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3 Metodologia do estudo

3.5 Análise dos dados

A Análise do Discurso (AD), enquanto orientação metodológica da pesquisa (GODOI, 2006), guiou inicialmente a fase de coleta de dados e se consolidou na fase da análise dos dados. Cabe destacar, nessa seção, suas principais definições e tradições, delimitar qual a orientação da Análise do Discurso se seguiu e os procedimentos utilizados na condução da análise em si.

A AD pode ser entendida como uma “interpretação fundamentada em uma argumentação detalhada e uma atenção cuidadosa ao material que está sendo estudado” (GILL, 2007, p. 266). Esta atenção minuciosa do material envolve a preocupação com o texto em si, mas também com o contexto em que este se insere. Sobre a interação entre o texto e o contexto na AD, Alba-Juez (2009) destaca que todas as abordagens da AD vêem texto e contexto como os dois tipos de informações que contribuem para o conteúdo das comunicações. Assim, uma das primeiras distinções importantes refere-se ao entendimento dos termos ‘texto’ e ‘contexto’.

O ‘texto’ é o conteúdo lingüístico: o significado semântico estável das palavras, expressões e frases, mas não as inferências avaliadas pelos pesquisadores dependendo do contexto no qual as palavras, expressões e frases foram utilizadas [...] ‘contexto’ é, portanto, um mundo no qual as pessoas produzem seus significados: pessoas que possuem identidades sociais, culturais, e pessoais, conhecimento, crenças, objetivos e desejos, e que interagem umas com as outras em diversas situações sociais e culturais (SCHIFFRIN apud ALBA-JUEZ, 2009, p. 8). Nesse sentido, a AD pode ser definida como “a análise do uso da linguagem” (ALBA- JUEZ, 2009; MAINGUENEAU, 1993; VAN DIJK, 2005). Como destaca Maingueneau (1993, p. 10) a AD se diferencia da análise de conteúdo, pois “enquanto a análise de conteúdo percorre os textos para codificá-los, a análise do discurso exige uma leitura verdadeira, conseqüentemente, próxima da explicação de textos”. Assim, o caráter interacional entre texto e contexto parece ser uma das características mais marcantes da AD.

Vale ressaltar que existem diversas Análises do Discurso, variando de acordo com as tradições teóricas e diferentes formas de tratamentos de acordo com as disciplinas (GILL, 2007). De acordo com Godoi (2005) os modelos mais conhecidos os quais refletem as

tradições da Análise do Discurso são: O modelo transformacional de Chomsky (tendência americana); o modelo da filosofia de Austin e Searle (tendência britânica); os modelos pragmático de Habermas e hermenêutico de Gadamer (tendência alemã); e os modelos da escola francesa de análise do discurso.

Conforme reforça Alba-Juez (2009), a origem da AD teve como tradição a análise lingüística do ponto de vista sintático do texto com a escola de Chomsky. A partir de então, outras escolas foram surgindo em diferentes partes do mundo, algumas acrescentando outros aspectos na análise lingüística (como, por exemplo, os diferentes estudos sobre semiótica), outras tendendo para o estudo do texto enquanto parte de um contexto (pragmática) e, mais recentemente, há uma tendência da Análise Crítica do Discurso.

Cabe distinguir, então, as abordagens semântica e sintática, as quais deram origem aos estudos dos signos e da linguagem. Para Armengaud (2006, p. 12) “a abordagem semântica trata da relação dos signos, palavras e frases com as coisas e com os estados das coisas; é o estudo do conjunto do sentido”. Por sua vez, a abordagem sintática “estuda as relações dos signos entre si, das palavras na frase ou das frases nas seqüências de frases; tenta-se formular regras de boa formação para as expressões e regras de transformação das expressões em outras expressões [...] para que os fragmentos assim gerados sejam providos de sentido”.

Essas abordagens influenciaram, portanto, as primeiras delimitações da AD, a qual inicialmente foi desenvolvida e utilizada pela lingüística, antropologia e filosofia (SHIFFRIN

et al., 2005). Mas, atualmente, está sendo aplicada por outras disciplinas como comunicação,

psicologia cognitiva, psicologia social e inteligência artificial. Godoi (2006) lembra ainda que a AD vêm sendo utilizada nos estudos organizacionais na perspectiva social hermenêutica, sob a qual se pretende desenvolver uma reconstrução dos sentidos dos discursos e dos interesses dos sujeitos nas organizações.

Devido a essa diversidade de disciplinas que se utilizam da AD, Schiffrin et al. (2005) admitem que os termos ‘discurso’ e ‘análise do discurso’ tenham diferentes significados para os pesquisadores de campos de estudo diferentes. “Para muitos, particularmente os lingüistas, ‘discurso’ tem sido definido genericamente como algo ‘por trás do enunciado’. Para outros estudiosos, o discurso é o estudo da linguagem em uso” (SCHIFFRIN et al., 2005, p. 1).

Trazendo essa discussão para o campo de estudos do comportamento do consumidor, Sitz (2008) analisa que a semiótica (ARNOLD et al., 2001; STERN et al., 1998), a hermenêutica (ARNOLD; FISCHER, 1994; THOMPSON, 1997; THOMPSON et al., 1990) e a análise narrativa (SCOTT, 1991; STERN, 1998), cada uma tem sido introduzida como um método para se entender o consumo. A análise do discurso, por sua vez, compartilha os interesses

individuais desses métodos com relação à linguagem enquanto estruturadora da ação social, mas se distingue pelo seu interesse específico no nível discursivo.

O nível discursivo da AD compreende a interação entre texto e contexto (SITZ, 2008). Nesse nível, situa-se, mais especificamente, a tradição pragmática do discurso a qual inicialmente foi definida como sendo “a parte da semiótica que trata da relação entre os signos e os usuários dos signos” (MORRIS, 1938 apud ARMENGAUD, 2006, p. 11).

Sobre a questão do significado da linguagem, Mattos (2006, p. 357) alerta que “a linguagem não é o veículo de um significado imaterial produzido de forma autônoma pela mente [...] diferentemente, ela é uma prática cultural-simbólica que se transmite e impõe pelo hábito”. Este mesmo autor ressalta a influência da obra de Wittgenstein nos estudos teóricos sob a denominação da ‘pragmática da linguagem’, o qual firmou a linguagem na categoria de ação, analisando que:

Seguimos regras de significar; praticamos, com os outros, interações por linguagem, ‘jogos de linguagem’ (p. 53); internalizamos e sofisticamos imensamente esses ‘jogos’. De muitas formas somos socialmente treinados em praticar significados com linguagem. Assim, diz Wittgenstein (1996), o significado é um uso (p. 43) e são absolutamente inumeráveis (p. 35) as formas de compor jogos de linguagem, simplesmente porque são ações humanas no fluxo incessante da vida (p. 35). Só aproximadamente e temporariamente se repetem os significados, mesmo que possam ser descritos como ‘famílias’ (p. 52)”.

Como analisa Armengaud (2006), sobre a segunda obra de Wittgenstein (Investigações filosóficas), a qual revela o ‘segundo’ Wittgenstein, há uma substituição do paradigma da expressividade pelo da comunicabilidade. Nesse sentido, esclarece-se o entendimento do significado construído pelas ações humanas, reforçando, assim, a natureza socio- construcionista do discurso (SITZ, 2008).

Nesta tese foi utilizada a análise do discurso a partir da dimensão pragmática da linguagem, tal como explicitada por Mattos (2006, p. 358) “metodologicamente, não devemos armar-nos com moldes rígidos – categorias nas quais enquadrar os significados das falas que nos chegam, em entrevistas, por exemplo -, mas fixar-nos primeiro na ação em curso”. Dessa forma, delimitou-se como foco da análise os significados das emoções enquanto produzidos pela ação do consumo dos serviços extremos, especificamente com a prática das atividades de turismo de aventura. Conforme reforça Mattos (2006, p. 359) “a perspectiva teórica da pragmática da linguagem nos deixa atentos ao que ali se faz”.

Assim, buscou-se analisar o texto narrado sobre as experiências de consumo, tal como descritos pelos consumidores de turismo de aventura, mas levando-se em consideração o

contexto interpretativo observado pela pesquisadora no momento das entrevistas e registrado como notas de campo. Para isso, seguiu-se a orientação sugestiva de Mattos (2006) no que se refere aos procedimentos da análise do discurso em si, o qual se divide em quatro etapas: recuperação da entrevista; análise do significado pragmático da conversação; consolidação das falas; e análise de conjuntos.

3.5.1 Recuperação da entrevista

A recuperação da entrevista foi o primeiro procedimento realizado, no qual, segundo Mattos (2006, p. 366) “É preciso primeiro recuperar, em sentido amplo, o momento da entrevista; transcrever o que foi gravado, depois de ouvir a gravação atentamente, fazendo anotações preliminares, de memória, sobre significados que parecem emergir de alguns momentos especiais e que ficarão no aguardo da análise”.

A transcrição foi realizada pela própria pesquisadora em paralelo à fase da coleta de dados. Esta deve ser feita o mais próximo da data da entrevista para não perder nenhum detalhe (MATTOS, 2006). Assim, foram colocados no início de cada entrevista as anotações de referência, tais como: o local, a data, a posição das entrevistas no gravador (entrevista antes e depois da atividade), o número de ordem do entrevistado, o seu nome, idade, local de origem, a atividade que ele realizou, a quantidade de vezes que o entrevistado havia estado no local e a quantidade de vezes que o mesmo havia praticado a atividade. Foram transcritas também algumas circunstâncias especiais como no caso de quem o entrevistado estava acompanhando, se sozinho ou em grupo (família, amigos).

Essa etapa despendeu certo tempo, uma vez que cada indivíduo possuía duas entrevistas (antes e depois da atividade), totalizando quase 4 horas de entrevistas. Então, passou-se ao procedimento seguinte que foi a análise do significado pragmático da conversação.

3.5.2 Análise do significado pragmático da conversação

A análise do significado pragmático da conversação trata-se da análise básica do texto feita em dois momentos distintos e uma revisão dessa análise (MATTOS, 2006). Sobre o momento decisivo da interpretação da unidade textual, que geralmente se refere à resposta a uma pergunta, este autor sugere que se deve articular os três níveis: sintático, semântico e pragmático. Sendo que na análise da conversação (entrevista enquanto evento dialógico), é

preciso começar pelo nível pragmático, tentar trabalhar conjuntamente o nível semântico e deste, possivelmente ir ao nível sintático (este último indispensável para os lingüistas).

Esta análise centrou-se no nível pragmático-semântico a partir da interpretação dos significados das emoções enquanto produzidos pela ação dos consumidores de serviços extremos. Mas cabe aqui distinguir que tipo de análise dos significados se perseguiu, pois como esclarece Mattos (2006, p. 365) “consideram-se dois tipos ou níveis de análise em que seria possível buscar evidências a partir do próprio uso da linguagem: a análise do significado semântico-pragmático da conversação e a análise lingüística”. Nesta análise, delimitou-se, portanto, ao primeiro tipo que, segundo Mattos (2006, p. 365):

A análise do significado semântico-pragmático procura a compreensão dos

significados de macrotextos (‘significado nuclear’), unidades maiores de resposta

com seus desdobramentos em uma ou mais perguntas; dos significados incidentais

relevantes, digressões e outros elementos mal contextualizados na fala, mas de alto

interesse; e, ainda, dos significados de contexto, pressupostos ou implicados em cada resposta ou emergentes da relação de várias respostas [grifos do autor].

Dessa forma, procedeu-se a análise básica do texto da entrevista que, no primeiro momento, contemplou uma leitura inicial do texto de cada entrevista tentando identificar aspectos do contexto pragmático do diálogo, como a responder a algumas perguntas: o que aconteceu ali naquela entrevista? Como o assunto foi se desenvolvendo? Onde ocorreram os ‘pontos altos’ e os momentos de ‘ausência’? Que respostas extrapolaram para outras perguntas? Assim, foram colocadas anotações à margem do texto.

No segundo momento da análise básica do texto foi feita uma segunda leitura com o intuito de observar cada parte de pergunta-resposta e os fatos anotados anteriormente. Assim, foram surgindo os três tipos de significados semântico-pragmáticos de cada fragmento de texto (resposta): o significado nuclear da resposta; os significados incidentes; e os significados de contexto.

No terceiro momento, foi feita uma revisão do texto para organizar melhor as anotações que seriam utilizadas na redação final da análise, juntamente com os trechos das transcrições das entrevistas selecionados.

3.5.3 Consolidação das falas e análise de conjuntos

A montagem da consolidação das falas é importante para aproximar relatos, opiniões e atitudes dos entrevistados. Esta etapa “consiste na transcrição dos dados colhidos, pelo menos

os da análise dos significados nucleares das respostas, para uma matriz de dupla entrada: em uma as respostas dos entrevistados, possivelmente aproximados por características de estratificação, em outra as perguntas” (MATTOS, 2006, p. 369).

Uma vez que as perguntas tiveram certa flexibilidade com relação ao roteiro de entrevista, a matriz foi elaborada a partir das respostas dos entrevistados para cada linha de investigação que se seguiu no roteiro (Apêndice C).

Por fim, foi realizada a análise de conjuntos como o último procedimento da AD para então compor a redação da análise dos dados. Mattos (2006) sugere que primeiro, deve-se visualizar os fatos de evidências relativos a cada entrevistado, no conjunto das suas respostas, quando se identificarão ‘respostas retardadas’ ou ‘antecipadas’; e em seguida, deve-se visualizar os fatos de evidência relativos a cada uma das perguntas; e finalmente, deve-se refletir sobre todo o conjunto das entrevistas.

A partir das observações conclusivas sobre os conjuntos e subconjuntos das respostas, iniciou-se nessa etapa, a redação do texto da análise tentando contextualizar os argumentos com o referencial teórico revisado. Dessa maneira, julgou-se mais didático, organizar o capítulo da análise dos dados de acordo com os principais construtos investigados, os quais correspondem às perguntas de pesquisas, sendo respondidas individualmente até culminar na análise final que responde à pergunta central da tese.