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A reportagem Meninos Condenados (anexo 01, p.75) é uma produção de Adriana Irion e José Luís Costa. Essa obra foi vencedora do Prêmio Esso no ano de 2012, na categoria Prêmio Regional Sul. Veiculada por ZH nos dias 22, 23, 24 e 25 de janeiro de 2012, ela se propõe a desvendar a trajetória de 162 internos que em janeiro de 2002 cumpriam medida judicial em uma casa da então Febem10. A produção descreve o que aconteceu com esses meninos após saírem da Fundação. A reportagem se assemelha a uma pesquisa quantitativa onde os números são reveladores, contextualizam e buscam informações para explicar a realidade e desfecho dos personagens e seus familiares.

Conforme destaque no início desse capítulo, para Gregolin o discurso construído é o local “onde se manifesta o sujeito da enunciação e onde se pode recuperar as relações entre o texto e o contexto sócio-histórico que o produziu” (1995, p.17). Na escrita das três reportagens que estão sendo analisadas no presente projeto de conclusão de curso, Zero Hora utiliza um padrão de trabalho onde não são realizadas referências aos profissionais e sim ao veículo de comunicação. A intenção é produzir determinado grau de distanciamento, um material que, em um primeiro olhar, mostra o mínimo possível das opiniões e expressões pessoais de quem produziu o conteúdo.

Esse método é utilizado para distanciar a produção da reportagem da pessoa jornalista que está por trás das entrevistas. O jornalista observa a rotina e escolhe o conteúdo que fará parte de sua produção, a tentativa de distanciamento pode ser percebido nas seguintes sequências discursivas (SD):

SD 01: Nessa reportagem, ZH revela o destino desse grupo de adolescentes cujos delitos os reuniram [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 25).

SD 02: Mais do que estatísticas, o levantamento de ZH expõe rostos e trajetórias de jovens que, em muitos casos, foram vítimas antes de se tornarem infratores (IRION, COSTA, 2012, p. 25).

SD 03: Juízes e promotores da área da Infância e da Juventude não se surpreendem com o resultado do levantamento feito por ZH com 162 adolescentes internados em uma das casas da instituição [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 4).

Com a intenção de tornar os jornalistas produtores de um conteúdo mais neutro na revelação da história, e ainda passar a sensação de imparcialidade e impessoalidade, é utilizado no decorrer de toda a produção colocações conforme descrito, em que o ator é ZH, em terceira pessoa, e não o jornalista ou equipe de reportagem. Essa característica será percebida nas demais análises realizadas, por esse motivo destaco que essa é uma forma padrão de referência adotada pelo jornal.

Outra característica importante para a produção é a utilização de suítes. Relembrando que suíte são as reafirmações necessárias, a sequência dos fatos, a continuidade. Quando há divulgação de conteúdos por diversos dias é preciso relembrar os leitores das informações que foram divulgadas sobre o assunto nos dias anteriores.

4.2.1 Opiniões e visão dos jornalistas

Mesmo com os padrões adotados, sempre há algo na escrita que permite transparecer colocações pessoais dos jornalistas. Nas sequências discursivas (SDs) podemos atentar para os trechos em destaque:

SD 04: Quem lê a ficha policial de Luiz Natanael Silva Machado quando era adolescente, arrisca uma sentença: está preso ou morto (IRION, COSTA, 2012, p. 42).

SD 05: Ao sair, trapaceou destino e, desta vez, jogando limpo. Contraria a lógica, surpreendeu e ajudou a inserir esperança nesta série de matérias sobre a trajetória de 162 ex-internos da fundação (IRION, COSTA, 2012, p. 42).

SD 06: Dois anos depois, em maio de 2002, a Febem foi transformada em Fase, mas

as piores chagas ainda permeavam o cenário que reuniu esses 162 ex-internos:

falta de estrutura adequada, escassez de pessoal, superlotação, agressões. Dez anos depois da mudança, a Febem ainda não sumiu por completo. Há agressões a internos, falta de pessoal, carência de atividades socioeducativas e excesso de medicação para “acalmar” adolescentes (IRION, COSTA, 2012, p. 43).

Essas frases são afirmações, metáforas e conclusões realizadas através da observação dos jornalistas. Nas SDs é evidente alguns posicionamentos já existentes na sociedade e que refletem um exterior discursivo, ou seja, algo que está fora do discurso em análise. Entende- se através do exposto, que na sociedade atual o normal para um cidadão com uma extensa

ficha de crimes e contravenções é estar preso ou morto ao invés de estar trabalhando, estudando e com uma base familiar bem composta. Certamente não há um único desfecho, não são todos que saem da Fase11 “formados” na criminalidade, mas o discurso da reportagem demonstra que essa realidade é predominante e que existem problemas de extrema pertinência.

SD 07: Dos 162 jovens cuja história é contada nesta série de reportagens que se iniciou no domingo e termina hoje, apenas dois não tiveram os nomes relacionados a nenhuma ocorrência policial ou a processo criminal (IRION, COSTA, 2012, p. 41).

A palavra apenas também demostra um posicionamento pessoal dos jornalistas. Ela remete a sensação de frustração ou de comprovação de algo que já era esperado. Os números funcionam como um atestado dos problemas sociais e a falta de políticas públicas eficientes.

4.2.2 Posicionamentos negativos

A reportagem Meninos Condenados, quando estreou, no domingo, 22 de janeiro de 2012, afirmou que a série seguiria até quarta-feira, 25 de janeiro. O que aconteceu foi que após esses primeiros dias, houve uma sequência de produções, com colaboração de artigos opinativos, entrevistas de autoridades pertinentes ao assunto, desfecho de algumas situações elencadas e ainda participação de leitores. Isso demonstra que a reportagem teve grande repercussão e mobilizou diversos setores, os quais também acabaram se pronunciado.

Na contextualização das histórias, os jornalistas escolhem metáforas e palavras com significados fortes:

SD 08: A morte de um em cada quatro “combatentes” é o saldo da batalha pela sobrevivência [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 09: Em um conflito bélico entre nações, os números já seriam dignos de um

massacre (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 10: A maioria partiu cedo. Para 43 deles, a sentença de morte veio antes dos 25 anos. Uma pequena parte tombou em confrontos [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 11: Em outubro de 2002, aos 18 anos, tombou a tiros no Parque Marinha (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 12: Teve condenações por furto. Sucumbiu à violência em 2007, morto a tiros num campo de futebol em Passo Fundo (IRION, COSTA, 2012, p. 27).

As palavras escolhidas são de significado pertinente. Carregam a intenção de mostrar que a realidade descrita, é a realidade de uma verdadeira guerra urbana. Para convencer o leitor dessa ideia existe a descrição de um ambiente com grande número de mortes, insucessos e também um baixo número de sobreviventes e vencedores.

Quando ex-detentos ou familiares mencionam a antiga Febem, fazem referência a ela de diferentes formas, mas com significados semelhantes:

SD 13: Ganhou liberdade em 2007, mas nunca se recuperou do trauma da

internação, segundo a mãe (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 14: Foi internado aos 15 por causa de roubos. Saiu pior (IRION, COSTA, 2012, p. 27).

SD 15: Envolvido em roubo, foi parar na então Febem, com 15 anos, saiu

transformado, segundo a mãe (IRION, COSTA, 2012, p. 27).

SD 16: Tem condenações por roubos. Foi internado por assalto a ônibus. Segundo a mãe, Vera, saiu da fundação viciado em drogas (IRION, COSTA, 2012, p. 32). SD 17: O Adriano ficou louco depois de sair da Febem – disse a mãe a ZH [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 40).

SD 18: O filho da faxineira Rosângela de Jesus Cardoso começou a morrer

quando estreou na Febem, em 2001, por furto (IRION, COSTA, 2012, p. 26).

SD 19: Com 15 anos, matou a tiros um vizinho da mesma idade por causa de um boné. Três anos na fundação fizeram com que voltasse ainda pior (IRION, COSTA, 2012, p. 27).

As sequências discursivas do número 13 ao número 19 revelam, seja na voz ativa dos jornalistas ou dos familiares destacados pelos jornalistas, que o sistema da antiga Febem era, no mínimo, falho. Na reportagem é revelado que a atual Fase mantém características e sistemas parecidos ao da antiga fundação, a Febem.

SD 20: A Febem virou Fase em maio de 2002 com nova proposta de tratamento a adolescentes infratores. Mas não sumiu por completo. Ainda habitam suas unidades práticas da antiga cultura de atendimento a internos [...] (IRION, COSTA, 2012, p. 25).

A reportagem revela que a Fase possui práticas semelhantes às da antiga Febem. Conectando essa afirmação com as afirmações das sequências discursivas citadas anteriormente, em que familiares revelam que a fundação não teve êxito ao internar a grande maioria dos jovens citados na reportagem, como também piorou sua situação, pode-se concluir que esse sistema de segurança (inclusive na atual Fase) é falho e enganador.

SD 21: A Febem foi extinta por ineficiência, a Fase nasceu, mas o tratamento dispensado a recuperar adolescentes infratores segue o mesmo receituário: estrutura

física ultrapassada, excesso de medicação, castigos, superlotação e falta de monitores (IRION; COSTA, 2012, p.04).

SD 22: Um dos exemplos dos vícios nefastos da antiga Febem que ainda permeiam as unidades é o excesso de medicação [...] (IRION; COSTA, 2012, p.04).

Os jornalistas novamente utilizam de metáfora para explicar que a Fase não tem êxito no que se propõem a trabalhar. É utilizada a palavra receituário para fazer alusão e destacar o costume de manter medicado os adolescentes integrantes da Fundação. A utilização de vícios nefastos faz referência a uma situação considerada inadmissível. Esse assuntou foi um dos grandes pontos de destaque no contexto geral da produção, e por esse motivo é realizado esse jogo de palavras e significados para indicar os pontos mais críticos da atual realidade.

4.2.3 Posicionamentos positivos

A reportagem aponta soluções possíveis para que um jovem adquira condições de se distanciar da prática de crimes. Em sua maioria, as possibilidades de recuperação estão presentes onde existe uma base familiar estruturada de modo a auxiliar o ex-detento nas dificuldades encontradas após a saída da Fundação.

SD 23: O amor dirigido a uma mulher, a um familiar ou a Deus está presente nas histórias de superação [...] (IRION; COSTA, 2012, p.25).

Especialistas, advogados, médicos, gestores e ex-internos defendem que a família, religião, estudo, emprego, salário digno e amor são as alternativas que possibilitam uma virada na realidade dos jovens da Fase. Todas essas possibilidades, aliadas a um conjunto de políticas públicas de qualidade e eficiência, são os pilares básicos para que os jovens encontrem um propósito para mudar sua realidade.

Em linhas gerais a reportagem Meninos Condenados, de Adriana Irion e José Luis Costa faz uma importante utilização de palavras para enfatizar e significar o que quer ser repassado ao leitor. Com suítes, pesquisa quantitativa de qualidade e observações descritivas no decorrer da produção, seu conteúdo demonstra importante ligação com o exterior discursivo existente. Através de uma dosagem exata de metáforas, Meninos Condenados é uma produção que alcança o objetivo de desnudar, e principalmente se aprofundar, em um assunto e um ambiente pouco habitado pelos jornalistas.