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A ANÁLISE DAS NARRATIVAS SOB O VIÉS DA ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA (ATD)

1 OS CAMINHOS DA PESQUISA – SOBRE CONTORNOS E COMBINAÇÕES

1.3 A ANÁLISE DAS NARRATIVAS SOB O VIÉS DA ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA (ATD)

A análise textual discursiva, proposta por Moraes e Galiazzi (2007), constitui-se em um movimento auto-organizado no qual o pesquisador trabalha com unidades, partes do discurso que em relação entre si aos poucos compõe o todo. Os elementos que compõem o ciclo no qual se constitui a ATD estão relacionados com:

 a desmontagem de textos;  o estabelecimento de relações;  a captação do novo emergente.

Ao abordar sobre o primeiro elemento, os autores discutem sobre: leitura e interpretação a partir de um mesmo texto, o corpus da análise textual e a desconstrução e

4 Os processos autoformativos implicam em um ―processo que contempla os professores como responsáveis por sua própria formação, na medida em que desenvolvem ações ativadas conscientemente e mantêm o controle sobre seu processo. A ênfase recai principalmente no desenvolvimento e crescimento da pessoa do professor, envolvendo uma peculiaridade da aprendizagem adulta que é a vontade de formar-se‖ (MARCELO, 1999).

unitarização dos textos. De posse do conteúdo das narrativas e dos estudos realizados, passo a relatar o meu o percurso de análise dos textos.

O trabalho de análise foi iniciado quando li as narrativas dos entrevistados e realizei a transcrição a fim de apropriar-me consistentemente das falas dos sujeitos. Estava diante de um conjunto de textos e realizei muitas vezes a leitura; a cada olhar, novos sentidos e significados foram se desvelando.

Estudos relacionados à polissemia têm mostrado que um mesmo texto pode suscitar diferentes leituras e interpretações por diferentes leitores, ou seja, há um significado latente ou implícito no texto; a análise textual discursiva considera os diferentes significados que podem emergir a partir deste texto.

Se um texto pode ser considerado objetivo em seus significantes, não o é nunca em seus significados. Todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras, leituras essas tanto em função das intenções dos autores como dos referenciais teóricos dos leitores e dos campos semânticos em que se inserem (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 13).

Por meio dessa citação, percebi os sentidos implícitos nas narrativas as quais demandavam esforço contínuo de compreensão e interpretação. Este é um trabalho que requer leitura aprofundada na busca de abrir-se à perspectiva do outro. Essa perspectiva, segundo os autores, carrega consigo implicações teóricas, conscientes ou não. A partir dos elementos trazidos pelos sujeitos da pesquisa, novas teorias podem ser construídas; sendo assim, ―Os materiais analisados constituem um conjunto de significantes. O pesquisador atribui a eles significados sobre seus conhecimentos e teorias. A emergência e comunicação desses novos sentidos e significados é o objetivo da análise‖ (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 16). Neste momento, percebi com clareza a relação entre a análise textual discursiva e o exercício hermenêutico de interpretação.

No entanto, para que este movimento pudesse fluir, foi imprescindível uma atitude transparente com relação aos elementos constituintes da narrativa, pois estes emergiam dos depoimentos e apontavam constantemente direções e caminhos a serem trilhados. Foi um trabalho árduo, complexo, no qual me foi exigido disciplina e envolvimento.

Nesse cenário, à medida que as informações colhidas vieram à tona por meio da leitura atenta e cuidadosa, passei a constituir o corpus acerca das narrativas. Este é formado por produções textuais atreladas a fatos, vivências, acontecimentos situados em um tempo e contexto. Subjacente a ele, encontrei uma multiplicidade de significados atribuídos pelos entrevistados que se constituíram em campo fértil para a investigação.

Quando este material estava à disposição, foi necessária sensibilidade para captar os detalhes, as minúcias retratadas. Iniciou-se um valioso trabalho que é o de desconstruir ou desmontar os textos em unidades – a unitarização.

Moraes (2003) sistematiza em três momentos a prática da unitarização:  a fragmentação dos textos e codificação de cada unidade;

 a reescrita de cada unidade de modo que assuma um significado o mais completo possível em si mesma;

 a atribuição de um nome ou título para cada unidade assim produzida.

Para efetuar o trabalho de organização das frações contidas no texto, os autores sinalizam que é necessário contar com um sistema categorial, ou seja, definir as categorias que permitem o pesquisador agrupar elementos semelhantes. Estava diante da necessidade de categorização, processo no qual os elementos significativos do texto são reunidos por comparação. A necessidade de categorizar é identificada pelo pesquisador quando verifica a recorrência ou retorno cíclico aos mesmos elementos. Conforme os autores, ―O que se propõe na análise textual discursiva é utilizar as categorias como modos de focalizar o todo por meio das partes‖ (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 27).

Os estudos revelaram-me que a categorização das informações pode ocorrer mediante definição prévia de categorias, como também, emergir do corpus – estas últimas são denominadas emergentes.

Nesta investigação, foram utilizados os mesmos eixos orientadores das entrevistas narrativas como categorias prévias, portanto, são elas: ambiência complexa; a profissão docente e os processos de resiliência; processos individuais e coletivos de [trans] formação docente; e rede de [trans] formação docente e seus respectivos desdobramentos em subcategorias. No entanto, acolhi a proposta de captar do texto categorias que poderiam emergir; para isso, foi importante estar receptiva ao novo, ao devir, aquilo que emerge da natureza intuitiva humana. Moraes (2003) retrata essa situação afirmando que:

Chegar a um conjunto de categorias por meio da intuição exige integrar-se num processo de auto-organização em que, a partir de um conjunto complexo de elementos de partida, emerge uma nova ordem. O processo intuitivo pretende superar a racionalidade linear que está implícita tanto no método dedutivo quanto no indutivo. Pretende que as categorias tenham sentido a partir do fenômeno focalizado como um todo. As categorias produzidas por intuição originam-se por meio de inspirações repentinas, insights de luz que se apresentam ao pesquisador, por uma intensa impregnação nos dados relacionados aos fenômenos. Representam aprendizagens auto-organizadas que são possibilitadas ao pesquisador a partir de seu envolvimento intenso com o fenômeno que investiga (p. 198).

Definidas as categorias (a priori e emergentes) e descritos os elementos que as constituem, iniciei o trabalho de construir o ―metatexto‖. Após desconstruir os discursos, separar unidades, realizei o trabalho inverso, ou seja, estabeleci as relações entre as partes já categorizadas.

O metatexto é uma construção a ser realizada pelo próprio pesquisador onde construirá pontes, elos, que possibilitem a compreensão global sobre o objeto do estudo. Estava diante do desafio de elaborar uma síntese, produzir uma nova ordem. Consoante Moraes (2003),

A pretensão não é o retorno aos textos originais, mas a construção de um novo texto, um metatexto que tem sua origem nos textos originais, expressando um olhar do pesquisador sobre os significados e sentidos percebidos nesses textos. Esse metatexto constitui um conjunto de argumentos descritivo-interpretativos capaz de expressar a compreensão atingida pelo pesquisador em relação ao fenômeno pesquisado, sempre a partir do corpus de análise (p. 201).

Construir o metatexto é tarefa fundamental para o processo de análise; inicialmente, elaborei textos parciais para as diferentes categorias. Entendi que este trabalho foi grande facilitador para a compreensão do todo. Busquei aglutinar argumentos, posições, ideias dos entrevistados e construir, finalmente, um texto que levou à tese final.

Os estudos indicam que para efetivamente conseguir elaborar a síntese, é chegado um estágio no qual o pesquisador deve afastar-se do corpus, visualizando-o com distanciamento, pois assim terá a percepção do todo que vai se reconstituindo. De acordo com Moraes (2003), essa etapa constitui de alguma forma o corpo principal de um metatexto.

Descritos os depoimentos, elaborado o corpus sobre o trabalho empírico, definidas e descritas as categorias e elaborado o metatexto, estava diante da tarefa de produzir com a autoria e responsabilidade uma nova teoria, um novo conhecimento. Para isso, foi primordial o exercício da interpretação. Na verdade, verifiquei que tais etapas não ocorrem de forma linear ou fragmentada. A interpretação acompanha o trabalho, desde o seu início; é improvável e empobrecedor refutá-la enquanto exercício que favorece a hermenêutica. No entanto, neste momento, tornou-se o centro do processo de análise. Moraes (2003) reforça essa ideia afirmando que:

No contexto da análise textual, da forma como a compreendemos, interpretar é construir novos sentidos e compreensões afastando-se do imediato e exercitando uma abstração em relação às formas mais imediatas de leitura de significados de um conjunto de textos. Interpretar é um exercício de construir e de expressar uma compreensão mais aprofundada, indo além da expressão de construções obtidas dos textos e de um exercício meramente descritivo (p. 204).

Cabe destacar que esse processo aglutinou os depoimentos dos sujeitos, as categorias e subcategorias e o campo teórico numa triangulação cuja relação resultou em um terreno fértil permeado de muitos sentidos. Inferir sobre esses sentidos se constitui num esforço para o pesquisador; neste trabalho, busca explicar os textos e o material empírico num contexto mais abrangente considerando de onde estes se originaram. Inferir significa buscar novos entendimentos resultantes da impregnação intensa do pesquisador e das interlocuções entre teoria e empiria.

Percebi, por conseguinte, durante todo ciclo da análise textual discursiva, a presença da hermenêutica, ou seja, uma construção teórica que se constitui na interpretação dos textos. Escrito de outra forma, parti de elementos empíricos e teóricos e a eles retornei com novas elaborações, compreensões por meio de uma abstração reflexiva e interpretativa.

Encaminhando para o desfecho de todo o movimento que procurei explicitar, encontra-se a minha contribuição enquanto autora de novos constructos validados na práxis educativa. Considerados todos os elementos que fizeram parte deste caminho e mobilizadas estruturas cognitivas e afetivas, adiante lanço proposições que possam de forma efetiva contribuir para a docência nos Institutos Federais – instituições estas marcadas por uma ambiência educativa complexa, na qual os processos formativos merecem ser foco de atenção e investimento.