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4.3 Sentidos construídos sobre humanização da gestão e sobre ações práticas

4.3.1 Participação das Decisões

A seguir apresentamos tabelas com os sentidos construídos e práticas no que se refere à participação das decisões para cada um dos contextos analisados. Posteriormente,

discorremos sobre cada uma das tabelas, apontando discussões e reflexões específicas a cada unidade de saúde.

Tabela 11 – Participação das Decisões e Gestão Humanizada no Contexto do Núcleo de Saúde da Família

Tema: Participação das Decisões

Sentidos de humanização da gestão Práticas de humanização da gestão

Ter espaço para se comunicar sobre diversos assuntos (trabalho ou questões relacionais).

Reuniões Administrativas.

Tabela 12 – Participação das Decisões e Gestão Humanizada no Contexto da Unidade Básica de Saúde

Tema: Participação das Decisões

Sentidos de humanização da gestão Práticas de humanização da gestão

Poder opinar sobre organização do trabalho quando apresentada para a equipe.

- Opinar sobre a escala quando esta é apresentada;

- Escolher uma posição de trabalho que mais agrade quando a escala é apresentada;

- Falar das insatisfações frente à organização do trabalho;

- Sentir haver acesso à chefia;

- Chefia buscar satisfazer profissionais dentro do possível.

Conforme apresentamos, em ambos os contextos a gestão humanizada é descrita como a possibilidade de participar das decisões sobre a organização do trabalho. Essa ideia geral, de participar das decisões sobre o próprio trabalho são indicadas pela PNH na cartilha sobre a diretriz Cogestão (Brasil, 2012a).

No entanto, uma análise detalhada nos permite descrever que o sentido de “participação” difere em cada um dos contextos. Assim, no que se refere à participação, no NSF, uma gestão humanizada significa “Ter espaço para se comunicar sobre diversos

assuntos (trabalho ou questões relacionais)”, ou seja, ter a possibilidade de poder falar e ser ouvido é indicada como algo que possibilita o sentir-se “humano”. A equipe destacou a importância de poder conversar sobre aspectos relacionais, que geram conflitos em alguns momentos, mas também reconhece a necessidade de aprimorar a comunicação. Essa, às vezes, fica atravessada (não conseguem trabalhar com transparência algumas questões conflituosas e não sabem como poderiam fazer, o que prejudica o trabalho da equipe). Em nossa análise, notamos que o espaço de troca no NSF é proporcionado pelas “reuniões administrativas” das quais todos participam ativamente, inclusive na construção das propostas, antes da tomada de decisão. A seguir, apresentamos um trecho de entrevista que ilustra a construção desses sentidos.

Tânia [enfermeira]: Acho que... [falam algo baixinho inaudível] acho que... já foi falado, a questão desse espaço de troca, né? [falaram desse aspecto quando questionados sobre o funcionamento da gestão da unidade] Eu acho que a gente... o fato de se ouvir, ou de pelo menos, com dificuldade de comunicação [se refere à fala de uma colega que apontou haver dificuldades para conversas transparentes em algumas situações – nem sempre conseguem se comunicar bem para resolver conflitos], que acho que sempre pode ser aprimorado, mas, ter espaço para parar o trabalho e se ouvir, e tentar ali, é... identificar onde que o conflito começou, como que aquilo ali pode ser resolvido de uma forma, né? Assim ali, pontual que não tenha repercussões maiores nem pra equipe e nem pra vida pessoal, eu acho que esse espaço de escuta, ele é um momento de humanização assim. Assim, eu me sinto mais gente, e também me sinto trabalhando com gente, quando a gente consegue se ouvir... (NSF - E P18 L10-17).

No caso da UBS, a participação, incluída como característica de uma gestão humanizada, é descrita, de forma geral, como “Poder opinar sobre organização do trabalho quando apresentada para a equipe”. Esse sentido atribuído à participação, bem como as possibilidades práticas para que essa participação aconteça, descrevem uma relação hierárquica em que se participa “opinando” sobre algo previamente construído, conforme descrito: “Opinar sobre a escala quando esta é apresentada; Escolher uma posição de trabalho que mais agrade quando a escala é apresentada; Falar das insatisfações frente à organização do trabalho; Sentir haver acesso à chefia; Chefia buscar satisfazer profissionais dentro do possível”.

Assim, a participação não apenas tem um sentido distinto, ela se constrói de forma diferente do NSF, como buscamos demonstrar na análise dos contextos e das dinâmicas relacionais de cada equipe. No contexto da UBS, participação significa poder opinar, ter acesso à chefia, poder sentir liberdade para dizer das insatisfações, e a partir desse sentido que atribuem à humanização da gestão, os profissionais consideram praticar a humanização da gestão, pois muitos deles sentem essa liberdade para opinar nas decisões apresentadas pela chefia. O trecho a seguir ilustra a análise desenvolvida quanto ao sentido de participação no contexto da UBS:

Giovanna: (...) Com relação à humanização da gestão do trabalho, o que vocês pensam sobre isso? E aí lembrando que vocês podem pensar várias coisas diferentes... [antes da entrevista, com objetivo de que os participantes se sentissem à vontade, falei que eles poderiam ter opiniões e pensamentos diferentes] Não precisam ter uma resposta certa e única... quando a gente fala “humanização da gestão do trabalho”, o que vem na cabeça? O que é isso?

Júlia [auxiliar de enfermagem]: Me veio a escala, estar dispensando a gente, da chefia pensar no funcionário, o que é o melhor pra gente... você poder escolher uma escala...

Giovanna: É... aí quando você pensa em humanização, é nesse sentido de poder opinar sobre a escala que é o que vai definir o seu trabalho...

Júlia: Isso, é o que for melhor pra gente. Achar o que for melhor pra mim. Humanização, é isso que eu pensei... (UBS – E1 P18 L14-23).

Essa ideia de participação como “liberdade para dar sugestões ou opiniões” é sustentada também por Becchi et al. (2013) ao relatarem a experiência conduzida em um Núcleo Integrado de Saúde. Os autores comentam sobre a implantação de uma caixa de sugestões como uma forma de incluir aqueles não presentes nas reuniões do Grupo de Trabalho em Humanização. Essa ideia de que opinar é participar nos parece decorrer de uma visão simplista de participação. A proposta da Cogestão é abrir espaço para a conversa, para a negociação de sentidos, para uma reflexão conjunta e que inclua diferentes pontos de vista para análise.

Como apontado, esse entendimento se difere do sentido atribuído pela equipe do NSF, em que a participação significa construção coletiva de propostas e compartilhamento das decisões. Essa ideia não exclui a possibilidade de haver uma hierarquia, mas essa se torna

diluída em boa parte do tempo nas discussões em equipe. Da mesma maneira como na UBS, a equipe do NSF entende praticar a humanização da gestão nos momentos em que se reúnem e conversam sobre as questões da unidade.

Importante destacar, como indicado acima e de acordo com o que fora apontado pelos profissionais do NSF, que o fato de haver uma construção coletiva não significa que não haja uma hierarquia, inclusive necessária. Em alguns casos, principalmente momentos em que há impasses na tomada de decisão, a equipe se sente segura por poder deixar nas mãos da coordenação algumas das decisões. Além da coordenadora, há ainda uma hierarquia superior a ela, pois muitas decisões e diretrizes chegam de cima para baixo com uma indicação “cumpra-se” (da instituição que coordena os núcleos, das Secretarias de Saúde ou do próprio Ministério da Saúde). Porém, nesses casos, a equipe do NSF se sente fortalecida para acatar e, ao mesmo tempo, adaptar ao seu contexto, como uma decisão coletiva, em que a divisão de responsabilidade fortalece o grupo, não recaindo sobre um único profissional. Esses apontamentos sobre a especificidade das funções, a presença da hierarquia e o modo como a equipe pode lidar com essas questões é algo proposto e discutido por Campos (2007).

Portanto, embora a participação seja bastante valorizada e considerada como aspecto central de uma gestão humanizada, o seu significado difere em cada um dos contextos. Enquanto no contexto do NSF a participação é compreendida como a construção coletiva de discussões e reflexões sobre o trabalho e sobre as relações (para tomada de decisões ou para flexibilizar decisões que venham “de cima” e adequá-las ao contexto e à realidade da equipe), no contexto da UBS participação significa poder dizer o que pensa quando a organização do trabalho é apresentada.