado “Nobel de Literatura Wole Soyinka lança hoje sua primeira obra no Brasil”, de cunho local, a matéria ressalta que “a peça traz inúmeras referências iorubas70, cultura que marca boa parte da obra de Soyinka e que, muitas vezes, dificulta sua tradução e leitura”, o que ressalta o caráter híbrido da obra e suas resistências. A manchete do site do Governo do Distrito Federal diz “Escritor Wole Soyinka visita a Praça dos Orixás”, fazendo referência às religiões de matriz africana presentes no Brasil. No programa “Entrelinhas71”, da TV Cultura, Allan da Rosa apresenta a vida de Soyinka e sua trajetória intelectual (2009).

Sobre as diferentes interpretações que a obra O leão e a joia teve, destacam-se duas: o lugar do negro e a emancipação da mulher. A Revista Afro (2012), que publicou um artigo intitulado “Primeiro negro a ganhar o Nobel de literatura é homenageado em Brasília”, ressaltando o espaço conquistado por um negro, segundo o autor do artigo, Angelo Freitas. Como também o empoderamento feminino, no artigo de Juliana Dias (2012), “Mulheres que renascem a África” (2012), no qual Sidi é vista como uma representação das mulheres africanas “convictas de seu crescente papel como protagonistas da reformulação das culturas tradicionais”.

69 Reportagem sem autoria definida. Disponível em <http://g1.globo.com/distritofederal/noticia/2012/04/brasilia- recebe-1-bienal-do-livro-com-foco-na-america-latina-e-africa.html>, acesso em 28 de janeiro de 2016, às 1:47. 71 Video disponível em <http://www.edicoestoro.net/videos/programas-tv-cultura/allan-da-rosa-apresenta-o- escritor-nigeriano-wole-soyinka.html>, acesso em 28 de fevereiro de 2016, às 14:35.

Sobre a recepção da obra O leão e a joia, o próprio site da Geração Editorial publicou um release da obra, “O leão e a joiaWole Soyinka (Bela, a fera e o progresso)”, retomando o título da orelha do livro, que também apresenta o conteúdo da contracapa, sobre o triângulo amoroso. O Estadão publicou uma matéria intitulada: “Livro do Nobel de Literatura Wole Soyinka chega ao Brasil”, na qual Daiane Oliveira (2012) apresenta e resume a obra. O Jornal

do Comércio publicou duas matérias, uma na coluna “Livros”, escrita por Jaime Cimenti

(2012), e a outra na coluna “Teatro”, por Antônio Hohlfeldt (2012). A primeira diz: A bela, a

fera e o progresso numa fábula contemporânea, retomando o título das orelhas do livro. A segunda foi intitulada de “O leão da Nigéria”, na qual tanto Soyinka é apresentado quanto a obra, ficando a indagação: “o volume traz algumas fotos de montagem da peça. Podemos lê-la, agora, e imaginar sua encenação: mas quando a veremos, de fato, entre nós?”, retomando seu caráter performático. Já o site do Jornal Grande Bahia lançou uma nota dizendo: Semana da

consciência negra: lançamento do livro ‘O leão e a joia’ do ganhador do prêmio Nobel, Wole Soyinka (2012) escrita por Carlos Augusto Silva, e avisa que o lançamento do livro foi realizado na Academia de Letras da Bahia.

Vista de modo geral, o que foi escrito sobre o livro circula invariavelmente em torno do que foi dito nos seus paratextos, em referências diretas ou não, o que mostra como eles são importantes na construção dos discursos sobre a obra num âmbito maior do que a própria obra, da inserção de Soyinka no sistema literário brasileiro, relacionado a obras traduzidas, à literatura nigeriana, numa distinção clara entre o continente e seus países, e ao texto dramático. Além disso, a revista Carta Capital, Ana Ferraz (2012) traz, no seu caderno de cultura, o seguinte artigo: “Uma voz aos inéditos”, no qual Wole Soyinka e Alice Walker são novamente apresentados brevemente no contexto da Bienal, ressaltando a necessidade de dar-lhes uma voz brasileira.

Outra forma de perceber a inserção de Soyinka é por meio das entrevistas dadas por ele, enquanto estava no Brasil. “Nigéria, nação moderna, ainda é um trabalho inacabado”, é uma dessas entrevistas. Nela, Edney Silvestre conversou com Soyinka na Globo News, no dia 07 de maio de 2012, às 23h30, sendo que a transcrição na íntegra foi traduzida e disponibilizada na

Revista Consultor Jurídico (2012), dentre os assuntos abordados estão: a situação atual da Nigéria, sua própria relação com a literatura e a cultura anglófona, além do híbrido cultural presente em suas obras. Ao ser perguntado sobre o sincretismo religioso na Nigéria, Soyinka diz que

na igreja, onde víamos os vitrais com as imagens dos santos, o que víamos, acima desses vitrais, eram as máscaras ancestrais da minha cultura. Eu as via como os egunguns do outro lado. Era o que parecia para mim. Eu não as via como representações gráficas. Eu as via como algo equivalente às máscaras da cultura ioruba. Isso me fez compreender, muito cedo, como a cultura ioruba, que é tão forte no Brasil... Acho que muitos escravos tiveram uma criação parecida, no que se refere à condição mental. Então eles não viam diferença entre os santos católicos e algumas divindades iorubas. Mas há algo sobre a cultura ioruba que se recusa a ser totalmente dominada.

Em 2008, Soyinka deu uma entrevista ao Parlamento Europeu72, cuja transcrição está disponível no site do órgão internacional, durante a Semana Africana no Parlamento Europeu. Por ter uma tradução para o português, essa entrevista também pode fazer parte da fortuna crítica de Soyinka no Brasil.

Ao reunir esses epitextos públicos sobre a obra traduzida e sobre Soyinka, é possível perceber como sua nacionalidade e local de fala explicitam o hibridismo por ele vivido e reconstruído em sua obra. Para além da questão literária, foram elencadas as questões políticas e sociais defendidas por ele e satirizadas literariamente, apesar de a questão da escolha da língua não ser posta em momento algum, o que retira em alguma medida, a brutalidade da dominação colonial e seus traços imperialistas atuais.

Assim, dos quatro níveis de análise, pode-se concluir que a obra foi produzida para o público em geral, por conter uma capa chamativa e paratextos que introduzem Wole Soyinka no sistema literário brasileiro. Além disso, ao manter a mesma divisão dos atos, não apresentar diferenças na ordem da narrativa ou na estrutura da obra, buscando, ao mesmo tempo, uma linguagem mais normativa com elementos lexicais yorubá, é possível perceber uma preocupação com a forma, algumas vezes em detrimento do sentido, mesmo que essa orientação não se aplique à divisão das falas como no texto de partida ou à busca de expressões ou termos que denotassem, no ato performático da fala, a ironia ou o humor. Tal perspectiva torna as escolhas feitas durante o processo tradutório limitadas ao campo linguístico, sem a percepção verbo-corpo.

No presente capítulo foram abordados os quatro níveis de análise propostos por Lambert e van Gorp, numa tentativa de elencar não somente os elementos literários da obra, mas as diversas refrações que a obra teve no sistema literário de chegada. Para tal, fez-se necessária a

72 Sem autoria definida. Disponível em <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=- //EP//TEXT+IM-PRESS+20080904STO36282+0+DOC+XML+V0//PT>, acesso em 28 de fevereiro de 2016, às 15:02.

introdução biobibliográfica de Wole Soyinka, a apresentação da obra O leão e a joia e a reconstrução do perfil do tradutor William Lagos.

CAPÍTULO 3