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3 ISENÇÃO TRIBUTÁRIA: DELIMITAÇÃO, CONCEITUAÇÃO E

3.3 Análise da isenção heterônoma na ordem jurídico-constitucional de 1988

As isenções heterônomas surgiram, de modo expresso82, na ordem jurídica brasileira com a Constituição de Federal de 1967. Disciplinava a Carta Política de 1967, em

seu art. 20, § 2º, do seguinte modo: “§ 2º – A União, mediante lei complementar, atendendo, a

relevante interesse social ou econômico nacional, poderá conceder isenções de impostos

federais, estaduais e municipais”. Como pode ser visto, a norma em comento reforçava o

caráter centralizador do Estado, condizente, portanto com período em que foi produzida. Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 disciplinou o assunto de modo diverso, ao trata-lo no art. 151, III, do seguinte modo: “Art. 151. É vedado à União: [...] III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos

Municípios”. Passou-se, pois, a proibir a atuação da União, e, por simetria, dos Estados83, em

legislar sobre as isenções de outros entes, como uma forma de proteção ao pacto federativo84, no intuito de impedir possível limitação na arrecadação de “entes político menores” por “entes

maiores”, em cuja abrangência inserem-se aqueles.

82 Baleeiro aduz que, antes da Constituição Federal de 1967, não havia clareza quanto à possibilidade de instituição de isenção heterônoma. Os que se perfilavam favoráveis a isenção por parte de outro ente, fundamentavam seu pensamento com base na teoria dos poderes implícitos. Veja-se: “No regime da Constituição de 1946, sempre nos pareceu que a União, pela teoria dos poderes implícitos, poderia conceder isenção e redução de impostos estaduais e municipais desde que visasse a realizar fins de sua competência ou de suas atribuições”. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 960.

83 Nesse sentido: SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 280; ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado – 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 130.

84 Sabbag sustenta que a isenção heterônoma seria, inclusive, matéria de cláusula pétrea, tendo em vista que se trata de expressão do pacto federativo na ordem tributária. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário –

Frise-se que tal postura assumida pela CF de 1988 é decorrência lógica do poder de tributar. É cediço que a Constituição Federal determina a competência85 de cada ente em instituir os tributos que lhes são atribuídos. Desse modo, como compete a determinado ente, e só a este, a instituição de seus respectivos tributos86, também só a este caberá a concessão de benefício de isenção. Exsurge, pois, um binário que regerá a política de isenção, trata-se da noção de instituição-isenção87, ou seja, só cabe ao ente que instituiu determinado tributo

conceder a isenção sobre este mesmo tributo.

3.3.1 Exceções à vedação da isenção heterônoma

A ressalva à vedação da isenção heterônoma deve ter previsão na Constituição Federal. Atualmente, a Carta Magna brasileira prevê, expressamente, somente uma hipótese de exceção do impedimento à isenção heterônoma, trata-se, pois, do art. 156, §3º, II, da Constituição Federal.

O referido inciso cuida da possibilidade da União, mediante Lei Complementar, instituir isenções ao Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS) em razão de

“exportações de serviços para o exterior”. Resta clara, pela inteligência da norma, que a União

poderá instituir isenção no ISS, o qual é tributo de competência municipal, desde que o faça por meio de legislação complementar, dentro do requisito estabelecido pela Carta Política. Ressalte-se, pois, que a presente norma constitucional atingiu sua eficácia com o art. 2º, I, da Lei Complementar 116/0388.

Cita a doutrina89, ainda, duas aparentes possibilidades de isenções heterônomas decorrente da Constituição, sendo: (a) Art. 155, § 2º, XII, “e”, CF; e (b) Tratados e convenções internacionais. Tais hipóteses podem, de fato, parecer, em primeiro momento,

85 Segundo Carvalho: “A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a

produção de normas jurídicas sobre tributos.” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário – 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 248.

86Machado aduz: “[...] impede que a União isente de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Essa regra também tem apenas o mérito de eliminar controvérsias, eis que na verdade bastaria o silêncio constitucional, posto que competente para isentar é o titular da competência para tributar [...]” MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 295.

87 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 896.

88“LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. [...] Art. 2º O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País;”

89 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 280-281; ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado – 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 131-134.

como exemplos de isenções heterônomas, contudo, em uma análise mais cuidadosa, ver-se-á que assim não poderão ser tratadas, pelos motivos que a seguir se demonstram.

A primeira aparente exceção está presente no art. 155, §2º, XII, “e”, da Constituição Federal90, que dispõe sobre a possibilidade da União conceder, via Lei

Complementar, isenções em cima do “Imposto de Circulação de Mercadorias e sobre

prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação” (ICMS) cuja incidência recaia nas exportações para o exterior de serviços e produtos.

A norma em apreço era hipótese de isenção heterônoma, no entanto, não se apresenta mais como tal. A alteração imprimida pela Emenda Constitucional nº 42/2003 tornou sem utilidade o referido regramento, haja vista que a nova redação91 dada à alínea “a” do inciso X, do § 2º, do art. 155, da CF, passou a determinar como não incidente, (tecnicamente trata-se de imunidade, consoante já diferenciado), todo o conteúdo disciplinado no art. 155, §2º, XII, “e”, da Constituição Federal.

Outra aparente possibilidade de exceção à vedação da isenção heterônoma é a concessão de isenção decorrente de tratados e convenções internacionais. Os tratados e convenções internacionais são celebrados pela República Federativa do Brasil92, que é a reunião de todos os entes federados. Portanto, quem celebra os tratados e as convenções não é a União, na qualidade de ente federativo – pessoa jurídica de direito público interno, mas sim República Federativa do Brasil, na qualidade de ente soberano93 – pessoa jurídica de direito público internacional.

O tratado e a convenção internacional, destarte, tem status nacional e não federal. Não há que se falar, nesse caso, de invasão competência para legislar sobre isenção entre dois entes autônomo federativo, uma vez que a República Federativa do Brasil, por ser ente soberano, age no plano externo representando toda a coletividade dos entes internos.

90“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] X – não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; [...] XII – cabe à lei complementar: [...] e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, ‘a’;”

91 Antiga redação do Art. 155, §2º, X, “a”, da Constituição Federal: “X – não incidirá: a) sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar;” (Extraído em 14/10/14 do sítio eletrônico http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5- outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html)

92 Art. 1º, caput, da Constituição Federal de 1988.

93 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Conforme ensina Mazzuoli94, “as limitações ao poder de tributar só se aplicam às relações jurídicas internas da União, jamais às relações internacionais (estabelecidas por meio de

tratados) das quais a República Federativa do Brasil é parte”.

Nesse sentido95, decidiu o Supremo Tribunal Federal96 pela possibilidade de celebração de tratado ou convenção internacional disciplinando isenções de tributos, os quais sejam competência instituidora de qualquer ente federativo que componha a República Federativa do Brasil, sem, contudo, estar-se diante de configuração de hipótese de isenção heterônoma.

Desse modo, fora a exceção do Art. 156, §3ª, II, da CF, o ordenamento jurídico brasileiro segue a regra da vedação à isenção heterônoma desde a Constituição Federal de 1988.

3.3.2 A isenção heterônoma em custas forenses

Os emolumentos e custas judiciais, por possuírem natureza jurídica de taxas, devem estar em consonância com a vedação da isenção heterônoma. Portanto, lei de outro ente não pode isentar tais exações, por flagrante afronta ao art. 151, III, da Constituição Federal. Enfatize-se que esse é o entendimento da doutrina97, que inclusive chega a afirmar ter sido o possível caminho trilhado pelo STJ na elaboração da Súmula 17898, embora o Superior Tribunal de Justiça não o tenha feito de modo expresso.

Desse modo, por serem tipo de custa forense e consequentemente possuírem natureza jurídica de taxas – conforme já explanado, os emolumentos extrajudiciais sujeitam- se, também, à vedação da concessão de isenção heterônoma. Loureiro99 resume que “se a

94 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p. 393.

95 No sentido contrário, pela natureza de isenção heterônoma de tais diplomas, tem-se: ALEXANDRE, Ricardo.

Direito tributário esquematizado – 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,

2012, p. 133-134; bem como o Superior Tribunal de Justiça: REsp 90.871/PE, 1ª Turma. Rel. Min. José Delgado, j. 17-06-1997. No sentido esposado pelo STF, tem-se: SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 6.

ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 281-282; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 235-236.

96 RE 229.096/RS. Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, j. 16-08-2007.

97 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário – 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 282; ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado – 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 135.

98 STJ – Súmula 178: “O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual”.

99 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Editora Método, 2014, p. 21.

competência para criar emolumentos é do Estado, a lei federal não poderia conceder isenção,

sob pena de violação da Lei Maior”.

Nessa esteira, tem-se, como exemplo da inaplicabilidade da isenção heterônoma na nova ordem jurídico-constitucional, a decisão proferida pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em grau de recurso de consulta realizada ao Corregedor Geral deste Tribunal, o qual se manifestou100 pela não recepção do Decreto-Lei nº

1.537/77101, diploma que estabelecia isenção de custas e emolumentos à União, em razão de

certos atos por ela praticados. Veja-se a decisão:

EMENTA: CONSELHO DA MAGISTRATURA. SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO. EMOLUMENTOS: ISENÇÃO. NÃO RECEPÇÃO DO DECRETO- LEI Nº 1.537/77 PELA CONSTITUIÇÃO VIGENTE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Os emolumentos devidos aos serviços notariais e de registros são um tributo estadual e possuem a natureza jurídica de taxa.

2. Nos moldes do art. 151, inc. III, da Constituição Federal, somente a pessoa jurídica de direito público interno, à qual a Constituição atribui competência para instituir o tributo, é que pode conceder isenções. As exceções a essa regra estão expressamente previstas no texto constitucional.

3. Desse modo, não é permitido ao Poder Legislativo Federal estabelecer isenção da União ao pagamento das custas e emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. O Decreto-lei no 1.537/77 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

4. Ademais, a competência legislativa da União para legislar sobre normas gerais para fixação de emolumentos, prevista no art. 236, § 2º, da Constituição Federal, não lhe permite instituir isenções, uma vez que esta é uma questão específica.

5. Recurso conhecido, mas improvido.

Assim, qualquer lei federal que conceda isenção em emolumentos extrajudiciais desobedece à vedação da isenção heterônoma, haja vista que a instituição, fixação e, portanto, isenção dos emolumentos cabem aos Estados, restando a União, tão somente, o regramento de normas gerais desses tipos de taxas, consoante outrora aqui tratado.

100 Processo nº 100080037268 – Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Publicado no Dje de 15 de maio de 2009. Edição nº 3554, p. 13.

101 O Decreto-Lei nº 1.537, de 13 de abril de 1977, “isenta do pagamento de custas e emolumentos a pratica de quaisquer atos, pelos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e de

4 ABORDAGEM DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 290, DA LEI Nº

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