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Análise de uma entrevista semiestruturada feita com as professoras

4.1 Resultados e discussões

4.1.4 Análise de uma entrevista semiestruturada feita com as professoras

Ainda na fase de coleta de dados, foi realizada uma entrevista semiestruturada também com as professoras pesquisadas. Essa entrevista aconteceu na própria escola, após o término do ano letivo de 2014.

As perguntas de 1 a 5, feitas na abordagem inicial, tratavam da formação profissional de cada uma:

- P1) Fez graduação em Letras, na UNIPAC - Universidade Presidente Antônio Carlos (Ubá - MG), e Especialização em outra área, na EVATA (Viçosa - MG). Tinha 10 anos de experiência no ensino de Língua Portuguesa quando foi entrevistada.

- P2) Fez graduação em Letras, na UNOPAR EaD - Universidade Norte do Paraná (PR), e Especialização em Espanhol, na FIJ - Faculdades Integradas de Jacarepaguá (Jacarepaguá - RJ). Ao final de 2014, tinha 7 anos de experiência no ensino de Língua Portuguesa.

A pergunta nº 6 tratou, especificamente, da relação entre as professoras e a pesquisadora durante a coleta de dados: "O que você achou da minha pesquisa, da minha presença nas suas aulas?"

P1 respondeu: "Muito proveitosa, porque eu não tinha preparação. Eu aprendi. Não tive esse tipo de preparação na faculdade."

P2, por sua vez, disse que tinha ficado assustada no início, porque era o novo, o diferente, mas que tinha sido bem proveitoso, que tinha aprofundado algumas questões e servido para firmar o que ela já explicava, porque "um de fora tem mais crédito". Falou também que vinha tentando mudar sua prática, mas deixava pouco tempo para a redação. Refletindo sobre essa prática, disse ter abandonado o livro didático e ter percebido mais interesse dos alunos depois de tal decisão.

Ao analisar essas respostas, é importante destacar a falta de confiança na formação acadêmica (mencionada por P1) e a aprendizagem por meio da própria prática (conforme disse P2).

A 7ª pergunta tratou da prática de ensino de redação: "Nas suas aulas do dia-a-dia, geralmente, como são as aulas de redação?"

P1 disse que seguia o livro Técnicas básicas de redação (GRANATIC, 2005) como uma base e mudava de acordo com a atualidade. Falou que corrigia, lia e devolvia as redações dos alunos, mas que "não fazia isso de mostrar para a turma" (como fora feito nos simulados), nem comentava individualmente. Corrigia mais a ortografia e olhava se os alunos se esqueciam de argumentar.

P2 respondeu que discutia assuntos atuais, independentes do livro didático, e que não o utilizava para trabalhar redação. Segundo ela: "Chega-se a um consenso sobre o tema e aí elabora a proposta ou pega provas anteriores." Disse que corrigia olhando mais os erros de

português, a concordância e que não olhava a argumentação. "Tinha medo de corrigir e fazer errado. Corrigia mais o formal."

Pelo que responderam, a prática de correção das professoras estava mais voltada para os aspectos formais, o que demonstra que trabalhar na perspectiva do texto ainda é um grande desafio a ser superado. Conforme apontou Ruiz (2013, p. 176), "não é todo professor que está atento para os problemas de natureza textual". Pela análise dos dados da pesquisa que fez no doutorado, ela também percebeu que aqueles que fazem essa abordagem "ainda se mostram inseguros em como proceder à mediação que a instituição escolar deles espera, em como chamar a atenção do aluno para esse nível de análise linguística" (Ibid., p. 177).

Em 4.3 Formação do professor de Língua Portuguesa, essa discussão será retomada para uma abordagem mais aprofundada.

O receio e a insegurança das professoras no ensino de redação já tinham sido percebidos nos momentos de observação direta e observação participante e já constavam nas minhas notas de campo. Por isso, e entendendo que a pesquisa poderia trazer uma contribuição já a curto prazo, foi feita a pergunta seguinte: "Você tem alguma dúvida no trabalho com a redação em que eu poderia te ajudar com a minha pesquisa?"

P1 respondeu que tinha dúvida sobre como fazer, sobre como trabalhar a redação, mas achava que eu já tinha ajudado, porque do jeito que eu tinha apresentado os resultados dos simulados tinha mostrado como fazer.

P2 apresentou uma dúvida mais específica sobre a proposta de intervenção na redação do ENEM, mas também disse que era uma dúvida já solucionada através das atividades de intervenção que tinham sido feitas.

De qualquer modo, com o propósito de recompensar a escola por ter acolhido a minha pesquisa, coloquei-me à disposição da diretora e das professoras caso julgassem necessária alguma colaboração da minha parte. E, no segundo semestre letivo de 2015, com a coleta de dados já encerrada, na condição de voluntária e atendendo a um convite de alguns professores, voltei à escola pesquisada para trabalhar um pouco sobre redação com os alunos do Ensino Médio.

Conforme já foi apontado, as redações que os discentes tinham feito a pedido das professoras regentes não retornaram para eles. E esse fato me intrigava na condição de pesquisadora, pois desejava saber o porquê, qual motivo teria levado as professoras a reterem consigo os textos dos alunos. Por essa razão, perguntei ao final da entrevista: "O que você fez com as redações que os alunos escreveram no 1º semestre?"

P1 disse que não corrigiu porque tinha ficado com medo de arriscar devido à minha presença como pesquisadora: "Ela é especialista, vai virar doutora." Por isso, tinha preferido não fazer a correção, por medo de fazer errado.

P2 falou que não tinha corrigido porque tinha ficado com medo de confundir os alunos. Tinha preferido esperar as ações de intervenção para não fazer diferente.

Essas respostas das professoras demonstram certo bom senso e explicitam muito bem como a presença de um pesquisador em sala de aula interfere na dinâmica do trabalho pedagógico.

Ao tratarem das críticas feitas ao método de observação, Lüdke e André incluem o fato de ele "provocar alterações no ambiente ou no comportamento das pessoas observadas” (2014, p. 31). Inclusive, numa aula ministrada por P1 a que assisti como observadora, a professora disse que estava "com o coração saindo pela boca". E, em momento extraclasse, confessou que, na aula seguinte, quando eu estava ausente, tinha dado uma outra aula, com um direcionamento diferente.

Por causa desse mal-estar natural, é comum os pesquisadores se depararem com muitos obstáculos para realizarem seus estudos in loco. Eliana Ruiz, por exemplo, relata as dificuldades encontradas para a coleta de dados da sua pesquisa de Doutorado, entre 1991 e 1996. Segundo ela, não tendo conseguido obter a "representatividade de dados desejada", foi "por força de coleguismo ou amizade que o corpus, em grande parte, acabou se constituindo" (2013, p. 14).

Já em 2012, na sua pesquisa de Mestrado, Noemi Lemes também teve que enfrentar um processo angustiante na fase de coleta de dados, conforme relatado na dissertação dela:

Fomos até escolas públicas de Ensino Médio da cidade de Ribeirão Preto, no interior do estado de São Paulo, em busca dos livros didáticos de língua portuguesa que estão sendo utilizados, atualmente, bem como de textos dissertativo-argumentativos produzidos por alunos, do terceiro ano do Ensino Médio dessas escolas, a partir das propostas encontradas nesses livros didáticos.

[...]

Percorremos dez escolas públicas de Ribeirão Preto em que havia Ensino Médio; porém, apenas quatro mostraram-se abertas a colaborarem com a pesquisa. Dessas quatro, somente duas permitiram que, além dos livros didáticos, recolhêssemos também textos argumentativos produzidos por seus alunos. Cabe lembrar que, em todas as visitas às escolas, nosso corpus só era coletado mediante a apresentação documental da pesquisa e consentimento da direção e coordenação das escolas.

Em nossas visitas, procurávamos sempre estabelecer um contato amistoso para com aqueles que nos atendiam, frisando sempre que era totalmente opcional a participação ou não na pesquisa e que, em nenhum momento, o

nome da escola ou de qualquer aluno seria citado em nosso trabalho. Mesmo assim, na maior parte das escolas visitadas, encontrávamos certa resistência, antes mesmo que explicássemos de que se tratava a pesquisa. Tal resistência era manifestada, por vezes, em uma recusa pronta e categórica, normalmente após mencionarmos que estávamos ligadas à Universidade de São Paulo; outras vezes, pediam para que voltássemos em outros momentos, porém, mesmo após diversas tentativas, em quatro das escolas visitadas, não conseguimos falar com nenhum responsável. (LEMES, 2013, p. 20-21).

Felizmente, como nem tudo foram "espinhos" em seu estudo, a pesquisadora relata também o que foram as "flores" nessa empreitada:

Em contrapartida, deparamo-nos com situações nas quais, além de nos receber atenciosamente, os diretores, coordenadores e professores mostravam-se interessados na pesquisa, pedindo, inclusive, para que apresentássemos nossos resultados, principalmente quanto à análise dos livros didáticos adotados pela escola. (Ibid., p. 21).

Feitas essas considerações, constato que tive condições privilegiadas de pesquisa, visto que a coleta de dados foi facilitada, em primeira instância, pela irrestrita acolhida e disponibilidade da diretora, que, inclusive, explicitou que entendia o quanto a pesquisa poderia vir a ser útil à escola. As professoras, por sua vez, apesar da tensão e insegurança que sentiam no início, aceitaram o desafio e também se mostraram bastante receptivas à pesquisa.