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4 FUNDAMENTOS DO DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS

4.3 O argumento da formação do Estado Fiscal

4.3.3 Análise do Estado Fiscal como base do dever fundamental de pagar impostos em

Entendido que os impostos seriam tributos com maior relevância para a formação de uma organização estatal, passa-se a análise do Estado Fiscal. O Estado Fiscal configuraria a maioria dos países por não possuírem recursos próprios para manutenção, dependendo dos impostos para financiar atividades relativas ao interesse coletivo, como segurança, saúde, ensino básico, entre outros.

Nesse tipo de Estado, haveria uma série de finalidades públicas que apenas poderiam ser custeadas pelos impostos (como a segurança, coleta de lixo, entre outros), sendo inviável quantificar a utilização da atividade estatal por cada indivíduo. No Estado Fiscal, em algumas atividades passíveis de mensuração individual, isto é, atividades as quais poderiam ser cobradas por taxas através da contraprestação do serviço, haveria o compromisso constitucional pela prestação de forma gratuita (como a saúde) ou, pelo menos, a custo reduzido (como pagamento mínimo pela utilização de água em lugares mais pobres). O próprio José Casalta Nabais afirma que a mensuração do valor cobrado pelas taxas não seria o valor real da atividade, mas através de uma relação de proporcionalidade entre a prestação do Estado e a contraprestação do indivíduo. Por isso que muitas taxas consideram o bem objeto de serviço público e não o custo do serviço, como as taxas judiciais, calculadas pelo valor da ação que não reflete necessariamente na complexidade do serviço prestado180.

Nos impostos, o quantum a ser dispendido considera a capacidade contributiva, que basicamente conclui que se deve cobrar mais daqueles que possuem maior riqueza, exigindo o mínimo possível dos que conseguem apenas custear sua subsistência.

Seria inviável um Estado Fiscal sem que houvesse a previsão de impostos, mesmo que não seja encarado como um dever pela população. A convivência social pressupõe a obediência a algumas regras e previsão de direitos, como propriedade, educação, saúde que dependem de dinheiro. Sem tributo não existiria Estado, sem Estado a sociedade não estaria no grau de evolução hoje encontrado.181

Jose Casalta Nabais identifica o Estado português como Estado Fiscal por algumas características, já que não há disposição expressa nesse sentido. A primeira seria a previsão de extensa gama de direitos fundamentais que resta impossível de ser cumprida através de outro

180 In: O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 263.

181 ALVES, Marina Vitório. O dever de pagar tributos: garantia da vida em sociedade. Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 206-221, jul/ dez. 2011, p. 217-219.

tributo que não seja os impostos. As taxas, dentro de um Estado tributário, não seriam uma alternativa apta a viabilizar todos os direitos dos indivíduos. Além dos direitos, apenas com a prescrição de uma rede de impostos seria possível satisfazer as necessidades financeiras do Estado. Por fim, a escassez em que as taxas e demais tributos são dispostos na Constituição, o que não conseguiria dá suporte ao financiamento estatal.182

Da mesma forma o Brasil não possui prescrição expressa sobre sua natureza fiscal. As características descritas para Portugal seriam idênticas às encontradas na Constituição brasileira. Primeiro a previsão de extensa lista de direitos fundamentais e liberdades econômicas183. Segundo, as despesas gerais do Estado são suportadas através dos impostos conforme o disposto no art. 167, inc. IV da CF184, em que proíbe a vinculação das receitas dos impostos, a não ser as determinadas pela Constituição como saúde e educação. Terceiro, as taxas prescritas na Constituição Federal são apenas autorizadas no art. 145, inc. II da CF, enquanto que há discriminação dos impostos por ente federado.

Difícil basear o Estado Fiscal na prescrição de uma variedade de direitos fundamentais, que deverão ser custeados pelos impostos, por haver uma certa incongruência. A diversidade de direitos pode ser custeada pelas taxas, desde que a população possua riqueza suficiente para dividir os valores. Configurar-se-ia um Estado Tributário em que os direitos fundamentais seriam custeados diretamente por aquele que estaria usufruindo. A concepção, teoricamente, seria bem simples, com a diminuição dos impostos restaria mais recursos para o custeio direto de cada serviço estatal.

Se os direitos fundamentais não seriam o fundamento do Estado Fiscal, qual seria então? Do ponto de vista da dogmática, as normas que definem se aquele Estado seria ou não Fiscal, estaria nas que definem as competências tributárias. Se as normas definem uma predominância pelos impostos, estar-se-ia diante de um Estado Fiscal. A resolução normativa seria bem mais simples, pois a análise perpassaria o sistema tributário do país objeto de estudo.

182 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 210-214. 183 LIMA NETO, Manoel Cavalcante de. Direitos fundamentais dos contribuintes: limitações constitucionais ao poder de tributar. Recife: Nossa Livraria, 2005, p. 122.

184 Art. 167. São vedados: (...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arre- cadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços pú- blicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Com relação ao Brasil, não seria a prescrição dos direitos fundamentais a base jurídica do Estado Fiscal e sim a definição pormenorizada de uma diversidade de impostos, definidos pela Constituição Federal por cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A complexidade no sistema tributário constitucional, o qual prescreve majoritariamente os impostos como tributos de maior relevância, possibilita a firmar que o Brasil seria configurado como Estado Fiscal.

Daí o entendimento que se há um Estado Fiscal, existiria um dever fundamental de pagar imposto em sentido lato. Como a configuração estatal teria como prevalência os impostos, aqueles que compõem a sociedade devem arcar com os valores como um dever basilar para a viabilização da sociedade.

Para viabilizar essa estrutura, os impostos seriam essenciais. Com a concepção de Robert Nozick seria possível entender o porquê que José Casalta Nabais especifica o dever fundamental vinculado aos impostos e não aos tributos de forma geral. O caráter redistributivo do valor entregue ao Estado sem que haja uma atividade diretamente vinculada à prestação, mantém a estrutura organizacional para toda a sociedade, independentemente de um cidadão específico ou um grupo de cidadão pagar ou não o imposto, com objetivo claro de viabilizar a existência e evolução daquela organização social.

A questão da justificação da prevalência de impostos em sentido lato e não de outros tipos de tributos estaria numa outra discussão, referente ao tamanho do Estado e como ele deve suportar o custo dos direitos fundamentais prescritos na Constituição. Com vista a não propiciar um estudo sincrético, define-se a configuração e o limite do Estado Fiscal de acordo as normas constitucionais de competência tributária. O problema dos custos direitos será analisado no próximo tópico.

4.4 Custo dos direitos como alicerce do dever fundamental de pagar impostos em