• Nenhum resultado encontrado

Uma observação e análise informal foi acontecendo ao longo dos anos de estudo e foram sendo incorporadas à problemática deste, com surgimento de novas reflexões. Uma vez que todo o material tinha sido reunido (transcrições, diário de campo e documentação da escola), a análise formal começou. Salientamos que esta análise não é algo que se possa fazer de forma linear, uma vez que os assuntos abordados se cruzam, dialogam e se sobrepõem. Ela constitui um horizonte a partir do qual podemos refletir sobre o processo de formação de bailarino na ETBB, sobre a qual não buscamos apresentar somente uma explicação do que se faz, mas de tentar revelar a essência do fenômeno estudado a partir das temáticas que surgiram nesse estudo.

Com os dados recolhidos tentamos ter acesso ao entendimento dos participantes quanto à relevância da dança popular no processo de formação de bailarinos clássicos e contemporâneos. Para isso, no processo inicial das análises, procuramos deixar de lado tudo o que não era o fenômeno em si, o que não era constante no mesmo, mas efêmero, temporário ou acessório, a fim de que se pudesse buscar seu sentido. Tentamos colocar entre parênteses apenas o fenômeno, deixando de fora e excluindo tudo o que não faz parte de seu sentido. Desta forma começamos por estudar a proposta fenomenológica de Amedeo Giorgi68 para lidar inicialmente com a análise dos dados a partir das transcrições das entrevistas. O modelo seguido foi: descrição, exploração do material descrito para divisão das unidades de significado e determinação da estrutura geral de significados.

O primeiro passo consistiu inicialmente na descrição geral das falas de quatro participantes (professores), no qual apresentamos o modo como os mesmos narram as suas experiências e opiniões a respeito da dança popular no processo de formação de bailarinos na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, assim como o significado lhes é atribuído. Tentamos retratar e expressar a experiência de cada sujeito.

68

É um psicólogo americano que durante muito tempo coordenou um grupo de pesquisas de orientação fenomenológica na University of Duquesne e elaborou passos bem detalhados para um trabalho fenomenológico. Seu modelo é comumente descrito como uma fenomenologia empírica ou fenomenologia experimental.

Concluída a fase de descrição, passamos ao segundo passo, onde há a criação de uma nova perspectiva na qual o pesquisador e o sujeito são os pontos focais da descrição. Este processo constituiu na tematização dos dados da descrição, quando o pesquisador identifica no discurso do sujeito os pontos significativos, ou seja, o que se chama de unidades de significado. Estas unidades são apresentadas individualmente e logo em conjunto utilizando as que se repetem nas descrições de cada professor, em diálogo com as falas dos demais participantes do estudo.

No terceiro passo tentamos revelar o direcionamento da consciência para aquele determinado objeto da experiência. Este direcionamento, que é o mesmo que intenção é então o sentido que aquele objeto assume para a consciência. Na teoria de Husserl, chega-se a este sentido através das várias modalidades dos processos mentais. Estes processos são conhecidos como afeição (eu sinto), conação (eu julgo) e cognição (eu penso). Assim, a investigação chegaria ao fim com a descoberta da intencionalidade do outro. Em outras palavras, a descrição final do objeto da experiência seria a consciência do pesquisador (eu) da intencionalidade do pesquisado (outro). O que possibilita a experiência de acesso à consciência do outro (alteridade) é a intersubjetividade - uma subjetividade comum a duas ou mais pessoas.

Todo esse processo aconteceu durante o ano de 2015, e ao apresentarmos o relatório na CAT69 em janeiro de 2016, percebemos que estávamos realmente tendo dificuldades para adaptar a proposta de Giorgi (1985) que originalmente foi desenvolvida para estudos na área de psicologia fenomenológica para este estudo que envolve a área artística e educacional. Sentíamos engessados, pois os requisitos estavam muito fechados para outras possibilidades que surgiam no decorrer das análises pensando na flexibilidade que os estudos desenvolvidos numa perspectiva fenomenológica podem proporcionar. Nenhum método pode ser arbitrariamente imposto a um fenômeno sem que este sofra injustiça.

Para isso, optamos por organizar a análise do trabalho a partir da proposta de Giorgi, porém com pequenas adaptações, dividindo-o em 3 etapas: descrição, exploração do material transcrito e obtido nas observações, e divisão dos temas e subtemas que surgiram e que estivessem relacionados ao processo de formação em

69

dança na ETBB e que nos auxiliassem a compreender este fenômeno. Após as leituras exaustivas das transcrições das entrevistas formou-se um campo de percepção que abrangia não só o fenômeno inicialmente estudado (as danças populares), mas também fez surgir palavras que nos remetiam ao contexto da escola onde estas aulas aconteciam. Passamos a chamar estas palavras de categorias, que foram organizadas num eixo, o qual intitulamos de “eixo de análises”, para nos auxiliar nesse processo.Escolhemos realizar o processo de identificação do eixo de análises com seus temas e subtemas a partir da reflexão sobre as entrevistas e o conteúdo do caderno de notas analíticas que elaboramos para este fim. Procuramos fazer conexões entre os códigos abertos que surgiram durante a fase de descrição e temas que foram sendo definidos, para aí observar os pontos de vista e as mudanças ocorridas sobre a interpretação dos dados durante o progresso da pesquisa. O processo de Ensino é pensado a partir da filosofia da ETBB, e desta surgem duas temáticas que se relacionam: o currículo e a metodologia, apresentados na Figura 13.

Buscamos identificar momentos em que não se percebe ruptura entre o vivido e o pensamento externalizado em palavras; entre o mundo das experiências e o mundo das ideais, no sentido de entender melhor os participantes. Creswell (1998) considera o método fenomenológico como a descrição das experiências vividas por vários sujeitos sobre um conceito ou fenômeno, com vistas a buscar a estrutura essencial ou os elementos invariantes do fenômeno, ou seja, um significado central. Os significados dos sentimentos dificilmente podem ser expressos por meio da palavra. É possível nomeá-los, classificá-los, mas jamais comunicar com precisão como eles se processam em nós, e por isso busca-se entender o significado das experiências. González Rey (1999) chama este processo de caráter oculto da evidência. Segundo o autor, a qualidade dos fenômenos não aparece imediatamente à experiência e nem se constrói por via da indução, portanto, devemos buscar elucidar e conhecer os complexos processos de constituição da subjetividade.

Com estas considerações, voltamos a analisar o material na tentativa de compreender cada uma das temáticas em profundidade. Por conseguinte, tratamos de apresentar um modelo organizado, capaz de servir como referência à compreensão do fenômeno estudado, que envolve um permanente retorno à

experiência dos participantes da pesquisa por meio de descrições analíticas e reflexivas.

O estudo passou a ser organizado de forma longitudinal, e simultaneamente aconteceu um estudo transversal, no qual foram feitos cruzamentos para identificar pontos em comum e diferenciados entre os participantes no estudo. A interpretação foi contextualizada para possibilitar um estreitamento da relação entre o pesquisador e fenômeno observado. Sendo assim, tornou-se fundamental a busca por descoberta de aspectos inéditos dentro deste contexto específico, nesse caso, da importância das danças populares na formação de bailarinos clássicos e contemporâneos. Destaca-se que o contato direto do pesquisador com a situação estudada no intuito de obter uma descrição detalhada do fenômeno e dos elementos que o envolvem. As gravações foram apagadas após a conferência do registro detalhado da transcrição e do caderno de campo.

A descrição tem como dispositivo o olhar do pesquisador, que realizou a interpretação e compreensão dos fenômenos em questão, relacionando-os com estudos teóricos produzidos na área de interesse desta pesquisa. O convívio e o envolvimento no cotidiano concreto da/na ETBB foi muito importante para transitar pelos espaços pesquisados, conhecer o grupo social que ali atua e perceber as concepções de ensino que emergem nesse contexto.

Em seguida, se buscou uma combinação dos dados por meio de análise fenomenológica, com técnica de triangulação, ou seja, para integrar diferentes perspectivas. Acreditamos que a estratégia metodológica de triangulação dos dados coletados através das fontes já referidas permite, concomitantemente, uma maior validade dos dados e uma inserção mais aprofundada do pesquisador no contexto de onde emergem os fatos, as falas e as ações dos sujeitos.

Durante a reflexão e análise dos dados, buscamos manter uma relação constante entre três diretrizes: a revisão de literatura constitutiva nessa tese, o conhecimento empírico do pesquisador e os dados resultantes dos instrumentos da pesquisa para a produção de novos conhecimentos. Este processo aconteceu em um desenvolvimento contínuo, estabelecido tanto pelo pesquisador. Desse modo, a pesquisa qualitativa não corresponde somente a uma definição instrumental, ela é epistemológica e teórica, e apoia-se em processos singulares de construção de conhecimento. Essa “complexidade também é marcada pela mútua influência entre

pesquisador e pesquisado, pois ambos produzem pensamentos com base na sua posição diante do outro e de si mesmo, o que influencia o processo da pesquisa” (ANDRADE; HOLANDA, 2010, p. 260). Isso possibilita dizer que a experiência de acesso à consciência do outro (alteridade) é a intersubjetividade - uma subjetividade comum a duas ou mais pessoas.

Procuramos durante todo o processo conduzir nossas análises com rigor acadêmico, pontuando e esclarecendo as decisões tomadas, e conforme aponta Bicudo (2011) tentando dar luz ao fenômeno, numa busca atenta que vai para além da aparência e do discurso. Havia uma busca da realidade. Para Bicudo (2011, p. 18) “a realidade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. É, portanto,

perspectival, não havendo uma única realidade, mas tantas quantas forem suas

interpretações e comunicações”. O rigor está ligado à tentativa do pesquisador em ao ir às coisas mesmas.

5 EXPERIÊNCIAS VIVIDAS NA ESCOLA DO TEATRO BOLSHOI NO BRASIL:

Documentos relacionados