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4. MÉTODO

4.7. Análise dos Dados

Os dados obtidos por meio das Fichas de Identificação foram categorizados e apresentados descritivamente possibilitando posterior discussão.

As entrevistas realizadas foram gravadas, transcritas e os conteúdos destas foram analisados por meio da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), desenvolvido pelos professores Fernando Lefèvre e Ana Maria Lefèvre da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (LEFÈVRE, et al. 2009). Para tanto, fez-se uso do software QUALIQUANTISOFT® desenvolvido na Universidade de São Paulo pelos professores citados. O uso deste software teve o objetivo de facilitar a análise realizada a partir do apoio à organização, seleção e aprofundamento nas narrativas das entrevistas.

Com o objetivo de romper parte da verticalidade que se efetiva na produção de pesquisas sobre os serviços públicos em saúde, buscou-se como alternativa, hábil também em relação ao tempo e momento do estudo, fornecer aos trabalhadores dos serviços o reencontro com suas narrativas. Assim, depois de transcritas as entrevistas foram devolvidas para cada um dos participantes, em arquivo de computador com o texto completo de suas contribuições. Ao texto entregue, quaisquer alterações poderiam

ser realizadas: supressão de partes, alterações e acréscimo de extratos. À devolutiva desde material, foi operada a análise com os textos devolvidos por seus autores9.

Quanto ao método de análise, o Discurso do Sujeito Coletivo tem como premissa revelar as diferentes formas e conteúdos de opiniões referentes a um determinado tema, permitindo a realização de pesquisas com enfoque qualiquantitativo. Suas possibilidades de execução permitem o detalhamento das opiniões como também revelam o grau de compartilhamento destas em determinada grupalidade (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2010).

Por meio da construção de blocos de discursos compostos por trechos de falas de diferentes sujeitos que identificam os mesmos sentidos e entendimentos, os DSCs revelam as percepções e ideias presentes em contextos determinados, almejando assim, uma “escala coletiva” de enunciação, em que cada DSC composto gerará uma opinião sobre o tema em tela. A pesquisa é então composta por quantas opiniões diferentes estiverem em jogo naquela coletividade. Não se trata, portanto, de evidenciar somente aquelas em maior representatividade no coletivo, mas sim, todas aquelas que se fizerem presentes mesmo que ainda incipientes. O objetivo, neste modo de produção de estudos, se direciona para o aprofundamento no pensamento das coletividades a partir do resgate das diferenças e semelhanças de opiniões entre os sujeitos que compõem os grupos (ibid).

Para a concretização desta modalidade de estudo, os dados devem obrigatoriamente ser obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas em que as perguntas realizadas pelo pesquisador possibilitem respostas abertas. Tanto mais potentes as respostas serão quanto mais o pesquisador for competente em realizar perguntas estratégicas, claras e precisas (LEFÈVRE; LEFÈVRE; MARQUES, 2009).

As respostas obtidas compõem parte das Representações Sociais referidas a determinado tema. Nesse aspecto, o método do DSC permite que se trabalhe com o conjunto de representações e suas possibilidades de entrecruzamentos e discussões com o pensamento científico em questão (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2010). As Representações Sociais configuram-se como formas de expressão que os indivíduos internalizam, processam e também reproduzem como suas de modo essencialmente verbal. São planos simbólicos compartilhados por determinadas sociedades enquanto formas de

9 Àqueles que não devolveram o material após o tempo pactuado, trabalhou-se com o conteúdo obtido durante as entrevistas.

sistemas que permitem a coesão e a comunicação, efetuando-se em códigos linguísticos e ideológicos. Nestes termos, a construção dos DSC permitem

estender a ‘fala direta’ para a dimensão subjetiva das representações sociais, dimensão vista tradicionalmente como incapaz de se autoexpressar, condenada a permanecer eternamente como uma terceira pessoa ‘de quem se fala’, necessitando por isso, para ser veiculada, de um ‘tutor’ (o pesquisador), ou seja, de um sujeito a ela, exterior, o sujeito impessoal da Teoria (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2010 p. 25).

A construção dos blocos de discursos coletivos se efetua a partir de determinados recursos operativos delimitados pela técnica utilizada. Entre os principais operadores instrumentais da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo têm-se as Expressões-Chave, as Ideias Centrais e a Ancoragem, como componentes dos discursos que darão origem aos DSC. Por Expressões-Chave (ECH), entendem-se pedaços, trechos dos relatos, que sintetizam e explicitam a ideia em tela. Por vezes, em um mesmo relato há mais de uma ECH. Essas ECH referentes ao mesmo tema são “recortadas” e inseridas conjuntamente a fim de formarem o DSC, sendo responsáveis por revelarem “a essência do conteúdo do depoimento ou discurso ou teoria subjacente” (LEFEVRE, 2010, p.74). As Ideias Centrais (IC) são as expressões que determinam mais sucintamente uma ideia ou ECH, e servem como etiquetas para o discurso a ser construído. Cada uma das IC dá origem e intitula um DSC. Com relação ao operador da Ancoragem (AC), trata-se de afirmações de cunho genérico e categórico que são empregadas para explicitar situações particulares, são expressões utilizadas pelo narrador que representam determinada ideologia ou conjunto de ideologias presentes na cultura na qual esta inserido, comumente são expressões como “homem que é homem” . Este último operador – Ancoragem - pode não estar presente em todas as narrativas (ibid, p.77).

Os discursos assim construídos, compostos por recortes de diferentes sujeitos, resultarão em blocos de coletividades representados na forma de 1ª pessoa coletiva do singular. Ou seja, os discursos se efetuarão no sentido de formarem um depoimento coletivizado representado no formato de uma única voz. Essa modalidade de construção confere robustez e densidade aos diferentes modos de entendimento sobre determinado tema, fazendo

o pensamento coletivo falar diretamente. Isso implica instituir um sujeito capaz de incorporar nele o discurso do pensamento coletivo, sendo que ele não é nem o sujeito do depoimento individual puro, incapaz, por ser individual, de expressar o pensamento coletivo, nem, o sujeito impessoal do

Conhecimento, da Ciência ou da Teoria, incapaz este, como sujeito, de expressar, diretamente, o pensamento coletivo justamente porque, pelo fato de, metadiscursivamente, falar do pensamento coletivo na terceira pessoa, acaba instituindo tal pensamento como objeto (e não como sujeito). (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2010, p.74)

Optou-se por este tipo de construção metodológica pelo entendimento e defesa de que aos coletivos, por mais distintos e diversos em suas composições, devem ser dados o direito de se fazerem representados. A criação de discursos coletivizados acarreta em outros modos de se compor os processos da pesquisa. O pesquisador, portador de um suposto conhecimento prévio técnico-cientifico sobre o tema, não se direciona para a “leitura” a respeito do discurso dos grupos, mas sim se dirige para uma conversa com os estes atores. Nessa construção somam-se triálogos, compostos pelo discurso dos sujeitos participantes, o discurso do pesquisador (metadiscurso) e o discurso que se origina a partir da conjunção destes. (LEFÈVRE; LEFÈVRE; MARQUES, 2009). Tem-se a noção de que os DSC construídos revelam a implicação concreta do pesquisador, e não por isso perde-se a capacidade crítica constitutiva dos processos de produção de conhecimento, mas ao contrário, evidenciam-se as particularidades e as condições com as quais se produz um pensamento em ato, inserido a partir da experimentação com os atores sujeitos das pesquisas. Essas particularidades revelam ainda de modo bastante claro as múltiplas formas de se compreender, viver e compor com as determinadas realidades em cena, dando voz ao que se mostra por compartilhamento de ideia, mas também enquanto conflito e dissensões (LEFÈVRE; LEFÈVRE; MARQUES, 2009; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2010).

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: -me ajude a olhar!

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