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3 Metodologia do estudo

3.6 Critérios de validade e confiabilidade na pesquisa

Toda pesquisa deve apresentar resultados válidos e confiáveis. A qualidade de uma pesquisa está diretamente relacionada ao modo como os aspectos de validade e confiabilidade são assegurados (MERRIAM, 2002). No caso das pesquisas qualitativas cujo pesquisador é o principal instrumento de coleta e análise de dados (PATTON, 2002) e suas interpretações da realidade são acessadas diretamente por meio das observações e entrevistas, a questão é: como se avaliam a validade (interna e externa) e a confiabilidade de um estudo qualitativo?

Um dos caminhos para solucionar essa questão é a busca de critérios próprios da pesquisa qualitativa, mas que sejam equivalentes quanto às suas funções aos critérios de validade e confiabilidade já tradicionais na pesquisa quantitativa. Conforme esclarecem Gaskell e Bauer (2007, p. 480) “nossa postura, fundamentada na defesa do ethos científico na pesquisa social, é a procura de critérios com equivalência funcional à tradição quantitativa”. Não se trata, portanto, de competir com os critérios existentes, nem de rejeitá-los.

Como reforçam Carson et al. (2005) a validade e a confiabilidade na pesquisa qualitativa envolvem critérios, tais como: a) uso cuidadoso, interpretação e acesso à literatura apropriada, desde que seja para referenciar os construtos teóricos centrais da pesquisa, ou para servir como uma teoria de base; b) justificação cuidadosa das metodologias aplicadas no estudo qualitativo e seus respectivos méritos e vantagens; c) estruturação cuidadosa da análise dos dados para garantir uma descrição rica e completa, particularmente sobre os dados de fundamental importância para explicar o fenômeno estudado.

A validade interna de um estudo corresponde ao nível de congruência dos achados com a realidade. Um dos pressupostos da pesquisa qualitativa é que a realidade é holística, multidimensional e está em constante mudança, uma vez que os indivíduos têm sua própria maneira de concebê-la. Portanto, nos estudos qualitativos o que está sendo investigado é a construção da realidade a partir das pessoas envolvidas e apresenta-se uma interpretação dos significados que elas dão às suas vidas, suas experiências ou como entendem certos processos (MERRIAM, 2009). Para isso, Carson et al. (2005) sugerem que as pesquisas de campo devem ser realizadas no ambiente natural do fenômeno e os entrevistados podem ser escolhidos pela sua relevância e não pela representatividade, pois o valor dos resultados da pesquisa qualitativa depende da relevância e adequação ao contexto-base do fenômeno.

Uma das estratégias mais aplicadas nas pesquisas qualitativas para lidar com a validade interna é a triangulação. Carson et al., (2005) propõem quatro tipos de triangulação: o uso de múltiplos métodos, diferentes fontes de dados, múltiplos investigadores, ou múltiplas teorias para confirmar a consistência dos resultados. Por meio do uso de múltiplas fontes de dados, o pesquisador coleta dados a partir de uma combinação de entrevistas, observações e documentos. Assim, o que o entrevistado diz pode ser confrontado com o que é observado em campo, ou o que se lê nos documentos pode concordar ou não com o que foi investigado (MERRIAM, 2009).

Nesta pesquisa foi utilizada a triangulação com o uso de múltiplas fontes de dados através da aplicação de entrevistas pessoais e observação direta. As entrevistas pessoais foram realizadas duas vezes com cada indivíduo praticante de turismo de aventura, uma antes e outra após o consumo. Estas foram confrontadas ao mesmo tempo com a observação direta sobre a prestação de serviços. Foram observadas ainda outras manifestações tais como gestos, expressões, tom da voz, entre outros, os quais demonstravam com mais clareza as emoções vivenciadas durante a experiência. Dessa forma, pode-se obter uma descrição mais detalhada e completa sobre os significados das emoções nas experiências de serviços extremos.

Uma garantia adicional de validade interna na pesquisa qualitativa emerge quando os achados se tornam cada vez mais repetidos, isto é, saturados. Isso significa que o pesquisador está em uma situação em que “começa a ver e ouvir as mesmas coisas o tempo todo sem que nenhuma nova informação surja enquanto se coleta mais dados” (MERRIAM, 2009, p. 219). Para garantir a saturação neste estudo, a pesquisadora conduziu toda a coleta de dados com foco nos propósitos da pesquisa e observado atentamente as respostas até que estas não apresentassem mais novos achados.

A confiabilidade refere-se à extensão na qual os achados podem ser replicados. Nos estudos qualitativos, a replicação é problemática haja vista a dinamicidade das relações sociais e do comportamento humano. Desse modo, na pesquisa qualitativa, a confiabilidade está ligada à consistência dos resultados apresentados em face das informações coletadas (MERRIAM, 2009).

Tendo em vista a limitação na replicação, o pesquisador deve demonstrar que os dados são consistentes com a realidade tal como entendida pelos participantes do estudo. Para se alcançar transparência na apresentação dos dados de modo a permitir que os leitores avaliem a confiabilidade elabora-se a trilha de auditoria – “audit trail” (MERRIAM, 2009, p. 222). Basicamente deve-se informar em detalhes como os dados foram coletados, como as categorias foram derivadas e como as decisões foram tomadas ao longo do estudo. Estes se referem à transparência e clareza nos procedimentos (GASKELL; BAUER, 2007) e foram detalhados anteriormente na sessão de metodologia.

Outro critério que se relaciona com a confiabilidade é a reflexividade do pesquisador. Denomina-se reflexividade essa necessidade de auto-reflexão do pesquisador durante o trabalho de campo, em que se “deve observar a si e aos outros bem como suas interações consigo e com os outros” (PATTON, 2002, p. 299). Esse olhar a si mesmo e aos outros, no entanto, deve ter como ponto de partida a consciência de perspectivas diferentes e deve ser guiado pelo foco da pesquisa (GASKELL; BAUER, 2007). A pesquisadora utilizou este critério durante a análise dos dados na medida em que foram surgindo inconsistências sob a forma de contradições nas falas dos entrevistados, mas sem deixar de considerá-las como parte dos resultados. O importante era tentar compreender os significados das emoções tal como expressados pelos entrevistados. Com isto, tentou-se evitar possíveis vieses na interpretação dos dados.

A validade externa corresponde ao aspecto da generalização dos resultados que existe nos estudos quantitativos. Para a pesquisa qualitativa a validade externa é a extensão na qual os resultados ou achados podem ser aplicados aos contextos dos leitores, isto é, a validade é

atribuída externamente sob a perspectiva da audiência a qual se dirige o trabalho (MERRIAM, 2002). O pesquisador assegura a validade externa ao prover à sua audiência detalhamento suficiente sobre o contexto do estudo de modo que as comparações possam ser feitas. Nesse sentido, Carson et al. (2005, p. 69) reforçam que “A pesquisa qualitativa pode incluir uma variedade de respondentes e ambientes, para tentar garantir que os resultados possam ser transferidos para diversas situações”. Mas, alertam que nenhum estudo pode ser generalizado para além do seu próprio escopo.

De fato, o objetivo da pesquisa qualitativa difere do foco da generalização estatística de trabalhos quantitativos, mas é razoável esperar que alguns achados possam ter alguma possibilidade de transferência para contextos semelhantes (MERRIAM, 2009). Assim, pode- se considerar o aspecto de extrapolação. A extrapolação é uma especulação modesta sobre a possibilidade de aplicação dos achados a outras situações sob condições similares, mas não idênticas (PATTON, 2002).

Dessa forma, a idéia de se utilizar critérios de qualidade, os quais possuem equivalência funcional com a validade e a confiabilidade da pesquisa, foi destacada a partir da triangulação com o uso de múltiplas fontes de dados, da saturação dos achados, da transparência e clareza nos procedimentos, da reflexividade do pesquisador, e uma descrição detalhada sobre o contexto de pesquisa, permitindo a extrapolação dos resultados por parte dos leitores.