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4.1 Aspectos Contextuais das Unidades de Saúde

4.1.2 Unidade Básica de Saúde Tradicional

A UBS participante do estudo foi inaugurada na cidade em 1987, portanto é anterior à Constituição de 1988 a qual instituiu o SUS. Seu funcionamento inicial mantinha a Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e sala de vacina. A população procurava

atendimento indo até a unidade e solicitando consulta. Por ser uma unidade antiga, passou por uma série de mudanças ao longo de seu processo histórico. O modelo de gestão sofreu transformações que acompanhavam os modos de operar dos gerentes nomeados para coordenar a unidade em cada momento. Por um período, tiveram a composição de uma Equipe de Saúde da Família, em que os médicos já contratados passaram a atuar nesse novo modelo, embora não tivessem formação em Medicina de Família e, posteriormente, a unidade permaneceu somente com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, o qual também se extinguiu. Embora não seja objetivo desta pesquisa descrever em detalhe essa longa história, resgatá-la minimamente nos oferece parâmetros para analisar o modo como o contexto se constrói.

Atualmente, a Unidade Básica de Saúde tradicional possui um modelo de gestão e uma estrutura organizacional distintos dos que foram descritos sobre o Núcleo de Saúde da Família. O modelo de atenção, característica do contexto, difere, conforme será explicitado abaixo, o que gera um funcionamento da equipe bastante diverso e com pouco subsídio estrutural para a construção de uma gestão compartilhada.

O que se observa nesse contexto é a predominância de uma cultura organizacional fortemente pautada na divisão de tarefas e de responsabilidades por setor, o que gera uma rotina estruturada com baixa necessidade de participação e de compartilhamento das decisões. O critério de escolha dos aspectos destacados abaixo foi, assim como no caso do Núcleo de Saúde da Família, observar os efeitos que eles geram, como a possibilidade de manutenção da cultura observada, em que há menor nível de corresponsabilização e compartilhamento da gestão.

Dentre os aspectos do contexto dessa unidade tradicional participante do estudo, destacamos nessa análise: estrutura organizacional, modelo médico e ausência de reuniões, horário de funcionamento, e organização do espaço físico.

A estrutura organizacional da Unidade Básica de Saúde se construiu a partir de um modelo de atenção anterior ao SUS e à Estratégia Saúde da Família. Embora as Unidades Básicas de Saúde componham a rede de Atenção Básica do município e possuam ações próprias e diferentes das do Núcleo de Saúde da Família, o modelo de atenção se mantém, em muitos casos, fortemente pautado no modelo médico, e a unidade tende a funcionar como um pronto atendimento.

Hoje as unidades tradicionais podem aderir ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde ou à Estratégia Saúde da Família (desde que respeitados os parâmetros mínimos), mas a estrutura organizacional nuclear de uma unidade tradicional se mostra bastante diferente de

uma unidade de Saúde da Família, pois não preconiza tão fortemente a atuação da equipe multiprofissional. Assim, consideramos que mesmo com a implantação do PACS ou ESF, devido à estrutura organizacional do contexto, algumas dificuldades seriam enfrentadas pelos profissionais para que pudessem atuar como uma equipe corresponsável. No caso da unidade participante do estudo, não há PACS ou ESF. Houve PACS no passado, mas os profissionais não viam muito sentido para a atuação dos agentes comunitários naquele contexto, uma vez que o enfoque são as consultas médicas vistas como independentes da atuação dos agentes.

Pelo que foi possível notar, a unidade participante tem como objetivo oferecer agendamento de consulta em Clínica Médica, Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia, como era em seu início. Os profissionais chegam a verbalizar que a unidade tem como foco a prevenção, e descrevem: “ou seja, agendamento de consulta antes que a doença se instale”. Interessante notar que esse sentido sobre prevenção de doença e promoção da saúde se constrói de maneira bastante peculiar na interface com o discurso médico. Nesse contexto, essas palavras passaram a significar agendamento de consulta médica para prevenir doenças e, na visão dos profissionais, promover saúde não contempla outras práticas para além da consulta médica preventiva.

Além disso, a unidade tradicional oferece serviços como curativos, administração de medicamentos, coleta de exames, vacinação e farmácia para retirada de medicamentos. O enfoque nesse contexto são as consultas, os exames e medicamentos.

A unidade funciona, portanto, com base em um modelo médico, em que a responsabilidade pelos pacientes é atribuída ao médico. Esse aspecto contextual diz também sobre a estrutura organizacional que delimita as possibilidades de ação dos profissionais. Os auxiliares de enfermagem possuem um papel prioritário em receber os pacientes antes da consulta e orientá-los após a consulta, mas as decisões são tomadas pelo médico e são comunicadas para o paciente e auxiliar de enfermagem através de formulários, receitas e pedidos de exames preenchidos. No contexto da UBS tradicional, não há centralidade na atuação da equipe multiprofissional, mas sim na atuação do médico com auxílio dos demais profissionais.

Como não é previsto um trabalho e responsabilização da equipe, não há reuniões nesse contexto. As reuniões não são previstas ou cobradas como necessárias, como é o caso da unidade com Estratégia Saúde da Família que funciona a partir da atuação da equipe multiprofissional. O revezamento dos profissionais é também um fator que influencia nesse aspecto de não haver reunião com todos. Esse revezamento se deve ao horário de

funcionamento da unidade e ao contrato de horas dos profissionais que corresponde, em sua maioria, a 30 horas semanais.

Assim, o horário de funcionamento é também um aspecto contextual importante, pois diferente do Núcleo, a Unidade Básica não fecha para o almoço ou para reuniões de equipe. Ela funciona das 7h às 17h, e para que isso aconteça, há o revezamento de duas equipes de profissionais. Não há, portanto, a possibilidade de haver reunião com todos, nem no horário de almoço, pois eles se revezam tanto para almoçar, quanto para trabalhar, em que uma parte inicia logo cedo e sai no início da tarde, e a outra parte inicia no final da manhã e sai no final da tarde. Sendo assim, o horário de funcionamento também não oferece subsídio mínimo para que ocorra uma reunião com a participação de todos. Dessa forma, a cultura pouco compartilhada se mantém.

Outro aspecto contextual corresponde à organização do espaço físico da unidade, ou ambiência. Sua disposição encontra-se ao redor de um grande pátio em cujo centro há um banco de concreto que atravessa o salão. Ao redor desse pátio, há várias portas, que correspondem às salas de atendimento, de curativo, de medicação, sala do dentista, sala das enfermeiras, sala da gerente, banheiros, recepção e acesso para a cozinha. Não há uma sala grande onde caibam todos os profissionais no caso de haver uma reunião. Na área externa, o quintal é amplo, mas a farmácia estava sendo construída no momento da pesquisa. Há também no pátio diversos murais com alguns informes, bebedouros, ventiladores e uma televisão que nem sempre está ligada. O movimento na unidade varia muito, em alguns momentos não há ninguém na sala de espera, já em outros há um grande número de pessoas a ponto de não se ter espaço para que todos aguardem sentados. Nos momentos de maior movimento, o barulho é intenso e o espaço torna-se muito pouco confortável, pois significa muito tempo de espera com pouca estrutura. Não há um espaço específico para as crianças, em geral, elas ficam por ali correndo, ou sentadas com os pais. Esse fator pode ser uma consequência do número de habitantes da área de abrangência da unidade. Em 2010 foram estimados, pelo censo IBGE, 12.331 habitantes na área, em comparação à 2.227 habitantes na área de abrangência do NSF (Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, 2018).

Consideramos que apontar essas diferenças contextuais e suas implicações para a manutenção das culturas organizacionais observadas nos auxilia a analisar e discutir os resultados apresentados a seguir. Cada contexto possibilita a construção específica de um modelo prático de gestão que, nem sempre, pode funcionar de maneira compartilhada (conforme indicam as cartilhas do Ministério da Saúde quanto a esse tema, sobretudo a partir do princípio da transversalidade), devido às limitações da estrutura organizacional do local.

Da mesma maneira, cada contexto possibilitou a construção de uma entrevista (inclusive com relação ao seu processo de funcionamento) e de um entendimento sobre o que vem a ser uma gestão humanizada.