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4 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E TEORIA SOCIAL DO DISCURSO

4.2 A Análise de discurso crítica

A ADC pode ser considerada uma continuidade dos estudos da Linguística Crítica dos anos 1970, uma abordagem desenvolvida por pesquisadores da Universidade de

East Anglia (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.20; FAIRCLOUGH, 2001, p.46) que se

desenvolveu tanto no Reino Unido quanto na Austrália. O objetivo desse grupo de estudos era “casar um método de análise linguística textual com uma teoria social do funcionamento da linguagem em processos políticos e ideológicos” com base na teoria funcionalista de Michael Halliday, a Linguística Sistêmica (FAIRCLOUGH, 2001, p.47). Esse esforço justificava-se como uma tentativa da Linguística Crítica de se separar da

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Sociolinguística e da Linguística tradicional que, naquela época, estava mais dominada pelas idéias chomskianas do que agora - a Linguística Crítica dizia que a sociolinguística considerava apenas as relações entre linguagem e sociedade, e não os efeitos da linguagem na sociedade. A Linguística Crítica, através de Halliday, afirmava que “a linguagem é como é por causa de sua função na estrutura social, e a organização dos sentidos comportamentais deve propiciar percepções de suas fundações sociais” (HALLIDAY, 1973 apud FAIRCLOUGH, 2001, p.47), contrapondo-se ao dualismo da linguística tradicional no que concerne ao tratamento dos sistemas linguísticos como autônomos e independentes do „uso‟. No final dos anos 1980 os linguistas críticos fizeram um trabalho crítico a respeito de suas ideias anteriores e alguns deles acabaram por envolver-se em uma abordagem diferente, chamada de “semiótica social” (FAIRCLOUGH, 2001, p.51). Nessa época também surge o termo “Análise de Discurso Crítica”, usado pelo linguista Norman Fairclough em um artigo no periódico Journal of Pragmatics em 1985 (MAGALHÃES, 2005, p.2).

Somente nos anos 1990, em um simpósio com a participação de Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak, é que a ADC irá tornar-se uma disciplina propriamente dita, tendo Fairclough como o representante dos estudos em ADC devido à sua Teoria Social do Discurso, mas não se limitando a esse pesquisador (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.21). Os estudiosos dessa época esforçaram-se por criar um método de estudo do discurso para explicar por que cientistas sociais e da mídia precisavam dos linguistas (MAGALHÃES, 2005, p.3).

Além da Linguística Crítica, as influências da ADC são os estudos de Mikhail Bakhtin e de Michel Foucault, que vincularam discurso e poder. Bakhtin foi o fundador da primeira teoria de semiótica de ideologia, da noção de “dialogismo” na linguagem e crítico do objetivismo abstrato de Saussure (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.14). Ele atribuiu à linguagem o caráter social e ideológico: “a palavra está sempre carregada de um conteúdo

ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e

somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida” (BAKHTIN, 1981, p.70, grifo no original).

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Podemos observar como o pensamento de Bakhtin a respeito do signo é observado na questão do discurso como representação na ADC, quando ele diz que “todo signo é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação de ideologia encadeia uma modificação da língua” (p.10). Além desse conceito, a ADC teve como base os seus conceitos de gêneros discursivos e de dialogismo (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.17).

Os trabalhos de Michel Foucault tiveram grande influência na Teoria Social do Discurso estabelecida por Fairclough, principalmente no que concerne às relações entre discurso e poder, “a construção discursiva de sujeitos sociais” e do “funcionamento do discurso na mudança social” (FAIRCLOUGH, 2001, p.62). Para sua teoria, Fairclough analisa como o status do discurso se altera nos trabalhos de Foucault, inicialmente colocando sua perspectiva dentro da Análise de Discurso Textualmente Orientada para depois operacionalizá-la nos métodos reais de análise, pois acredita que não se pode simplesmente aplicar o trabalho de Foucault em análise de discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p.62). De Foucault vêm os principais aspectos para a ADC, quais sejam, o aspecto constitutivo do discurso, a interdependência das práticas discursivas, a natureza discursiva do poder, a natureza política do discurso e a natureza discursiva da mudança social (RESENDE E RAMALHO, 2009, p.18). Apesar de esses elementos elaborados por Foucault serem primordiais para a ADC, Fairclough critica o que considera uma visão determinista do filósofo quanto à constituição do discurso e à falta de análise empírica de textos, que revisita em trabalhos posteriores (RESENDE E RAMALHO, 2008, p.20).

Um desses trabalhos é Discourse in Late Modernity, no qual Chouliaraki e Fairclough (1999) argumentam que a ADC está situada na ciência social crítica e na pesquisa crítica sobre a mudança social na modernidade posterior – expressão utilizada por Giddens (1991) a respeito dos avanços e das mudanças econômicas e socioculturais na sociedade do mundo contemporâneo. Para os autores, “há uma necessidade urgente de teorização e de análise críticas da modernidade posterior que possam não apenas iluminar o novo mundo que está emergindo, mas também indicar as direções alternativas não realizadas existentes” (CHOULIARAKI E FAIRCLOUGH, 1999, p.4). Além dessa visão, a ADC também se apoiará na teoria e análise linguística e semiótica, que auxiliam a prática

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interpretativa sobre os efeitos sociais desencadeados pelos sentidos dos textos, ideia que dá corpo ao importante papel da ADC nos estudos sobre a vida social (RESENDE E RAMALHO, 2008, p.23).

Como dissemos anteriormente, outros trabalhos em ADC foram importantes para o estabelecimento da disciplina. Destacamos aqui os trabalhos sobre discurso, poder e racismo de van Dijk (2008), além de sua contribuição com a organização do periódico internacional Discourse and Society e de seu papel ativo nos estudos críticos do discurso na América Latina – sua articulação na fundação da ALED, Associação Latino-americana de Estudos do Discurso. Os trabalhos de Ruth Wodak, professora da Lancaster University, sobre linguagem, ideologia e poder também são dignos de nota, bem como sua participação da consolidação da área desde seu estabelecimento com Norman Fairclough.