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3 LÍNGUA INGLESA: DISCUSSÕES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE

3.4 Breve histórico do ensino de inglês no Brasil

Na América do Sul o inglês é, ao mesmo tempo, a garantia da hegemonia estadunidense e um bem muito precioso (RAJAGOPALAN, 2006). A história da língua no continente se faz de maneiras diferentes em cada país. A Argentina, por exemplo, apesar de

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ter uma história à parte com a Inglaterra, tem uma comunidade anglo-argentina sócio- economicamente poderosa. No Brasil, a inserção do inglês como disciplina nas escolas foi promovida por D. João VI, que havia fugido de Portugal com escolta naval inglesa, e se instalado no Rio de Janeiro. A instituição formal do ensino de inglês e francês nas escolas públicas do Brasil data de 1809. (RAJAGOPALAN, 2006, p.151).

Após seu início, o ensino formal de inglês teve um avanço a partir da criação da Sociedade de Cultura Inglesa, no Rio de Janeiro em 1934 e em São Paulo em 1935, com o apoio da Embaixada Britânica e do Consulado Britânico no Brasil, com a seguinte missão: “difusão no país, da língua e das manifestações de pensamento, ciências e artes inglesas e, por igual, no Império Britânico, do que concerne ao nosso idioma e o que se tem feito nas letras, ciências e artes no Brasil...” (DIAS, 1999, apud NOGUEIRA, 2007, p.22). Anos depois, “em 1938, surge o primeiro instituto binacional com o apoio do consulado norte- americano: o Instituto Universitário Brasil-Estados Unidos, que mais tarde ganhou o nome de União Cultural Brasil-Estados Unidos” (NOGUEIRA, 2007, p.23), cuja missão atualmente é “ser um centro de excelência para aprendizagem identificado com a cultura norte-americana e posicionado no mundo globalizado contemporâneo, de forma a agenciar o intercâmbio entre o Brasil e os Estados Unidos”2

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Atualmente, ao lado da Sociedade de Cultura Inglesa, o Conselho Britânico,

The British Council, que foi estabelecido no Brasil em 1940,

é a organização internacional do Reino Unido para Educação e relações culturais. Busca estabelecer a troca de experiências e fortalecer laços que resulte em benefícios mútuos entre o Reino Unido e os países onde está presente atuando em: Educação, Lingua Inglesa, Ciências, Arte, Governança e Direitos Humanos3.

De acordo com Pennycook (1996), os centros binacionais podem ser vistos como representantes da política de ajuda estabelecida tanto pela Inglaterra como pelos

2 Fonte: Sítio da União Cultural Brasil-Estados Unidos. Disponível em: <http://www.uniaocultural.com.br/

v1/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=22&Itemid=58>. Acesso em 07/03/2010.

3 Fonte: Sítio do British Council - Quem somos. Disponível em:<http://www.britishcouncil.org/br/brasil-

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Estados Unidos na era pós-segunda guerra, pois intermedeiam as ações das embaixadas desses países associadas à promoção da cultura e língua inglesas. Assim, haveria outras intenções nas missões dos centros binacionais, por exemplo. O autor defende que, para o Terceiro Mundo4, saber a língua inglesa também significava receber ajuda dos Estados Unidos, ajuda essa que vinha em forma de modernização e desenvolvimento (PENNYCOOK, 1996, p.43). Ele continua seu pensamento dizendo que a maior parte da “ajuda” enviada aos países em desenvolvimento era na forma de programas educacionais e de educação formal e que, além de ser fundamental para o treinamento de força de trabalho (o capital humano), o ensino de língua inglesa era totalmente necessário para as comunicações, tendo muitas contribuições da mídia de massa na promoção do desenvolvimento e da modernização.

O interesse em divulgar a língua inglesa, no entanto, vem de alguns anos antes da guerra, como um modo de refrear o fascismo europeu. A criação do British Council em 1934 por um comitê formado por especialistas em educação e empresários, por exemplo, teve como objetivo ajudar a divulgar a língua inglesa e a cultura britânica (PENNYCOOK, 1996, p.147). Em seu discurso de inauguração do British Council, o Príncipe de Gales, que mais tarde se tornaria Edward VIII, definiu os objetivos da organização:

A base de nosso trabalho tem que ser a língua inglesa... e nosso alvo é algo mais profundo do que o mero conhecimento de umas poucas palavras. Nosso objetivo é levar o maior número possível de pessoas a apreciarem totalmente as glórias de nossa literatura, nossa contribuição para as artes e ciências e nossa participação preeminente na prática política. A melhor maneira de alcançar estes objetivos é promovendo nossa língua em outros países. (White, 1965 apud Mendes, 2002)

Voltando à realidade brasileira, o que existe hoje em dia são – além das escolas e institutos de ensino de língua inglesa – iniciativas, como a da pesquisa em questão, de ensino de língua inglesa para jovens que não tem condições financeiras de pagar um curso numa escola de idiomas, que são motivadas pela demanda de profissionais que saibam falar

4 Termo genérico usado até o final dos anos 1990 para designar nações de economia subdesenvolvida ou em

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inglês e pela prospecção de um futuro melhor para esses jovens. Além disso, vemos o interesse dos jovens em saber outra língua, motivados pelos elementos de sua idade (música, jogos, filmes) que são inseridos em sua vida juntamente com a língua inglesa.

Outro ponto de fundamental importância é a relação entre os PCNs e o ensino de inglês como LE no Ensino Médio. Apesar de os PCNs defenderem que “[...] a aprendizagem de Língua Inglesa é fundamental no mundo moderno, porém, essa não deve ser a única possibilidade oferecida ao aluno” (BRASIL, 2000, p. 27), a realidade é bem diferente. O monopólio linguístico da língua inglesa que se instaurou no Brasil há muitos anos vem sendo quebrado, ainda com resistência, e de maneira lenta. Atualmente, o inglês é o idioma mais utilizado para a interação entre comunidades globais, chegando a ser considerado a língua franca da globalização (PENNYCOOK, 1996). Apesar de haver uma tendência à inserção do ensino de espanhol como LE na escola pública, o inglês acaba sendo adotado na maioria das escolas pela vasta oferta de mão-de-obra e material didático, além do próprio argumento de ser o idioma do mundo globalizado. O monopólio da língua inglesa acaba sendo justificado, ainda segundo os PCNs, como resultado de uma busca do mercado de trabalho por profissionais que falem o idioma e que tenham concluído o ensino médio: “[...] o Ensino Médio possui, entre suas funções, um compromisso com a educação para o trabalho.” (BRASIL, 2000, p. 27). Esse ponto é de fundamental importância para compreender por que os jovens e as organizações que trabalham com programas para jovens associam tanto a aprendizagem de LE com o trabalho, considerando que a tendência da educação pública em defender essa idéia de “educação para o trabalho” é reflexo da economia global em nosso país, em conjunto com o aumento do número de empresas multinacionais e da necessidade de trabalhadores preparados para o mercado globalizado. Veremos adiante que, na análise dos textos produzidos pelos jovens do curso de inglês, ficou evidenciado o discurso do inglês como língua necessária para o trabalho.

Mais uma questão a ser considerada é o ensino de inglês na escola pública, especialmente no Ensino Médio, haja vista que os participantes de nossa pesquisa estão matriculados no Ensino Médio e também são influenciados pelo discurso escolar a respeito do inglês. Pesquisas de outros trabalhos na Linguística Aplicada, especificamente na área de ensino e aprendizagem de Línguas Estrangeiras (MAXWELL, 2002; HASHIGUTI,

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2003; MIRANDA D, 2005; COSTA, 2007), apontam para uma visão da má qualidade atribuída ao Ensino Médio e associada a fatores diversos como a formação deficiente dos docentes, os baixos salários pagos pelo governo e a falta de infra-estrutura nas escolas de todo o estado de São Paulo. Além desses fatores, e em relação ao ensino de inglês na escola pública, há uma crença proveniente dos próprios professores que diz que o ensino de inglês realizado nas escolas públicas “é anormal, ilegítimo, é o ensino inapto a ensinar, que tem que aprender a fórmula de ensinar com os cursos privados” (OLIVEIRA, 1999, p. 69); “que os centros de línguas são mais apropriados para a aprendizagem de línguas estrangeiras do que as escolas públicas” (MIRANDA M, 2005, p.102); “que o bom ensino de inglês é aquele compatível com o ensino do curso de idiomas” (COELHO, 2005, p.93). Acreditamos que, em sua relação com professores que pensam dessa maneira, os jovens deixam de acreditar que o ensino de inglês na escola pública dará a eles o conhecimento necessário para se comunicar e para usar a língua inglesa em seu trabalho ou em situações nas quais seja necessário falar essa língua, buscando, assim, alternativas para essa situação, como o curso de inglês gratuito oferecido pela ONG. Este não será o foco de nosso trabalho, mas antecipamos que alguns dos problemas citados foram mencionados pelos jovens no decorrer da pesquisa e durante atividades com o grupo focal.

Definimos, então, as representações da língua inglesa como o nosso objeto de pesquisa. Vimos, neste capítulo, que essa língua está relacionada ao fenômeno da globalização de maneira direta, pois chega a ser considerada a língua internacional, a língua da globalização. Entendemos a questão da globalização como se referindo à vida social na pós-modernidade (ou na “modernidade tardia”, usando o termo de Giddens, 1991), e que devemos estabelecer uma visão da vida social como prática social, sendo o discurso um dos elementos dessa prática. Da maneira como desejamos conduzir nossa pesquisa, analisando as representações dos jovens a respeito do inglês e levando em consideração o contexto social no qual eles estão inseridos, além da discussão acerca do inglês como língua necessária às relações econômicas do mundo globalizado, pensamos que uma abordagem crítica se faz necessária para a condução da pesquisa e para a análise dos dados gerados junto aos jovens. Buscamos, então, a Análise de Discurso Crítica, sobre cujos pressupostos discorremos no próximo capítulo.

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