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4.1 Resultados e discussões

4.1.1 Análise de redações de dois simulados da prova de redação do ENEM

4.1.1.1 Competência II

As Tabelas 2 e 3 a seguir mostram estatísticas sobre os níveis de classificação das redações dos dois simulados no que se referem à Competência II da Matriz do ENEM.

Tabela 2 - Competência II no Simulado 1

TOTAL DE ALUNOS NÍVEIS Nº DE ALUNOS PORCENTAGEM

0 0 0% 1 2 4,4% 45 2 18 40% 3 17 37,7% 4 7 15,5% 5 1 2,2%

Fonte: Dados de pesquisa.

Tabela 3 - Competência II no Simulado 2

TOTAL DE ALUNOS NÍVEIS Nº DE ALUNOS PORCENTAGEM

0 0 0% 1 0 0% 42 2 6 14,2% 3 19 45,2% 4 14 33,3% 5 3 7,1%

Fonte: Dados de pesquisa.

Nesta análise, considera-se o nível 3 como nível mediando, aquele nível esperado, desejável pelo grau de escolaridade já atingido pelo candidato, conforme vem expresso na matriz: "Nível 3: Desenvolve o tema por meio de argumentação previsível e apresenta

conclusão." (BRASIL, 2014, Anexo IV do Edital, p. 2, grifo meu - Anexo I nesta tese, p. 141.)

No Simulado 1, 55,4% dos alunos pesquisados ficaram em níveis semelhante ou acima dessa expectativa. Já no Simulado 2, o desempenho foi ainda superior, com 85,6% nessa faixa, uma melhora bastante significativa.

Por uma questão metodológica para a análise, a Competência II foi dividida em 3 partes a saber:

II-1 - Compreender a proposta de redação;

II-2 - Aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema e II-3 - Usar os limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.

II-1 - Compreender a proposta de redação

Neste quesito, o que mais chamou a atenção nos dados foi a confusão conceitual, caracterizada como alguma parte do texto desviante em relação ao tema central da proposta de redação.

No Simulado 1, cujo tema foi "Racismo: como virar de vez essa triste página da história?”, houve confusão entre os conceitos de preconceito em geral, homofobia e racismo, por exemplo. 9 alunos (20% de 45) confundiram o tema em alguma momento do texto.

No fragmento de redação a seguir, A9 confundiu racismo com o preconceito em geral contra homossexuais, judeus e mulheres:

Por causa da recorrência desse problema, na aula em que mostrei e discuti os resultados do Simulado 1, apresentei o esquema abaixo para explicar como os conceitos envolvidos na temática poderiam ser relacionados:

Quadro 3 - Esquema de conceitos

Hiperônimos: discriminação – preconceito – intolerância Hipônimos:

racismo: preconceito contra a raça

sexismo: preconceito contra o sexo/gênero. Ex.: Considerar a mulher como inferior ao homem. homofobia: preconceito contra homossexuais

xenofobia: preconceito contra estrangeiros

preconceito

racismo sexismo homofobia xenofobia de raça de sexo de orientação de estrangeiro sexual

Fonte: Dados de pesquisa.

O tema da proposta do Simulado 2 foi "Direitos humanos e homofobia". Ao iniciar a prova, houve um burburinho geral na sala, sinalizando que muitos se sentiam inseguros para falar sobre o que estava sendo cobrado. Um participante, então, perguntou o que significava "direitos humanos" e o que era "homofobia".

Após essa instabilidade inicial, expliquei, com exemplos, o que são direitos humanos e destaquei que, na proposta de redação, havia textos e exemplos que davam pistas sobre o que é homofobia e que, com uma leitura atenta desses textos, os alunos teriam suas dúvidas esclarecidas.

Entretanto, mesmo com essas explicações, 5 alunos (11,9% de 42) se equivocaram na abordagem do tema. Na redação a seguir, A 33 confundiu homofobia com homossexualidade. Essa confusão se manifesta nos parágrafos 2 e 4 e levou o autor a ser classificado no nível 2 da Competência II:

II-2 - Aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema

Esse componente da Competência II expressa a expectativa de que o participante do ENEM, alguém que já concluiu o Ensino Médio, ao elaborar a sua argumentação, seja capaz de explorar as várias áreas de conhecimento, principalmente aquelas que ele já estudou na sua vida escolar.

No Simulado 1, somente 14 alunos (31,1% de 45) apresentaram desempenho satisfatório nesse aspecto, tendo utilizado argumentos que podem ser alocados em áreas de

conhecimento mais específicas. 11 alunos se valeram da História para argumentar enquanto os outros 3 recorreram ao Direito.

Na redação a seguir, A9 usou argumentos da História. No 1º parágrafo, discute-se o racismo no Brasil Colônia, em seguida, o racismo na Alemanha Nazista e na África do Sul, 2º e 3º parágrafos respectivamente.

No fragmento de redação seguinte, A30 trouxe uma contribuição do Direito ao argumentar que racismo é crime inafiançável (linha 18), que tem punições com prisão e pagamento de cesta básica (linhas 20-23).

No Simulado 2, o quesito relacionado à variação das áreas de conhecimento no desenvolvimento do tema se mostrou ainda mais preocupante, visto que apenas 2 alunos (4,7% de 42) atenderam a essa exigência. A29 trouxe uma contribuição da História e A45 recorreu à Biologia.

Nesse fragmento, A29 cita o exemplo de Adolf Hitler, um ditador alemão conhecido como um dos maiores vilões da história da humanidade por ter perseguido e atacado brutalmente grupos minoritários que ele julgava indesejados.

A45, ao discutir o tema "Direitos humanos e homofobia", traz uma importante contribuição da Biologia para o debate ao se valer de explorações científicas em torno da relação entre genética, homossexualidade e direitos humanos.

Apesar de o banco de dados conter redações com "um repertório sociocultural produtivo", conforme é esperado no nível 5 da Competência II (Anexo I, p. 141), a análise feita constatou que a maioria dos discentes se valeu de argumentos mais corriqueiros, de senso comum.

Na redação a seguir, A13 usou argumentos desse tipo: 1) O racismo é um problema que acontece no mundo todo (1º parágrafo), 2) O racismo é um crime que constrange a vítima (2º parágrafo), 3) As leis devem ser mais rigorosas, porque racismo é crime e todos têm direito de ser feliz (3º parágrafo).

É importante salientar que os argumentos usados nessa redação são de domínio público, os quais são perceptíveis por qualquer cidadão comum, independentemente de sua escolaridade. Nesse caso, pela argumentação que apresenta, o autor não traz nenhuma demonstração de avanço na abordagem sobre o preconceito racial, algo que seus estudos até o Ensino Médio já poderiam ter lhe proporcionado.

Conforme lembra Irandé Antunes:

A escrita é uma atividade processual, isto é, uma atividade durativa, um percurso que se vai fazendo pouco a pouco, ao longo de nossas leituras, de nossas reflexões, de nosso acesso a diferentes fontes de informação. É uma atividade que mobiliza nosso repertório de conhecimentos e, por isso mesmo, não pode ser improvisada, não pode nascer inteiramente na hora em que a gente começa propriamente a escrever. (2006, p. 167-168).

Como os dados mostram, em geral, o conhecimento dos alunos se apresenta desarticulado. Nesse sentido, é preciso também se pensar na formação em leitura associada à produção de textos. Não só a leitura escolar, mas a de mundo também. Leitura não só para

informação, mas, sobretudo, para a formação do pensamento crítico-reflexivo.

Ao abordarem a contribuição que o nosso conhecimento de mundo ou enciclopédico fornece para a escrita, Koch e Elias afirmam:

Em nossa atividade de escrita, recorremos constantemente a conhecimentos sobre coisas do mundo que se encontram armazenados em nossa memória, como se tivéssemos uma enciclopédia em nossa mente, constituída de forma personalizada, com base em conhecimentos de que ouvimos falar ou que lemos, ou adquirimos em vivências e experiências variadas. (2010, p. 41).

Os problemas de argumentação sinalizados pelos resultados ora apresentados são ratificados pelas respostas dos alunos ao questionário de pesquisa. Esses dados serão abordados no item 4.1.2 adiante.

II-3 - Usar os limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa

Todos os alunos pesquisados demonstraram ter conhecimento da tipologia textual exigida no ENEM - texto dissertativo-argumentativo em prosa. Houve casos de textos mal estruturados, sem progressão textual adequada ou com elementos de injunção, mas, numa percepção global, nos dois simulados realizados, todos fizeram dissertações, conforme fora solicitado.

Esse dado é importante porque sinaliza que os alunos puderam produzir uma dissertação mesmo sem terem tido um ensino sistemático dessa tipologia textual, de acordo com o que relataram no questionário.

O que comprometeu mais a Competência II não foi o domínio da tipologia em si, mas, sim, a capacidade de argumentar, as estratégias usadas para convencer o leitor, que também são cobradas nas Competências III e V da matriz, conforme veremos. Reitero que tal deficiência foi reconhecida pelos alunos no questionário que responderam.