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Considerando que o próximo capítulo analisa as reportagens de Zero Hora vencedoras do Prêmio Esso de jornalismo e com foco na sociedade, é importante trabalhar nesse momento com o tema jornalismo e questões sociais. Na Constituição Federal (1988), Capítulo V, sobre a Comunicação Social, podemos perceber no artigo 221 relevantes colocações sobre a programação de emissoras de rádio e televisão.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (BRASIL, 1988). No artigo 221 da Constituição Federal é perceptível a ideia central que é abordar que os meios de comunicação. Eles necessitam trabalhar com o propósito de produzir informações que contribuem para a cidadania nos diversos âmbitos de abrangência. Gentilli relata que eles podem representar um lugar onde os indivíduos, sem distinções entre si, “possam expressar suas opiniões, lutar por elas e por seus interesses num ambiente no qual prevaleça a convivência e a tolerância com a diferença” (GENTILLI, 2002, s/p).

Conforme esclarece Flosi, a imprensa, dentre tantas funções já elencadas nesse trabalho, possui ainda duas missões, que para o autor, são principais: “informar e denunciar. O jornalista deve cumprir essas duas missões, aproveitamento de toda oportunidade que surgir para comentar e denunciar as injustiças sociais” (2012, p. 60). O jornalismo acaba por reproduzir a sociedade em que ele atua, demonstra as desigualdades latentes e as contradições que aparecem quando um assunto é colocado em pauta. Um dos deveres primários que o ser humano possui perante a sua sociedade é ser útil aos membros que a compõe. “Embora não conste em nenhum manual de Jornalismo que o repórter tem, entre outras, a função de acabar com a fome, sempre é bom poder ajudar alguém com aquilo que a gente escreve” (KOTSCHO, 2002, p.67).

Conforme foi destacado, a imprensa, se assim desejar, pode atuar como os olhos da sociedade e “[...] para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõem [...]” (BOBBIO, 2004, p.4). De acordo com a visão de Pena, os meios responsáveis por produzir conteúdos jornalísticos podem formar um importante engajamento com a sociedade em que estão inseridos, produzindo dessa maneira conteúdos

jornalísticos plurais e que atendem os anseios e expectativas da sociedade que acessa o seu conteúdo.

Quando o assunto em destaque faz menção à violência é perceptível o fato de que as atenções sempre estão voltadas para a criminalidade e os efeitos que ela causa. Isso acontece, pois danos materiais e físicos resultantes dessa criminalidade são mais fáceis de ser visualizados pelas pessoas que estão fora do acontecimento. Contudo, há formas de violência que uma cobertura superficial acaba não percebendo e captando. Como consequência, pode deixar de contextualizar um fato que pode ser de ocorrência rotineira naquela sociedade, deixando assim de pautar e desafiar possíveis soluções.

Um jornalista que sai para a rua garimpar informações deve ter um grau de sensibilidade e paciência para conseguir captar informações que por vezes não são ditas em palavras, mas que podem ser ditas através do silêncio, desvio de olhares, nervosismo e gestos. As formas de violência que atentam contra os costumes morais, as crenças e escolhas pessoais, que denigrem a autoestima, o “ser alguém” onde se vive ainda são percebidas em poucas vezes. “Aqui, estamos falando sobre a violência inerente a um sistema: não só da violência física e direta, mas também das formas mais sutis de coerção que sustentam as relações de dominação e de exploração, incluindo a ameaça de violência” (ZIZEK, 2014, p.23,24).

Assuntos iguais aos elencados tornam-se pauta jornalística quando ocorre um fato extremo, uma violência bárbara, um desrespeito público ou uma tentativa de agressão para mudar a visão pessoal do indivíduo. Penso que essas pautas, ainda rarefeitas na sociedade, devem ser abordadas como forma de prevenção e não como forma de noticiar o fato ocorrido. Podem ser usadas como forma de “opor-se a todas as formas de violência, da violência física e direta (extermínio em massas, terror) à violência ideológica (racismo, incitação ao ódio, discriminação sexual)” (ZIZEK, 2014, p.24). Esse cenário elencado está mudando aos poucos, “Somente uma visão do direito voltada para a realidade social pode salvar o país e impedir a desagregação de seu povo [...]” (MADERS, 2012, p.217). São exemplos dessa mudança as reportagens que serão analisadas no decorrer desse trabalho.

Segundo destaque do autor, “[...] ressignificar o sentido da existência humana em novos parâmetros éticos sob o pressuposto de que o ser-no-mundo [...] está a exigir novos encaminhamentos para que a sociedade não pare de se questionar” (CORRÊA; CORRÊA, 2012, p.15). Nesse contexto, os meios de comunicação podem, se assim desejar, ajudar a desestabilizar as crenças excludentes da sociedade. Eles podem pautar a fome, mas podem pautar também as verdadeiras causas da pobreza; podem falar de guerra, drogas, assassinatos,

doenças, mas também devem falar de quem, ou do que, concentra boa parte da renda de todo o país. Conforme analisa Maria Ames, todo ato de violência é a expressão e a prova de que uma necessidade não foi atendida.

É preciso observar atentamente o comportamento do outo, sem julgamentos apressados; escutar a versão dos fatos sob todos os ângulos possíveis. Isso requer maior investimento de tempo e paciência, mas sem dúvida é um investimento na melhoria do presente e futuro da humanidade (AMES, 2012, p.89).

Kovach e Rosenstiel (2004, p. 173) analisam a importância de dar rostos para as pessoas humildes. Para eles isso revela a humanidade das pessoas para a população que normalmente nem percebe sua existência, suas inúmeras faces e emoções. Kotscho, segundo essa linha de pensamentos, concorda com a necessidade de mostrar a população.

De que valeriam os números de mortos – seis mil, dez mil, vinte mil, - se a matéria não contasse quem são essas vitimas da „guerra urbana‟ e suas histórias? Em toda matéria, o homem é sempre o mais importante – e um exemplo vale mais do que mil tabelas estatísticas. O registro de um pequeno furto pode acabar na primeira página do jornal, porque é o exemplo mais vivo de uma situação-limite – um retrato em branco e preto do país em que ele circula (KOTSCHO, 2002, p.68).

Um conteúdo jornalístico deve orientar e aperfeiçoar uma sociedade. Deve conter valores de liberdade, igualdade e respeito pelos direitos fundamentais das pessoas (NOBLAT, 2014, p.26). Todas as pessoas, sem distinção. Samuel Wainer em sua obra Minha Razão de viver Histórias de um repórter (1988) narra toda a construção e empecilhos encontrados na criação e fixação de seu jornal. O jornal Última Hora trouxe novidades, ampliava as linhas diretas com a população e a primeira página, do segundo caderno, falava exclusivamente de reinvindicações populares (p.150). Wainer relata que um dos grandes achados do Última Hora foi descobrir que também havia vida social em bairros menos populares. O desafio de garimpar informações novas em novos e diferentes ambientes veio da seguinte conversa:

Durante uma conversa com o vice-presidente da Light, Monteiro, ele me fez uma pergunta:

- Você costuma ir aos subúrbios?

Entranhei a pergunta: afinal, o que eu teria a fazer nos subúrbios? Disse-lhe isso, e Monteiro, que nascera no Méier, sorriu e comentou:

- Engraçado, vocês não conhecem o Brasil (WAINER, 1988, p.152).

Uma cidade é formada por diversos bairros, inúmeras formas de expressão cultural e valorosos protagonistas da vida real. Wainer e Noblat concordam que um personagem de uma matéria que necessita de contextualização e análise, não deve limitar-se somente a um nome ou simplesmente um contato básico por telefone e e-mail. “Quantos anos tem Maria José? O que ela faz na vida? [...] Onde mora? Como estava vestida? Falava em voz alta ou em voz

baixa?” Respostas e perguntas iguais a estas é que dão vida e identificação a um personagem (NOBLAT, 2014, p.50).

A produção jornalística que contextualiza e realiza uma mediação contribui “para um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, perturbam a paz” (SPENGLER, 2012, p.54).Para Ramos e Paiva, é necessário produzir matérias que não tenham somente como foco o fato em si, mas que também aponte tendências, “este é o papel do jornal. Estar mais perto da reflexão, mostrar um direcionamento” (2007, p. 20). Nas palavras de Gentilli é possível perceber uma concordância.

O jornalista é um mediador, e como tal, exerce um papel decisivo na medida em que é o resultado de seu trabalho que irá oferecer “visibilidade” ao poder e ao mundo. Proponho, assim, um jornalismo produzido em condições de oferecer, da melhor maneira possível, uma forma de conhecimento do mundo, [...] que ofereça as informações básicas [...] para o desenrolar cotidiano de suas atividades, que pense a práxis profissional no contexto amplo da ampliação da cidadania, do pluralismo, da liberdade, da democracia (GENTILLI, 2005, p.143).

Para Gentilli a mediação do jornalista é uma mediação ativa, não passiva. Ela pressupõe papéis, funções, fazeres, ética e “teoricamente, uma sociedade é tanto melhor informada: (1) quanto maior for o número de jornais e; (2) quanto mais plural for cada jornal” (2005, p.149). O cidadão quando começa a participar de forma mais efetiva da sociedade começa a exigir informações de melhor qualidade (2005, p.151).

A comunicação atual e modernizada é uma aliada na busca pela democracia, cidadania, justiça e combate do esquecimento social. Apesar da pauta dos direitos humanos, desigualdades e necessidades sociais ainda não ser a mais importante nas redações, as mídias em suas diversidades tem sido o lugar de maior visibilidade para esses assuntos/temas (RADDATZ, 2013, p.79).

4 ANÁLISE DO DISCURSO E OBSERVAÇÕES

O terceiro capítulo da presente monografia analisa reportagens do jornal impresso Zero Hora, que se tornaram ganhadoras do Prêmio Esso de Jornalismo2. Para nortear a análise foi escolhido o aporte teórico e metodológico da Análise do Discurso francesa.

Transcorridas diferentes épocas, a gramática e as formas de escrever se modificaram de acordo com a evolução da língua, das tendências e a evolução dos estudos. É com essa certeza de que existem “muitas maneiras de se significar que os estudiosos começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular que é a que deu origem à Análise do Discurso” (ORLANDI, 1999, p.15). Ela surge como uma discussão das questões que trabalham contra as formas totalmente fechadas e aparentes de usar e entender a linguagem, questionando a negação da exterioridade (BRASIL, 2011, p.172). Com a escolha pela Análise do Discurso (AD) é possível um estudo interno buscando o que este texto diz? Como ele diz? E também um estudo externo analisando por que este texto diz o que ele diz? (GREGOLIN, 1995, p.17).

Ao optar por essa forma de estudar uma produção, estamos realizando a escolha de analisar como um determinado discurso está relacionado com as situações que o criaram (GREGOLIN, 1995, p.17). Michel Pêcheux explica que na AD descrever o conteúdo não pode estar separado da sua interpretação (2006, p.50) e que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar um outro” (PÊCHEUX, 2006, p.53). Dessa forma, os enunciados podem ser vistos como uma série de possibilidades, dando lugar a interpretações. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso (2006, p.53).

Para Pêcheux (1995, p.131) um analista desse método não pode se contentar com as características, objetos, sujeito como “sempre-já dado”. Gregolin acrescenta que a análise precisa aliar o “interno (discursivização) e o externo (relação enunciado/enunciação)” (1995, p.18). Nessa forma de estudo não é utilizado o texto por completo, “são os recortes que interessam”, esses recortes podem conversar com diferentes textos e o analista visualiza importantes considerações em relação ao tema da pesquisa (CAZARIN, 2004, p. 35,36).

Ercilia Cazarin explica que o discurso, objeto de estudo na AD, não é considerado simples transmissor de informações, é considerado como “efeito de sentidos entre interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral” (CAZARIN, 2004, p.51). O

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A presença da Esso na imprensa brasileira. Marcio de Souza Castilho, 2008. Disponível em <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-

estudo de um analista procura entender o funcionamento do discurso, e após, “explicitar de qual(is) característica(s) o mesmo se reveste e que efeitos de sentido isso provoca” (CAZARIN, 2004, p.52). Esse método possui interesse mas porém, não busca unicamente a língua ou gramática, ele busca o discurso, e esse por sua vez, é a “palavra em movimento”.

A Análise de Discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive (ORLANDI, 1999, p.15). Eni Orlandi explica que essa forma de análise não vê a língua atuando de forma abstrata. Para a autora a língua age no mundo, possui formas de significar. Pêcheux também salienta a existência do homem perante a sociedade, e suas formas de passar informações através de diferentes modos, que são modificados através da passagem do tempo (2006, p.54). Para Pêcheux, “as coisas-a-saber” são formadas em redes de memória, Gregolin acrescenta que “[...] um texto é formado por uma estrutura que articula diferentes elementos e constitui um sentido coeso e coerente” (GREGOLIN, 1995, p.15).

O discurso é um degrau que devemos atingir para que um texto comece a fazer sentido, ele é “o lugar onde se manifesta o sujeito da enunciação e onde se pode recuperar as relações entre o texto e o contexto sócio-histórico que o produziu” (GREGOLIN, 1995, p.17). Nesse contexto de análise, o objeto que alimenta o estudo não é a frase, palavras fechadas em si mesmas, mas sim o discurso em sua totalidade. A linguagem não é vista como um conjunto de regras, ela ganha valor e seus sentidos não são estagnados, mas flexível e instável. Da mesma forma o sujeito específico, do inconsciente, da linguagem, interpelado pela ideologia, começa a fazer parte da discussão (BRASIL, 2011, p.172).

O discurso só faz sentido para uma pessoa, quando essa mesma pessoa se sente pertencente e inclusa no tema, conteúdo e situação enfatizada. Conforme Gregolin, “os processos discursivos estão na fonte da produção dos sentidos e a língua é o lugar material onde se realizam os “efeitos de sentido” (GREGOLIN, 1995, p.18). As formas de narrar um discurso passa por escolhas de fontes, espaço, tempo e escolhas de figuras. A narrativa passa a ser construída com as opções que o sujeito enunciador escolhe (GREGOLIN, 1995, p.16).

Michel Pêcheux explica que “as palavras, expressões, preposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam”, isso significa que adquirem sentidos de acordo com as posições em que são usadas. Para o autor, a formação discursiva, é então, “aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma

posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito” (PÊCHEUX, 1995, p.160).

Orlandi concorda com Pêcheux e reafirma que a formação discursiva (FD) é a definição, de acordo com a posição sócio-histórica, do que pode e deve ser dito. Daí torna-se necessário compreender dois pontos:

a. O discurso se constitui em seu sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. Por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações ideológicas. [...] E isto não está na essência das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca (ORLANDI, 1999, p.43).

b. É pela referência à formação discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas diferentes. Por exemplo, a palavras “terra” não significa o mesmo para um índio, para um agricultor sem terra e para um grande proprietário rural. Ela significa diferente se escrevemos com letra maiúscula Terra ou com minúscula terra etc. Todos esses usos se dão em condições de produção diferentes e podem ser referidos a diferentes formações discursivas. E isso define em grande parte o trabalho do analista: observando as condições de produção e verificando o funcionamento da memória, ele deve remeter o dizer a uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido do que ali está dito (ORLANDI, 1999, p.44,45).

Conforme a autora, os sentidos não estão predeterminados, eles dependem de relações que são construídas e nas formações discursivas. Orlandi declara que a noção de metáfora é indispensável na análise de um discurso, “a metáfora é aqui definida como a tomada de uma palavra por outra. Na análise de discurso, ela significa basicamente „transferência‟, estabelecendo o modo como as palavras significam” (1999, p.44). Nas palavras de Brasil podemos perceber concordância com os esclarecimentos de Orlandi sobre a FD.

O sentido resulta de sua inscrição em uma formação discursiva, já que uma mesma palavra varia de uma formação discursiva para outra, o sentido desliza e define a inserção do sujeito em uma FD ou em outra. [...] A FD é heterogênea no discurso, ela é sempre passível a vir a ser outra, dialóga no discurso, acomoda outras FDs. [...] Toda FD remete a uma dada formação ideológica. O sujeito do discurso traz para o debate um grupo de representações individuais a respeito de si mesmo, do interlocutor e do assunto abordado (BRASIL, 2011, p.174).

Para Brasil o discurso é construído pelas significações do mundo, seus significados e história na língua (2011, p.175), “temos então a tríade língua, sujeito e história na constituição de discurso. Por tratar-se de uma materialidade linguística e histórica, o discurso é o observatório das relações entre língua e ideologia” (2011, p.176).

Conforme Gregolin (1995), ideologia é o conjunto de representações que são dominantes em uma sociedade. Como existem várias classes dentro de determinada sociedade, existem também várias ideologias.

A ideologia é, pois, a visão de mundo de determinada classe, a maneira como ela representa a ordem social. Assim, a linguagem é determinada em última instância pela ideologia, pois não há uma relação direta entre as representações e a língua (GREGOLIN, 1995, p.17).

Essas formações ideológicas, ou condições de produção do discurso, correspondem cada uma a uma formação discursiva, “o que se pode e se deve dizer em determinada época, em determinada sociedade” (GREGOLIN, 1995, p.17). O mesmo autor ainda explica que realizar a Análise do Discurso significa tentar “entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto se articula com a história e a sociedade que o produziu”. O discurso é um objeto, linguístico e histórico ao mesmo tempo, entendê-lo requer a análise desses dois elementos simultaneamente (GREGOLIN, 1995, p.20). A Análise de Discurso considera que “a linguagem não é transparente”, a pergunta que ela busca esclarecer é “como este texto significa?” (ORLANDI, 1999, p.17).

Eni Orlandi explica que a AD é herdeira das três regiões de conhecimento, a Psicanálise, a Linguística e o Marxismo. Esses campos de conhecimento “irrompem em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas”, e assim constroem um discurso.

Não o é de modo servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz ao objeto da Linguística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanalise. Interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 1999, p.20).

Para Orlandi, esse método de análise coloca a interpretação em questão.

A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender (ORLANDI, 1999, p.26).

Para a autora compreender uma obra é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música) produz sentidos. Compreender significa tomar posse e dar significado, interligar todos os sentidos existentes e constituintes (ORLANDI, 1999, p.26). Em cada análise é necessário que o analista mobilize conceitos e interpretações que outro não

mobilizou. Para Orlandi, uma análise não é igual a outra pois, cada uma mobiliza diferentes conceitos e isso possui efeito direto na descrição dos materiais examinados (1999, p.27).

Orlandi explica que um analista do discurso forma um mecanismo de interpretação.