• Nenhum resultado encontrado

Análise da frequência fundamental a) Modalidade declarativa

No documento Estudos em variação geoprosódica (páginas 175-180)

Rosa Lídia Coimbra Alberto Gómez Bautista

2.1. Análise da frequência fundamental a) Modalidade declarativa

Podemos observar, no gráfico 1, o comportamento entoacional das declarativas produzidas pela informante portuguesa. Constatamos um contorno globalmente descendente (neste caso, de 240 a 180 Hz), comum a outras produções de enunciados declarativos da generalidade das variedades do português já estudadas (ver, por exemplo: Moutinho et alii 2004, Moutinho et alii 2005, Moutinho & Coimbra, 2014).

Saliente-se a relação que se estabelece entre picos e vales e as diferentes posições do acento lexical: o pico tonal associa-se e alcança o seu valor máximo na postónica do primeiro acento tonal (O Toneca) e o vale aparece sempre associado à tónica do segundo acento, de forma a que o primeiro vale corresponde a bisavô e o último a cómico.

Gráfico 1 – Contornos de F0 das declarativas da falante portuguesa, com diferentes modificadores no sujeito

176 Rosa Lídia Coimbra, Alberto Gómez Bautista & Lurdes de Castro Moutinho

Trata-se apenas de uma análise de caso, pelo que não podemos generalizar os resultados obtidos, embora nos pareça podermos falar de uma divisão entre dois grupos entoacionais: um correspondente ao sujeito e outro ao predicado.

No que se refere às declarativas da falante espanhola (gráfico 2), verificamos igualmente uma descida global de F0 ligeiramente mais acentuada do que a produzida pela informante portuguesa. Este movimento constatado é o descrito normalmente para a prosódia das declarativas do espanhol1.

Constatamos ainda três picos tonais com grandes variações de F0 no percurso descrito pela curva entoacional, apresentando-se muito pronunciados, e terminando numa descida no complemento verbal (na capota), comum a todas as estruturas analisadas. Excetuando a estrutura oxítona (bisavô), os picos, nas restantes acentuações (cómico, pateta), aparecem associados às vogais postónicas no modificador do sujeito. No caso do núcleo do sujeito (Toneca), todos os picos coincidem com a vogal tónica.

Gráfico 2 – Contornos de F0 das declarativas da falante espanhola, com diferentes modificadores no sujeito

No gráfico 3, comparam-se as declarativas das falantes portuguesa e espanhola. O gráfico apresenta-se unicamente o enunciado relativo aos acentos paroxítonos, visto ser esta a estrutura acentual mais representativa na língua portuguesa.

1 Veja-se Emilio Alarcos Llorach (2003). Gramática de la lengua Española. Madrid: Espasa, pp. 63-68, e também; Real Academia Española (2011). Nueva granática de la lengua española. Madrid: Espasa, pp. 803-811.

Para realizarmos este gráfico comparativo não procedemos a nenhuma normalização dos dados, visto que ambas as informantes possuem uma frequência fundamental média muito próxima (226Hz/224Hz), de modo que os dados são facilmente comparáveis.

Este gráfico mostra claramente, como já foi afirmado, a existência típica das declarativas, de finais descendentes, embora, na sua trajetória, o movimento se apresente bem diferenciado, com movimentos mais abruptos no que diz respeito à falante espanhola.

Gráfico 3 – Contornos de F0 das declarativas paroxítonas das duas falantes

De tudo o que anteriomente foi dito, e apesar de as estratégias do percurso melódico serem distintas, as marcas prosódicas mais importantes das declarativas portuguesas estão presentes nas duas informantes.

b) Modalidade interrogativa

Tal como verificámos no caso das declarativas, as interrogativas da locutora portuguesa (gráfico 4) apresentam um primeiro pico, cujo máximo valor tonal recai na vogal postónica do primeiro acento, ainda que o valor máximo das interrogativas seja um pouco superior ao das declarativas (respetivamente, um pouco mais de 280 Hz e entre 260-270 Hz). Apesar desta diferença, o vale associado ao segundo acento ocorre tanto na declarativa, como na interrogativa. O que acaba por distinguir as duas modalidades são os valores atingidos no primeiro pico tonal (bem mais elevados na interrogativa do que na declarativa) e a descida verificada, a qual é menos acentuada na interrogativa, havendo, neste caso, entre o primeiro e

178 Rosa Lídia Coimbra, Alberto Gómez Bautista & Lurdes de Castro Moutinho

o último valor de F0, uma diferença de aproximadamento 30 Hz (figura 4), ao passo que esta diferença no caso das declarativas atinge o dobro deste valor (figura 1).

Relativamente aos dois grupos entoacionais, claramente distintos para os enunciados declarativos, no caso das interrogativas esta distinção é bem menor, talvez devido ao facto desta descida acontecer de forma mais progressiva e não atingir valores tão baixos quanto os das declarativas.

Gráfico 4 – Contornos de F0 das interrogativas da falante portuguesa, com diferentes modificadores no sujeito

Ao observarmos as interrogativas da falante espanhola (gráfico 5), constatamos a presença de três grandes subidas de F0: a primeira surge associada à primeira vogal tónica (Toneca); a segundo ocorre, não no modificador como acontecia com a declarativa, mas na pós-tónica do verbo (tocava), a partir do qual na declarativa se iniciava a descida final; a terceira e mais elevada, inicia-se na última vogal tónica do enunciado, terminando na vogal seguinte, sua pós-tónica (capota). Este último movimento varia entre um valor de F0 mínimo de 180 e máximo de 290 Hz aproximadamente. Na verdade, esta subida final é tanto mais inesperada, porquanto, em português, e como temos vindo a verificar nos nossos estudos, apenas ocorre em finais oxítonos, o que não é aqui o caso. Uma possível explicação pode residir no facto de que, para as interrogativas do português, manuais e gramáticas, não raras vezes, apresentam como característica prototípica uma subida final, o que pode ter levado, no caso da nossa

informante, a um fenómeno que poderíamos denominar de hipercorreção ou ainda, a produção deste enunciados filtrados pela prosódia da sua língua materna1.

Gráfico 5 – Contornos de F0 das interrogativas da falante espanhola, com diferentes modificadores no sujeito

Finalmente, na figura 6, comparam-se as curvas entoacionais interrogativas das duas falantes. Pela razão acima explicitada, apenas se apresentam os resultados para os enunciados com acentuação paroxítona no modificador do sujeito.

Uma simples observação permite-nos verificar que as duas curvas iniciam o seu movimento com contornos muito semelhantes, embora com um desfasamento. Destacamos um primeiro pico tonal, para ambas as informantes, no constituinte sujeito e uma descida gradual para ambas a partir da última vogal do verbo que, no caso da portuguesa, se prolonga até ao final do enunciado, ao passo que a espanhola realiza uma subida repentina na última vogal.

180 Rosa Lídia Coimbra, Alberto Gómez Bautista & Lurdes de Castro Moutinho

Gráfico 6 – Contornos de F0 das interrogativas paroxítonas das duas falantes

Obviamente que estamos a tratar de dados respeitantes apenas a uma informante de cada uma das línguas confrontadas e, como tal, os resultados serão apenas indicadores de uma possível tendência. Mais do que esta observação, o mais importante aqui a destacar é que a variação prosódica é muito maior nas interrogativas, quer entre variedades da mesma língua, como já temos constatado, quer entre diferentes línguas românicas, como acontece neste caso.

No documento Estudos em variação geoprosódica (páginas 175-180)