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Análise de entrevista com especialista

No documento sheila prado saraiva (páginas 61-68)

Capítulo 4 – Estudo de observação

4.5 Análise de entrevista com especialista

O profissional entrevistado, BRUNO AYRES (2006), é formado em Administração pela Universidade de Brasília e mestre em Ciências da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolveu a dissertação “Informação, Voluntariado e Redes Digitais”, na qual aborda o papel da informação para a promoção do trabalho voluntário. É atualmente coordenador do Portal do Voluntário, uma experiência de trabalho em rede para articulação e

engajamento de voluntários. Seu foco de interesse e de pesquisa é o uso de tecnologias para o fortalecimento de cidadãos para a ação voluntária.

O roteiro para a entrevista baseou-se nos sete tópicos sobre o trabalho em rede definidos como foco do estudo. No entanto, ao contrário da entrevista com os coordenadores das redes, aqui o objetivo foi obter um panorama das redes em geral sobre e não de obter informações sobre caso específico.

4.5.1 Modelo de Relacionamento

De acordo com AYRES (2006), as organizações sociais têm optado por trabalhar em rede por uma questão de sobrevivência e de sustentabilidade. Isso aconteceria por três razões principais: a necessidade dessas organizações de atuar de forma interdisciplinar e em parceria com outras organizações; a necessidade de apoiar-se em diversos pilares para desenvolver seu trabalho; o fortalecimento e legitimação da causa social.

Explica-se: primeiro, as questões sociais nas quais se baseiam as causas das organizações são, em geral, problemas complexos e multifacetados, que não podem ser resolvidos de forma isolada. Sugere como exemplo um programa de saúde em uma comunidade carente e explica que mesmo que haja intervenção da organização tendo como foco o problema encontrado (saúde), é importante compreender que outras questões socioeconômicas podem ser determinantes para a busca de soluções, como aspectos educacionais, de renda, de gênero, etc.

Neste caso, o trabalho em parceria com outros agentes ou organizações sociais pode ser vital para uma solução que seja realmente transformadora e para evitar o risco de que sejam desenvolvidas ações fragmentadas e de pouco impacto.

A formação de uma rede, seja para envolver organizações que atuem nesta mesma comunidade ou entre organizações que desenvolvam trabalhos semelhantes para troca de experiências, pode ser um passo importante para a realização de um programa eficiente e com resultados concretos. Esta colaboração permitiria uma visão mais ampla sobre o problema, além de ser uma um mecanismo para alavancar recursos e parcerias.

Esta afirmação é reforçada pela opinião das redes entrevistadas, que apontam que o trabalho em rede realmente facilita a captação de recursos, financeiros e humanos, parcerias, além de promover o aprendizado a partir das trocas de experiências, o que contribui para o trabalho da organização.

Com relação ao segundo ponto, a necessidade de apoiar-se em diversos pilares, Ayres coloca que a organizações sociais não possuem uma única base de sustentação, precisam do apoio de diversos atores sociais para garantir seu funcionamento: conselhos gestor e administrativo, patrocinadores, voluntários, parceiros, etc. Em outras palavras, as organizações sociais dependem de uma rede sustentação, construída e fomentada por ela, para desenvolver seu trabalho.

Embora este não seja um projeto de rede, com uma proposta de trabalho definida, como aquela vista nos casos aqui estudados, as redes de relacionamento são essenciais porque permitem a interação e a troca contínua da organização com o meio onde está inserida.

O caso do Greenpeace nos mostra um modelo de organização baseado no relacionamento em rede, um recurso que permite manter o posicionamento dos escritórios regionais alinhados aos valores propostos pelo Greenpeace Internacional e facilita a troca de informações e de experiências entre seus membros.

A expansão de seu programa de voluntariado seguindo esta cultura de trabalho nos ajuda a visualizar uma das redes de sustentação da organização, a de ativistas ambientais voluntários que ajudam a multiplicar a causa.

O último ponto refere-se ao fortalecimento e legitimação da causa a partir da reunião de várias organizações sociais que atuam dentro de um mesmo campo, como as redes ambientais ou direitos humanos, que a partir da união ganham visibilidade, realizam parcerias para a realização atividades e promovem a circulação do conhecimento.

4.5.2 Multiplicação da causa

Ao falar das redes como um instrumento para a multiplicação da causa, um objetivo claro observado em vários projetos, AYRES (2006) traz a seguinte reflexão: as redes são canais efetivos para multiplicação (ou sensibilização) da causa junto a outros públicos, pois têm em geral um potencial de alcance maior do que a organização conseguiria sozinha. No entanto, não devem ser entendidas apenas como uma técnica para este fim.

AYRES (2006) coloca que a multiplicação deve acontecer como um resultado positivo de um processo maior, a construção de uma rede bem articulada e motivada, cujos nodos estão comprometidos com o propósito comum e levam adiante a causa de trabalho. Ressalta que redes engessadas, centralizadas, têm menor potencial de multiplicação porque a limitação e o controle inibem a expansão.

Desta forma, ao propor uma rede a organização precisa estar aberta ao diálogo e preparada para estabelecer um processo de construção conjunta, pois desta forma os nodos sabem percebem que há espaço para contribuir.

Seguindo a reflexão de AYRES (2006) podemos inferir que a cultura organizacional pode ser determinante para o sucesso de um projeto de rede. Organizações mais fechadas, que tendem a centralizar e definir todo o trabalho, podem não ter resultados positivos com este modelo de relacionamento.

A observação é válida também para as organizações que vêem as redes apenas como um instrumento de multiplicação de sua informação, medindo os resultados por informações quantitativas e esquecendo-se do significado deste processo. Além disso, quando os objetivos da organização são o único foco do trabalho, um dos princípios para formação de redes (Capítulo 3), a importância dos benefícios individuais como fator motivacional, é colocado de lado e pode comprometer a continuidade do relacionamento.

4.5.3 Atividades presenciais

A respeito da relevância das atividades presenciais para a construção do trabalho em rede, AYRES (2006) revela que esta “mudando sua opinião sobre o assunto”. Coloca que acreditava a princípio que estas atividades eram inócuas quando envolviam poucos participantes, especialmente quando se pensava em redes maiores porque o alcance seria sempre limitado.

Porém, algumas experiências neste sentido têm mostrado melhores resultados e há um fortalecimento das relações a partir da intervenção presencial, o que é um paradoxo quando se leva em conta que o funcionamento de uma rede independe da proximidade geográfica.

Em intensidades diferentes as três organizações entrevistadas reconhecem a relevância das atividades presenciais. Revelam as dificuldades para viabilizá-las, principalmente devido aos recursos financeiros, mas procuram criar essas oportunidades sempre que possível. O desafio aumenta de acordo com o tamanho da rede, pois se torna mais difícil reunir todos os participantes, ainda que seja em um encontro anual.

A partir das informações colhidas, é possível notar que uma solução interessante nestes casos é a circulação periódica do coordenador, que visita as regiões onde há núcleos ou membros da rede e, desta forma, que acaba representando este vínculo entre o grupo.

4.5.4 Processos de avaliação das redes

Sobre os processos de avaliação em redes, AYRES (2006) faz questão de ressaltar que “o processo de aprendizado e a transformação dos indivíduos proporcionados por este modelo são maiores do que a necessidade de controle embutidos nas idéias de avaliação, metas e resultados”.

Segundo o entrevistado, não é possível avaliar uma rede da mesma forma que se avalia um projeto social, pois corre-se o risco de induzi-la a buscar resultados de forma artificial. Seria o mesmo caso da uma rede pensada para ser uma técnica de multiplicação da causa.

O argumento principal está justamente no conceito de redes, que define este como um modelo autônomo, descentralizado, flexível e independente. AYRES (2006) reforça que as redes

são organismos vivos em constante transformação, por isso mesmo há que se tomar cuidado com modelos que a engessem ou que comprometam as possibilidades de trabalho.

AYRES (2006) reconhece que para as organizações acaba sendo necessário ter algum parâmetro de avaliação, mas entende que em geral são utilizados métodos tradicionais para medir algo completamente novo e em construção, o que acaba sendo frustrante para ambos.

As organizações entrevistadas adotam algumas formas de avaliação, seja por meio de um modelo mais formal ou pela definição de diretrizes, pois esta é uma forma inclusive de direcionar o trabalho.

Existe aqui mais um paradoxo do trabalho em rede, um modelo de caráter libertário e que dentro de um projeto social mais amplo precisa necessita de algumas regras e formas de controle que garantam seu “bom funcionamento”.

Talvez isso aconteça porque as redes de trabalho desenvolvidas hoje por organizações sociais sejam justamente um híbrido de projeto social com o modelo de rede, ou seja, é concebido dentro do formato de projeto e, muitas vezes, visto como tal pela organização. No entanto, ao assumir este novo modelo de relacionamento, o projeto adota características que exigem da organização uma olhar diferenciado para sua dinâmica de funcionamento.

4.5.5 Principais desafios e benefícios do trabalho em rede

O principal desafio e benefício de desenvolver um trabalho em rede, segundo AYRES (2006) é lidar com a diversidade todos os seus sentidos: diversidade de pessoas, de lugares, de idéias, de um projeto que não é linear e não está acabado.

Do ponto de vista do desafio, as redes são complexas e plurais, o que demanda a capacidade de trabalhar com o imprevisível e com uma equipe “não controlável”, que não são profissionais de uma organização sob uma coordenação.

É um desafio para o indivíduo e para a organização aprender a lidar com isso, pois todos os envolvidos (organização, empresas, participantes) precisam estar abertos ao aprendizado e

transformação. Decorre deste um segundo desafio, preservar o clima organizacional, que certamente influencia e será influenciado pela rede e, de acordo com AYRES (2006), “rede com clima ruim não dura”.

Do ponto de vista positivo, poder lidar com a diversidade em “É necessário transformar-se e transformar a organização para lidar com tudo isso. Viver esta experiência é um benefício para a organização e um grande aprendizado”.

A afirmação acima vai ao encontro da análise feita sobre este mesmo item (benefícios, 4.4.8) na entrevista com as organizações sociais. O grande valor do trabalho em rede não está apenas nos resultados positivos que ela gera, mas na construção do trabalho em rede, na vivência do processo.

No documento sheila prado saraiva (páginas 61-68)