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O fenômeno da globalização e suas consequências para as identidades culturais

3 LÍNGUA INGLESA: DISCUSSÕES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE

3.2 O fenômeno da globalização e suas consequências para as identidades culturais

culturais.

Em sua discussão sobre modernidade, Giddens (1991, p.69) afirma que a “modernidade é inerentemente globalizante”, o que é evidente, considerando-se as características das sociedades modernas e sua ação de desencaixe e reflexividade. Se compararmos as sociedades mais antigas e as sociedades atuais, veremos que, na era moderna, o nível de distanciamento tempo-espaço é maior, e as relações entre formas sociais e eventos locais tornam-se “alongadas”.

Giddens considera que a “globalização se refere essencialmente a esse processo de distanciamento”, visto que as conexões entre diferentes regiões ou contextos sociais ocorrem pela superfície de nosso planeta como um todo (GIDDENS, 1991, p.69).

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A globalização, então, é definida como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (GIDDENS, 1991, p.69). Stuart Hall, citando Anthony McGrew, professor do Centro de Cidadania e Democracia da Universidade de Southampton, concorda que o termo “globalização” pode ser definido como o conjunto de: “processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado” (HALL, 2001, p. 67).

A respeito do início desse processo, num contexto sócio-histórico, concordamos com Mignolo que diz que a globalização teria tido seu marco inicial com a expansão ocidental após o ano de 1500, com a missão “civilizatória” cristã e eurocentrista (MIGNOLO, 2003, p.32), e as consequências desses processos globais são diversas e podem ocorrer nas esferas da vida econômica, política e social, alterando a idéia clássica de “sociedade” como um sistema bem delimitado por uma perspectiva que vê como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço, as relações “alongadas” que mencionamos antes.

Para Hall (2001), as consequências da globalização sobre as identidades culturais podem ser assim consideradas:

- A desintegração das identidades nacionais como resultado da homogeneização cultural e da globalização pós-moderna. Para alguns, a globalização ameaça exterminar as identidades e a unidade das culturas nacionais. No entanto, Hall acredita que há três contratendências a respeito desse pensamento: a primeira seria a de que a globalização traz consigo um interesse pela diferença e pelo local e, na verdade, promoveria a diferenciação local e a mercantilização da etnia e da “alteridade”. Então, não se deve pensar o global como uma substituição do local, mas uma articulação entre o global e o local que não provocará a destruição das identidades nacionais, mas irá produzir novas identificações globais e novas identificações locais. A segunda contratendência da homogeneização global das identidades seria a desigual distribuição da globalização pelo mundo, afetando diferentes estratos da

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população dentro das regiões, provocando uma “geometria do poder” da globalização. A terceira contratendência é que, devido a fatores históricos e econômicos, a globalização pode ser vista como um fenômeno exclusivamente Ocidental. De fato, as imagens, artefatos e as identidades da modernidade que dominam as redes globais são produzidos pelas sociedades ocidentais. Essa “ocidentalização” produz uma imagem do centro global como o protagonista das mudanças, e as periferias, como sujeitos e subalternos do mundo ocidental;

- O reforço das identidades nacionais e locais como uma resistência à globalização. Sempre houve uma tensão entre o global e o local na transformação das identidades, entre identificações nacionais, com vínculos a lugares, eventos, símbolos e histórias particulares, e identificações mais universalistas, como uma identificação maior com a humanidade do que com sua comunidade local. A tensão reside no fato de que o crescimento das economias locais, dos estados-nação e das culturas nacionais faz com que haja um foco maior nas identidades nacionalistas e locais, e até uma valorização do local. Porém, a expansão do mercado mundial e da modernidade como um sistema global pede um foco mais universal dessas mesmas economias, estados-nação e culturas nacionais para que participem do sistema global. Outro resultado da tensão seria uma reação defensiva dos membros étnicos dominantes ameaçados pela presença de outras culturas em sua localidade, provocando racismo cultural e de exclusão. Hall sugere que o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental e o crescimento do fundamentalismo sejam exemplos dessas resistências à globalização;

- O declínio das identidades nacionais, com a criação de novas identidades híbridas em seu lugar. Por exemplo, comunidades menores que apreendem uma identidade dominante não se tornam essa outra identidade, mas a cultura dominante faz com que elas sejam vistas e tratadas como uma comunidade híbrida. Essa apreensão produz novas identidades que não anulam completamente a anterior, mas adiciona elementos de diferentes tradições culturais às mesmas pessoas, provocando um entrelaçamento de identidades diferentes. As identidades culturais que emergem por todo o mundo em conseqüência da globalização “não são fixas, mas que estão suspensas, em transição” (p. 88), retirando recursos de

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diferentes tradições culturais que são o resultado do contato com outras culturas que ocorre graças à globalização. Um exemplo desse processo dado por Hall é o de pessoas que foram dispersas para sempre de sua terra natal. Apesar de reterem fortes vínculos com seu local de origem e suas tradições, essas pessoas não têm a ilusão do retorno, sendo obrigadas a negociar com as novas culturas nas quais estão inseridas, sem serem assimiladas e sem perderem completamente suas identidades. Elas nunca serão unificadas no sentido tradicional do termo, dado que são produtos de várias histórias e culturas interconectadas. Essas pessoas, segundo Salman Rushdie (apud HALL, 2001, p. 89), são “traduzidas”, pois pertencem a dois mundos ao mesmo tempo.

O deslocamento das identidades afeta todos num nível global e acaba tornando indivíduos de cada localidade cidadãos do mundo, modificando seu espaço e o espaço do seu outro. Os jovens participantes de nosso estudo, por exemplo, demonstraram ter o desejo de falar inglês para ter contato com novas culturas, de cuja existência eles souberam graças à internet e à globalização das informações. Sobre isso, podemos destacar as três escolas de pensamento a respeito da globalização cultural, de acordo com Kumaravadivelu (2008, pp.132-134):

- Barber, Ritzer e outros que acreditam que a cultura norte-americana de consumo constitui o centro dominante da homogeneização cultural que ocorre através da globalização. Ritzer (1993) criou o termo “mcdonaldinação” para descrever os “processos socioculturais pelos quais os princípios básicos da indústria de comida rápida – a criação de produtos de consumo homogeneizado e a imposição de padrões uniformes – dão forma à paisagem cultural dos Estados Unidos e de outras partes do mundo”. (apud KUMARAVADIVELU, 2008, p.132) Para eles, as ideias do individualismo e do consumismo norte-americano circulam mais livremente e são mais bem aceitas pelo fato de vermos jovens usando calças Levi‟s, tênis Nike, bonés de times de beisebol; jovens que assistem a videoclipes de música da Music Televison (MTV) e aos sucessos de Hollywood; e que comem nas redes McDonald‟s e Pizza Hut em todas as partes do mundo. Kumaravadivelu também aponta as empresas norte-americanas, como At&T, Sony, Disney, General Electric, entre outras,

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como responsáveis por mais de dois terços da renda anual mundial na indústria de comunicação;

- Giddens e Tomlinson, que acreditam que há certa heterogeneização cultural global pelo fortalecimento da cultura local e das identidades religiosas. Para eles a imagem que se tem hoje em dia é a de um mundo em descontrole, com a globalização se tornando cada vez mais descentrada, e sugerem que o “reverso da colonização” está acontecendo se pensarmos na latinização da área de Los Angeles, nos Estados Unidos; na produção de alta tecnologia na Índia; e na distribuição de novelas brasileiras em Portugal. Eles também apontam o fundamentalismo religioso como produto da tensão no mundo globalizado – como já discutimos antes. Apesar de indicarem o declínio da força do Ocidente, eles reconhecem sua hegemonia e sua posição de “dirigentes do desenvolvimento cultural global”;

- Appadurai, Robertson e outros, que apontam a tensão entre a homogeneização cultural e a heterogeneização cultural, que ocorrem ao mesmo tempo, resultando num processo chamado por Robertson de “glocalização”: o local está globalizado, e o global está localizado; o global está em conjunção com o local, e o local é modificado para acomodar o global. Eles apontam a micromercantilização como um exemplo de glocalização, que seria a modelação de produtos para se adequar às exigências étnicas, culturais e religiosas, como a remodelagem do cardápio da rede McDonald‟s por todo o mundo, servindo comida

kosher em Israel, de acordo com os preceitos do judaísmo; comida halal em países

islâmicos, seguindo as restrições que estão no Corão; e comida vegetariana na Índia, onde a maioria da população não come carne.

A terceira escola, no entanto, alerta para o fato de que os educadores devem preparar seus alunos para o desafio da globalização cultural, buscando alternativas para enfrentar o mundo globalizado. Além de concordar com eles, Kumaravadivelu (2008, p. 135) chama a atenção dos linguistas aplicados para a língua inglesa, que se tornou a “lingua

franca do mundo”. Para o autor, além de termos que lidar com a língua inglesa como uma

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linguístico. Concordamos que uma forma de se integrar à economia globalizada é através da língua inglesa e que a aprendizagem de inglês como LE tornou-se uma necessidade constante hoje em dia, fazendo parte da vida de todas as pessoas, principalmente dos jovens. Mas, indagamos, nesse ponto, como nós, linguistas aplicados, podemos tratar disso, quando nos deparamos com um grupo de jovens em situação de vulnerabilidade social que aprende inglês num programa de uma organização norte-americana patrocinada por empresas norte-americanas?