• Nenhum resultado encontrado

ANÁLISE CRÍTICA DOS TEXTOS INFORMATIVOS

No documento Uma parte no latifúndio branco (páginas 41-51)

4 ABORDAGEM CRÍTICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE A

4.1 ANÁLISE CRÍTICA DOS TEXTOS INFORMATIVOS

Inicialmente é importante destacar que, como relata Thereza Christina Jardim Frazão, o trabalho da imprensa, em sua totalidade, “[...] mesmo empregando os mais sofisticados instrumentos eletrônicos, começa e finda na linguagem, meio de divulgação de verdades(s), através dos diferentes gêneros jornalísticos e veículos de comunicação de massa”.118

Nesse sentido, anota-se a seguinte reflexão da autora sobre os textos jornalísticos:

Os textos jornalísticos são baseados em fatos e estes presumivelmente retratam a verdade ou verdades. As verdades que são próprias e inerentes

118

àqueles envolvidos na relação eu/ tu/ ele. O eu é o autor da matéria feita por encomenda de uma empresa jornalística (art. 3º do Código de Ética – A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo) o que, na prática, significa que a verdade e a fidelidade aos fatos são valores essenciais ao jornalismo. É, então, esse ‘eu’ que, na sua produção textual, se refere a um ‘ele’ que é a pessoa que fala entre aspas, que diz, que assume proposições e posições e o ‘tu’ que, nebuloso e anônimo, é a pessoa para quem o jornalista reporta o fato, como destinatário e receptor. É esse mesmo ‘tu’ que, voluntariamente, pode virar o ‘eu’ de uma nova mensagem, através do feedback dado em espaço próprio como o de ‘cartas à redação’.119

Diante disso, reforça-se que autores120, com o fim de auxiliar a análise do discurso, afirmam que algumas expressões utilizadas no texto jornalístico desvendam o propósito do seu próprio autor, tais como:

- até, até mesmo, inclusive, sempre – indicam o argumento mais forte de uma série;

- não só; e; mas também; como também; além disso; ainda – exprimem a soma de argumentos;

- portanto; logo; conseqüentemente; assim; já que; aliás; além do mais; sem dúvida; isso significa; em outras palavras – introduzem uma conclusão;

- apesar; no entanto; embora; no entretanto; ao contrário; senão – dão a idéia de argumento contrário;

- pois; porque; já que; com isso – introduzem uma explicação; - ou – introduzem argumentos alternativos;

- quanto; quase; mais do que – estabelecem relações de comparação; - enfim; isso faz com que – introduzem conclusão relativa a enunciados anteriores;

- se, no caso de – introduzem condicionalidade;

- não; jamais; nada; ninguém; nenhum – indicam negação.

Em que pese tais argumentos sejam assim interpretados em quaisquer textos, acredita-se que mencionados conceitos poderão auxiliar na análise das reportagens que seguem.

119

FRAZÃO, 2007, p. 46.

120

Reportagem 1 – “‘O sistema de cotas é discriminatório’” – A Notícia:121

121

A NOTÍCIA. “O sistema de cotas é discriminatório”. Santa Catarina, 05 dez. 2007. Coluna: Geral. p. 208.

Reportagem 1 – “‘O sistema de cotas é discriminatório’” – A Notícia – Continuação:

Na análise do texto acima, verifica-se que, de imediato, o título da matéria induz a uma opinião a respeito da política de cotas. Embora a frase “O sistema de cotas é discriminatório” encontre-se entre aspas, sinal indicativo de citação textual, nesse caso indicando palavras do aluno Tiago Nascimento (foto), percebe-se que o

título traduz para o leitor uma afirmação, ou seja, de que o sistema de cotas é discriminatório.

Além disso, na forma como está disposta a frase no texto, parece se tratar de uma afirmação do próprio autor da reportagem e, conseqüentemente, do veículo de comunicação.

Na hipótese, caso o leitor não tome conhecimento do inteiro teor da matéria, a exemplo das pessoas que apenas passam os olhos sobre o título da reportagem, pode o autor do texto estar contribuindo para a formação de um convencimento negativo a respeito da adoção do sistema de cotas pelas universidades brasileiras.

Logo em seguida, a frase – “Tiago, que também vai concorrer às vagas reservadas aos negros na UFSC, defende educação pública e gratuita” – também apresenta uma idéia subjacente, ou seja, de que o sistema de cotas seria oposto à educação pública e gratuita.

Dando seqüência, os primeiros parágrafos do texto, além de elencarem uma série de argumentos contrários ao sistema de cotas implementado pela UFSC, afirmam que: “A idéia de acionar a Justiça, contou o rapaz branco, surgiu a partir de debates no grupo em que milita [...]”. A expressão “contou o rapaz branco” visivelmente traduz a idéia de oposição em relação ao negro, diferenciação entre raças.

Por outro lado, observa-se que a matéria apresenta também um conteúdo bastante informativo, tendo em vista, em um segundo momento, disponibilizar ao leitor alguns dos argumentos sustentados pela corrente favorável ao sistema de cotas, assim como determinados aspectos da discussão judicial a respeito do tema em Santa Catarina.

Reportagem 2 – “UFSC sofre o 1º revés nas cotas” – Diário Catarinense:122

122

DIÁRIO CATARINENSE. UFSC sobre o 1º revés nas cotas. Santa Catarina, 01 dez. 2007. Coluna: Geral. p. 25.

O título da reportagem acima – “UFSC sofre o 1º revés nas cotas” – leva o leitor a concluir que o sistema de cotas da UFSC sofrerá outros contratempos, sendo este apenas o primeiro. Com isso, o autor transparece a mensagem de que a política de cotas é inconsistente e suscetível de diversos imprevistos.

Além disso, percebe-se que a matéria analisada não apresenta nenhum argumento favorável às cotas, trazendo apenas alguns fundamentos da decisão judicial que concedeu ao candidato o direito de concorrer a todas as vagas disponibilizadas pela UFSC, inclusive àquelas destinadas aos alunos cotistas.

Observa-se, ainda, que a transcrição feita pelo autor de trechos da sentença – esta manifestamente contrária ao sistema de cotas – sem a apresentação de qualquer fundamento favorável a essa política afirmativa, leva muitos leitores a formarem um convencimento negativo em relação às cotas.

Reportagem 3 – “Vai não vai – Volta a valer o sistema de cotas da UFSC” – Diarinho:123

A expressão “Vai não vai!”, localizada bem no início da reportagem acima, traduz um sentimento de insegurança em relação ao sistema de cotas da UFSC, uma vez que passa aos leitores a idéia de que se trata de uma medida ainda indefinida, que ora vale, ora não vale.

Destaca-se, no entanto, que o veículo responsável pela reportagem segue uma linha editorial diferenciada, brincando com palavras, utilizando recursos como, por exemplo, a ironia.

Além disso, sublinha-se a existência de expressões que desvendam o propósito do autor, na forma como já mencionado nesse trabalho. Nesse sentido, citam-se os seguintes trechos destacados do texto:

“Depois de mais de 10 dias de agonia, enfim os alunos que se encaixam no sistema de cotas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) conseguiram [...] o direito de estudar na instituição de ensino” – introduz conclusão relativa ao enunciado anterior.

“Ou o vestibulando tinha nota ou tava fora da instituição” – introduz argumentos alternativos, bem como traduz a idéia de conseqüência.

Reportagem 4 – “UFSC volta a ter cotas” – A Notícia: 124

123

DIARINHO. Vai não vai – Volta a valer o sistema de cotas da UFSC. Santa Catarina, 02 FEV. 2008. Coluna: Geral. p. 10.

124

Na reportagem 4, verifica-se que prepondera o caráter informativo, considerando a apresentação de um resumo dos principais fatos que envolveram o sistema de cotas na UFSC desde a sua implementação.

Entretanto, apesar de transcrever trechos da decisão do Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu pela legalidade do sistema de cotas, o repórter traz alguns dados capazes de induzir o leitor a se posicionar contrariamente às cotas, assim como se percebe no seguinte trecho: “No caso da medicina, por exemplo, não foi preciso acertar nem metade da prova para conseguir ser aprovado pelo sistema de cotas. O último aprovado pelas vagas universais conseguiu 81,04 pontos, contra 70,35 pontos conquistados pelo estudante de escola pública e 44,33 pontos do vestibulando negro e de escola pública”.

Informações como estas, especialmente para o público que não domina o contexto e os fundamentos que embasam a discussão, acabam fomentando o repúdio ao sistema de cotas, o que, conseqüentemente, dificulta o sucesso de políticas afirmativas como a de cotas para negros e egressos de escolas públicas em universidades.

De forma semelhante, a próxima reportagem também apresenta dados acerca da pontuação necessária para aprovação de cotistas e não cotistas, assim como segue:

Reportagem 5 – “É chegada a grande hora” – Diário Catarinense: 125

125

DIÁRIO CATARINENSE. É chegada a grande hora. Santa Catarina, 09 dez. 2007. Coluna: Geral. p. 39.

No texto 5, apesar dos diversos elementos informativos, a exemplo dos quadros “fique por dentro” e “nos últimos anos”, bem como da informação de que “os vestibulandos contarão com ônibus extras”, nota-se que a presença de números acabam depreciando o sistema de cotas da UFSC e os seus propósitos de inclusão social.

No subtítulo “medicina para negros ficou em 6,3 por vaga” e no quadro “Relação candidato/vaga” fica claro o propósito do autor da reportagem no sentido

de chamar a atenção do leitor para a diferença de concorrência entre cotistas e não- cotistas às vagas oferecidas pela universidade.

No documento Uma parte no latifúndio branco (páginas 41-51)

Documentos relacionados