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3.5 Procedimento de análise

3.5.2 Análise dos diários de campo

Após análise das entrevistas, retomamos a leitura dos diários de campo com objetivo de destacar aspectos contextuais e relacionais que influenciam a construção do modelo de gestão de cada unidade. Com esse levantamento, analisamos se e, como, esses aspectos se aproximam ou afastam de uma gestão compartilhada, conforme compreendida e descrita com os profissionais nas entrevistas e em diálogo com os parâmetros estabelecidos nos fundamentos ideológicos da Cogestão na PNH.

Esse momento se configura como segunda análise dos diários de campo. Retomamos o conteúdo dos diários na íntegra e fomos construindo um novo documento (arquivo do Word) em que descrevíamos os aspectos contextuais e relacionais observados por dia. Por exemplo, o trecho que no diário de campo estava descrito dessa forma:

Mas me chamou bastante atenção o modo como a conversa flui, a dinâmica do grupo me pareceu funcionar como um grupo de trabalho. Todos estavam ali com um objetivo, aparentemente comum, todos se sentiam responsáveis pelo que conversavam, todos pareciam livres para expressar suas opiniões, para discordar, ou para dar novas ideias. Mesmo com relação aos comentários que a gerente fazia. Vi, em vários momentos, a gerente dizer algo, e alguns da equipe refletirem sobre o que ela falou, proporem algo diferente e ainda negociarem o que seria possível. Em alguns casos, era necessário que alguém se candidatasse para algo pontual, por exemplo, uma palestra, ou reunião em outro lugar. A ideia era lançada e os profissionais que se ofereciam para fazer. Não vi uma delegação de atividades acontecendo. Hora ou outra os profissionais faziam alguma brincadeira e descontraíam um pouco a reunião (Trecho recortado do diário de campo – Primeiro Dia, Primeiro Mês – NSF).

Após essa nova leitura, esse trecho era descrito no novo arquivo de forma resumida indicando a centralidade do que foi observado e, também, analisado:

Primeiro dia do primeiro mês – 06/02/2016

Dinâmica do grupo na reunião – grupo de trabalho – aparente engajamento de todos

– opinavam, discordavam da gerente e da enfermeira em alguns momentos, se candidatavam para as atividades (não era algo delegado, mas uma escolha). Buscavam delinear, conjuntamente, ações frente aos assuntos. A participação acontece no modo como se relacionam – cultura participativa/gestão compartilhada dos assuntos. Aspectos que parecem favorecer: ter o lugar e o momento para fazer uma reunião coletiva; a forma como a reunião foi conduzida (convite para pensarem juntos); relação anterior a esse momento que faz com que se sintam à vontade para participar (quais são os elementos desse contexto que favorece esse modo de se relacionar?).

O intuito ao fazer esse novo arquivo foi o de reduzir os dados, organizar as informações contidas nos diários, e ao mesmo tempo, levantar elementos para serem analisados e discutidos. Essa organização nos permitiu ter uma visão global de aspectos marcantes, como, por exemplo, dispositivos, formas de receber novos profissionais, funcionamento das reuniões etc., que contribuíram para a análise e descrição de cada modelo de gestão, em termos contextuais e relacionais. Para descrever esses modelos e seu funcionamento, delineamos os aspectos específicos a cada unidade os quais serão detalhadamente descritos na seção de resultados e conectados com a análise das entrevistas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados apresentados correspondem à análise das entrevistas em seu conteúdo, além de reflexões realizadas durante a etapa de imersão em campo e sua posterior análise. Desenvolvemos como resultado central uma descrição da cultura construída em cada uma das unidades de saúde, pautada em três focos centrais: o contexto, a dinâmica relacional e a produção de sentidos. Esses focos, embora estejam apresentados separados, na prática estão imbricados e geram influências mútuas. A descrição da cultura fundamentou-se nos parâmetros específicos do modelo de gestão compartilhada indicado como uma das diretrizes da PNH.

Com a intenção de facilitar a visualização da análise, construímos uma figura que representa os três focos e a forma como consideramos que se relacionam ao sustentar a cultura observada, com influências mútuas (a seta não tem começo e fim, apontando para todas as direções), e, ao mesmo tempo, limitados por um contexto sócio-histórico, o qual participa das possibilidades de transformação ou manutenção dessa cultura local observada.

Consideramos a complexidade envolvida no tema trabalhado e também as limitações de nossa análise, que não abarca todos os aspectos envolvidos na construção social da cultura de cada unidade de saúde; há muitos elementos que ficam de fora. Contudo, o recorte analisado nos permite construir essa descrição que, apresentada no formato da figura abaixo, pretende facilitar a visualização do caminho percorrido e descrito como resultado, de forma a manter o rigor da pesquisa (Spink & Menegon, 2004).

A forma como o contexto específico de cada unidade se organiza influencia no modo como os profissionais se relacionam e vice-versa, um aspecto reforça e retroalimenta o outro. Contudo, esse processo não se dá de maneira linear, mas sim de forma complexa, uma vez que há outros fatores que influenciam essa construção. Esses dois aspectos, por sua vez, geram possibilidades de entendimento com relação ao próprio trabalho e ao modo como ele é desempenhado pelo grupo de profissionais. Essas possibilidades de entendimento correspondem aos sentidos construídos nas entrevistas, ao modo como os profissionais, em diálogo com as pesquisadoras, descrevem a gestão das unidades e analisam ações correspondentes à humanização.

Para apresentar os resultados, organizamos o texto da seguinte forma. Primeiramente descrevemos as especificidades de cada contexto observado. De maneira geral, é possível notar que as diferenças contextuais favorecem ou limitam a possibilidade de se construir um modelo de gestão compartilhada. Nesse sentido, a análise e discussão desenvolvidas permanecem ancoradas nessas diferenças. Importante destacar que não pretendemos indicar qual das equipes é melhor no que se refere à gestão compartilhada, mas sim aquela que mais se aproxima do que preconiza a política e quais são os aspectos que facilitam ou dificultam essa aproximação. Nossa compreensão parte do princípio de que os modelos de atenção das

unidades são diferentes e constroem realidades distintas para a organização dos processos de trabalho das equipes, que, muitas vezes, se adaptam à realidade organizacional

e trabalham com os recursos que possuem.

Após apresentação do contexto, descrevemos alguns elementos da dinâmica relacional estabelecida entre os profissionais de cada uma das unidades de saúde. Essa análise busca responder ao objetivo específico (c), com relação à dinâmica das equipes em cada contexto, o que se articula à construção de sentidos detalhada no próximo item.

Como terceiro subitem dos resultados, descrevemos os sentidos construídos durante as entrevistas sobre humanização da gestão e sobre ações práticas, resultados que contemplam os objetivos específicos (a) e (b). Esses objetivos têm em comum o foco central no conteúdo e são atravessados pela forma como a equipe se descreve e como significa sua atuação.