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A análise do cuidado em saúde através do fluxograma descritor como ferramenta

Analisar o cuidado e seu modo de produção nos serviços de saúde considerando as forças instituintes e instituídas neles existentes nos exige uma ferramenta capaz de analisar os processos de trabalho em ato e que impulsione a equipe a se colocar em análise para que possa se questionar a respeito de suas ações cotidianas, seus projetos terapêuticos, suas relações entre si e com outros serviços a fim de alcançar as necessidades do usuário.

O desafio é compreender esse cotidiano como um espaço de produção de relações de bens e produtos e fazer com que a informação produzida seja reveladora de falhas das ações cotidianas levando a equipe a entrar em análise sobre os seus sentidos em busca de novas possibilidades.

Contudo, para que lancemos mão de alguma ferramenta é preciso nos delongarmos a respeito de como essas forças instituintes e instituídas estão expressas no cotidiano dos serviços, seus fluxos e seus efeitos.

Se considerarmos os serviços como equipamentos institucionais, ou seja, dispositivos capazes de disparar agenciamentos, negociações, veremos que possuem certas intencionalidades em disputa travando um embate de ideias, de ações, através dos quais se definem, em um ir e vir de construção desses agenciamentos operando no mundo através de seus processos de trabalho. Nessa construção expressada em seu cotidiano há um jogo de disputas entre aquilo que já está organizado, previsto, como é o caso das regras, das leis, dos decretos, dos protocolos, ou seja, o que já está instituído e aquilo que escapa, que é novo, que se coloca de modo virtual, uma possibilidade de vir a ser, o instituinte. Essas disputas não são necessariamente antagônicas, também não são necessariamente compartilhadas, apenas são forças instituídas no cotidiano do processo de trabalho que se misturam nas instituições.

Gerir esses processos de trabalho significa operar esse jogo de disputas entre as instituições intervindo de forma que traga à tona esses processos revelando as contratualidades entre os profissionais, agentes institucionais.

Para termos acesso ao processo de trabalho entre os agentes institucionais, não nos é suficiente o olhar macropolítico, em que as normas e regras já estabelecidas no cotidiano do serviço imperam. De outro modo, não nos é suficiente também a fluidez do olhar micropolítico. Decerto é necessário clarificar que em nenhum momento se prescinde de um ou de outro. Esses dois campos de forças não são antagônicos necessariamente. O que de fato nos auxilia para analisar um processo de trabalho é uma certa hibridez entre macro e micropolítica que se presentifica no cotidiano dos trabalhadores.

As ferramentas analisadoras nos servem como um instrumento que nos informa para além das regras e normas institucionais, aproximando das forças instituintes e seus efeitos.

Vejamos como isso se dá no cotidiano institucional.

Merhy et al (2006) consideram que no interior das instituições há o mundo das significações atravessado pelo conjunto dos agentes, e também o mundo dos sentidos e não sentidos que são expressos através das falhas ocorridas no mundo das significações, “os ruídos”, os dois tal qual uma dobra. O mundo dos sentidos vividos pelos agentes tentando produzir seus mundos como sujeitos desejantes mergulhados em sentidos explícitos ou não, e sem sentidos, é repleto de estranhamentos. Os estranhamentos produzidos operam no cotidiano, uma dobra entre aquilo que é dissonante e aparente, gerando novos caminhos instituintes como linhas de fuga do instituído, e assim novos instituídos são criados no mundo das significações, o da

previsibilidade, desterritorializando o anterior, oportunizando o devir, trajetos novos, incertos e inesperados.

Ao analisar um serviço de saúde através de uma ferramenta analisadora estamos agindo nos interstícios, nos espaços, no entre, lidando com os sentidos explícitos e não explícitos da equipe, e clarificando os “ruídos” do mundo dos sentidos e sem sentidos sobre o mundo das significações e assim ressignificando o mundo das significações e partilhando os processos entre os agentes, dando novos sentidos a própria instituição.

Para os autores:

a dobra das significações e dos sentidos e sem sentidos são expressões dos homens enquanto operadores do e sobre o mundo na sua busca desejante e criadora, que dá sentidos para si e para o mundo com suas ações, operando como uma máquina viva não definida em todos os seus contornos, como um devir, vir a ser, como homens em ação enquanto máquinas desejantes e políticas, criadoras de coisas substanciais a partir da virtualidade do mundo das coisas, do nada e sendo portanto em potencial uma incerteza em ação. (MERHY, E. et al, p. 117).

Portanto, é no cotidiano que são produzidos os estranhamentos, os ruídos, as falhas do mundo com sentido no instituído e cheio de significados nos quais os acordos e os contratos existentes funcionam ao mesmo tempo. Lugar em que os instituintes impõem estranhamentos, quebras, linhas de fuga, novos possíveis em eternas disputas. Nessa medida, as ferramentas analisadoras nos auxiliam no sentido de revelar no cotidiano do serviço em questão os “ruídos” que tais forças exercem a fim de que possamos nos interrogar sobre os sentidos do serviço, seus jogos de interesses e quais alternativas estão sendo ou serão criadas para operá-lo levando a um repensar a lógica das intencionalidades. Esse é o espaço micropolítico no qual agenciamos a todo momento nossas intencionalidades e modos de agir. É no campo da micropolítica do trabalho vivo em ato que poderemos nos aproximar das forças geradas entre os embates ético- políticos, entre aquilo que se apresenta enquanto instituído e instituinte.

Analisar um estudo de caso de um usuário, por exemplo, em uma equipe de saúde, nos leva em última instância a analisar as intencionalidades que permeiam uma instituição, sua forma de produzir suas relações. Está longe de ser um modelo ou passos a serem seguidos. Ao contrário: potencializa a equipe por auxiliá-la na produção de conhecimento de seu próprio cotidiano, sobre o seu modo de trabalhar. O caso, através de uma ferramenta analisadora, cria dispositivos que tenham o compromisso de criar linhas de fuga em processos instituídos que possam revelar os interesses em disputa, interrogando seu cotidiano através das falhas e ruídos observados no estudo, que devem ser encarados como caminhos de possibilidades de novas intencionalidades no cotidiano, sobretudo no campo das necessidades, e não algo errado que

deva ser corrigido. O caso sendo uma realidade operatória em processo traz à tona as diferentes intencionalidades dos vários agentes em cena do trabalho em saúde que tem como característica ser centrado no trabalho vivo em ato permanentemente. Perguntarmos sobre como se dão essas tecnologias das relações, tecnologias leves, é um caminho estratégico para analisar a articulação entre elas e os modelos de atenção, e de que modo os processos estão sendo geridos para produzir bens e produtos.

Uma ferramenta que permite a construção de uma cartografia é o fluxograma descritor do processo de trabalho.

Para Merhy (2013) tal ferramenta permite “perceber algumas situações e características importantes sobre o ‘fazer a saúde’” e nos leva a uma reflexão sobre como é o trabalho no cotidiano dos serviços, quem trabalha, de que forma é feito, o porquê, para quê, a quem serve, como serve, dentre outras questões que poderiam ser levantadas penetrando nas diversas lógicas institucionais que atuam em um serviço de saúde.

Franco (2013) define o fluxograma descritor como uma apresentação gráfica dos processos de trabalho sendo “uma forma de olhar o que acontece na operacionalização do trabalho [...] cotidianamente”.

Segundo Franco (2013), a representação do fluxograma se faz através de três símbolos universais: a elipse, que representa a entrada e saída do processo de produção de serviços; o retângulo, que representa os momentos de intervenção e ação sobre o processo e o losango, que representa os momentos em que deve haver uma decisão para a continuidade do trabalho.

Através dessa ferramenta, o acolhimento, o vínculo e outros dispositivos e tecnologias de cuidado em saúde são passíveis de análise no encontro do trabalho vivo em ato com o usuário.

4 A SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE IMPERATRIZ

O Programa de Saúde Mental na cidade de Imperatriz teve seu início em abril de 2001. Até então, os pacientes psiquiátricos eram, em sua maioria, tratados em uma antiga clínica psiquiátrica, conveniada ao SUS, seguindo o modelo hospitalocêntrico e em consultórios particulares neurológicos, psiquiátricos e psicológicos. O objetivo do programa era o de atender de forma humanizada e especializada os portadores de transtornos mentais. Para isso nos pautamos em atendimentos ambulatoriais individuais e de grupo como início de nossas atividades. Em 10 de outubro de 2003, o programa foi ampliado com a inauguração do primeiro CAPS.

Em 21 de março de 2004, iniciam-se as atividades relacionadas ao CAPS infanto-juvenil (CAPS ij). No ano de 2007, a clínica psiquiátrica fecha. O primeiro CAPS assume esses usuários. Parte dos usuários internados retorna a suas casas e familiares de usuários de outros municípios são contatados para que haja um apoio para eles, até que em 30 de outubro de 2007 é inaugurado um núcleo de profissionais: Núcleo de Atenção Integrada em Saúde de Imperatriz (NAISE), outro dispositivo em saúde mental gerenciado pelo serviço público com o firme propósito de minimizar as internações psiquiátricas e atender à demanda que se encontrava necessitando de internação.

Ainda em 2007 a Saúde Mental de Imperatriz enfrenta mais um desafio ao encaminhar o projeto referente ao CAPS ad. Algumas considerações são importantes. Em 07 e 08 de dezembro de 2006 houve uma reunião técnica no município com os governos federal, estadual e municipal que assinaram um Protocolo de Intenções para atuação conjunta do combate ao beribéri. Faz-se necessário ressaltar que a doença tem na ingestão excessiva de bebidas alcoólicas um dos seus fatores etiológicos. Segundo Lira e Andrade (2008) houve na população tocantineira do Estado do Maranhão 543 casos de beribéri notificados e as hospitalizações em Imperatriz foram importantes para que fosse iniciada a investigação. O surto de beribéri colaborou com o processo de implantação de CAPS ad no Maranhão.

Em julho de 2008, enfim, o CAPS ad é inaugurado, recebendo sua portaria nesse mesmo ano, Portaria no 579 de 06 de outubro de 2008.

Em 2010 o MS lança editais, dentre eles, o do CR. O CAPS ad envia seu projeto e assim obteve verba federal tendo o CR iniciado seu trabalho em 08 de agosto de 2011, seguindo até agosto de 2012. Após esse período, o CR de Imperatriz sai da pasta da saúde mental para a pasta da atenção básica.

No ano de 2011 houve uma intervenção do Ministério Público que resultou na extinção do NAISE, o que implicou na criação da primeira Residência Terapêutica do município, na

passagem dos CAPS para o regime de 24 horas, exceto o CAPS infanto-juvenil, além das tentativas de leitos no hospital geral da cidade, Hospital Municipal de Imperatriz (HMI).

Este percurso pode ser acompanhado através de anexo.

4.1 Universo da pesquisa