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CAPÍTULO 2 WOLE SOYINKA: THE LION AND THE JEWEL E A OBRA

2.4 O método teórico de descrição de tradução literária de Lambert e Van Gorp

2.4.3 Nível microestrutural

No nível microestrutural, foi descrita como a tradução de alguns elementos essenciais à obra, em nível lexical e fonológico, foi feita. Em O leão e a joia, esses elementos giram em torno dos diálogos dos personagens, por se tratar de uma peça teatral, analisada sob o ponto de vista literário, e não performático, apesar de esses dois conceitos não se dissociarem completamente. Assim, a construção da oralidade passa pela acentuação gráfica tanto das palavras quanto das frases, pela escolha do registro de fala e das características culturais que localizam a obra, senão na realidade nigeriana, na sua redução estrutural.

Dessa forma, a pontuação constitui o ritmo na oralidade fingida da obra, por marcar, além da sequência de palavras, os silêncios entre elas. Meschonnic (2010, p. 43) assinala que a organização, da prosódia à entonação e a construção discursiva e subjetiva revela a historicidade da obra, no seu ritmo primeiro: a oralidade. Assim, é interessante notar como foi feita a tradução desses elementos gráficos, para observar sua historicidade.

Percebe-se que o tradutor não transpôs tais sinais gráficos de prosódia para o texto traduzido, ora acrescentando sinais gráficos, como a reticência, ora retirando sinais de entonação, como a exclamação.

No que se refere à grafia das palavras, o tradutor apresenta duas estratégias distintas. Ele transpõe os nomes dos personagens, sem adequações fonológicas ou gráficas, por um lado, mas apresenta as saudações e outras palavras yorubá como estão no texto de partida e suas pronúncias entre parênteses, com notas no glossário.

O registro de fala dos personagens varia entre o formal e o informal, de acordo com a construção identitária do personagem. De forma que Lakunlê apresenta um registro formal, quase verborrágico, como forma de criticar e também ironizar essa caricatura europeizada, cujo discurso é pouco compreendido. Por outro lado, Baroka, Sidi e Sadiku apresentam um registro informal, no que diz respeito à construção gramatical e sintática das frases, num processo de enxugamento gramatical, que se assemelha a estruturas proverbiais, o que é parte da tradição oral.

Além dos registros linguísticos dos personagens, observa-se, ainda, o registro autoral, presente nas direções de palco. Tal registro apresenta uma formalidade linguística, que não é caricatural, e sim objetiva, com direções diretas e precisas sobre a atuação dos personagens, no palco.

Além disso, as características culturais locais presentes na obra atualizam o modelo dramático apreendido por Soyinka, ao introduzir o hibridismo linguístico e elementos que representam as tradições locais, mesmo sem declará-las.

Todas as características apontadas acima (pontuação, grafia das palavras, registro das falas, registro autoral, características culturais) podem ser observadas no seguinte exemplo. Lakunlê, Sidi e outras garotas estão encenando a chegada do fotógrafo em Ilujinlê (Soyinka, 1963, p. 16):

Sidi has run right across the stage, and returns a short while later, accompanied by the Villagers. The same cast has disappeared and re-forms behind Sidi as the Villagers. They are in an ugly mood, and in spite of his protests, haul him off to, the town centre, in front of the 'Odan' tree.

Everything comes to a sudden stop as Baroka the Bale, wiry, goateed, tougher than his sixty-two years, himself emerges at this point from behind the tree. All go down, prostrate or kneeling with the greetings of 'Kabiyesi' 'Baba' etc. All except Lakunle who begins to sneak off.]

BAROKA: Akowe. Teacher wa. Misita Lakunel. [As the others take up the cry 'Misita Lakunle' he is forced to stop. He returns and bows deeply from the waist.]

BAROKA: Guru morin guru morin, ngh-hn! That is All we get from 'alakowe'. You call at his house Hoping he sends for beer, but all you get is Guru morin. Will guru morin wet my throat?

Well, well our man of knowledge, I hope you have no Query for an old man today.

A tradução de William Lagos (2012, pp. 44-45) deste trecho é a seguinte:

Sidi retorna logo a seguir, acompanhada pelos aldeões. Os mesmos atores desapareceram de cena atrás de Sidi e retornam atrás dela como sendo moradores da aldeia. Eles pretendem estar muito mal-humorados e, apesar de seus protestos, arrastam o “Viajante” até o centro da aldeia, em frente da ávore odan.

A representação se interrompe subitamente quando Baroka, o “Bale” da aldeia, magro e musculoso, com uma barbicha branca, aparecendo muito mais robusto que os seus 62 anos, aparece nesse ponto, vindo detrás da árvore. Todos se abaixam, uns se ajoelham e outros se prostram no chão, saundando-o com gritos de “Kabiyesi”, “Baba”, etc. com a exceção de Lakunle, que tenta sair às escondidas.

BAROKA: Acau. Acau. Professô-uá. Sinhô Lakunle.

[Todos começam a chamar “Sinhô Lakunle”, e este é forçado a parar. Lakunle retorna e faz uma profunda vênia desde a cintura.]

LAKUNLE: Eu lhe desejo um bom dia, senhor.

BAROKA: “Guom dinha, guom dinha”, pois sim! É só isso Que recebemos do “Alakewe” (alacau). Viemos à sua casa, Esperando que ele mandasse nos servir cerveja, e só nos oferece Um “guom dinha”. Desde quando “guom dinha” refresca a garganta? Muito bem, muito bem, nosso homem de conhecimentos.

Espero que não tenhas perguntas para fazer ao velho hoje.

Nesse exemplo, é possível observar todos os elementos supracitados, que dizem respeito à construção da realidade ficcional por meio da fala dos personagens e do espaço cênico. Assim, o que primeiro se pode observar é que o tradutor mantém a grafia de Lakunlê e Baroka, que não apresentam mudanças fonológicas, nem gráficas, como a troca do “k” pelo “c”, o que representa a visibilidade gráfica do Outro na peça, uma vez que a pronúncia se mantém mas o estrangeiro é visto na forma escrita.

Além disso, há uma clara distinção entre os registros de fala de Lakunlê e Baroka. Ao optar por traduzir a saudação A good morning to you sir por “Eu lhe desejo um bom dia, senhor”, o tradutor deixa mais evidente esse distanciamento entre os personagens e altera o registro de Lakunlê do neutro, numa saudação normal, para um registro mais elaborado estilisticamente, ao adicionar “eu lhe desejo”.

Os elementos culturais aqui presentificados são: a variação linguística yorubá falada por Baroka, assim como as expressões utilizadas por todos ao verem Baroka se aproximar, a árvore odan, como já mencionado, e o costume de se oferecer cerveja. As escolhas do tradutor ao

adequar fonologicamente “acau” diretamente, sem colocar essa adequação em parênteses, como é feito adiante com “alakawe”, difere da estratégia de não traduzir “Kabiyesi”. Tais diferenciações nas estratégias de tradução revelam uma assistematicidade no projeto de tradução do tradutor.

Assim, ao comparar as estratégias macroestruturais com as microestruturais, é possível perceber que esta obra traduzida foi pensada para o grande público, devido à capa colorida e aos paratextos, que apresentam o autor e a presente obra, além de informar, por meio de um glossário, as expressões e termos que pudessem causar algum tipo de estranhamento. Quanto à tradução, especificamente, as alterações feitas por Lagos dizem respeito ao ritmo de fala e à pronúncia dos termos estrangeiros, uma vez que há o acréscimo de pontuação rítmica, além da tentativa funcional da adequação fonológica das expressões yorubá.