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4 FUNDAMENTOS DO DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS

4.3 O argumento da formação do Estado Fiscal

4.3.2 Diferença entre Estado financeiro e Estado patrimonial

Para José Casalta Nabais, após o absolutismo os Estados se configurariam como Estados Financeiros por terem suas necessidades materiais custeados através de dinheiro164. Interessante que ser “financeiro” independeria da estrutura do Estado, o que significa que essa característica não estaria sujeita diretamente à previsão de tributos. Alguns Estados seriam Financeiros sem a necessidade de ter um sistema tributário, por gerarem receita própria capaz de garantir a autossuficiência. José Casalta Nabais os define em três tipos: Estados produtores, empresariais e proprietários165. Exemplo de Estado produtor: países autossuficientes por produzirem e comercializarem petróleo; de Estado empresarial: desenvolvedores de atividades, como empreendedores de cassinos; por fim, o Estado proprietário caracterizado por se um Estado Socialista, onde não haveria propriedade privada, pois todos os bens pertenceriam ao órgão estatal166, sendo a riqueza produzida e compartilhada – em tese – para toda população.

Entender que o Estado socialista propõe um grau de intervencionismo maior ajuda a compreender que os Estados que possuem uma clara distinção com a sociedade teriam como pressuposto a democracia. Isso ocorreria pela necessidade da disponibilidade econômica dos indivíduos, a qual convoca o cidadão para participar da vida política do Estado na formulação de quais atividades serão desenvolvidas e com isso se possa limitar o quantum de patrimônio pessoal será compartilhado167. A liberdade do povo seria pressuposto para estabelecer

164 In: Op. cit., p. 192-193.

165 NABAIS, José Casalta. Op. cit., p. 192-193.

166 Para Cristiano Carvalho, a separação entre o Estado socialista e a sociedade existiria, mas não de forma clara. Como nesse tipo de Estado não haveria a propriedade privada, todos os bens pertenceriam ao órgão central, o que levaria a certa confusão econômica entre Estado e sociedade. Contudo, o que ocorre seria maior grau de intervencionismo na economia e na distribuição de renda por parte do Estado, mas ainda existiriam espaços privados para os indivíduos. (In: Teoria da decisão tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 158.)

limitações ou deveres relacionados à criação e configuração dos tributos, admitidos de maneira a não causar danos sociais.

Para esse trabalho, o Estado que não dependa de tributo para a manutenção de sua estrutura será denominado Estado patrimonial168. Expressão cunhada para caracterizar o Estado Absoluto em que haveria confusão entre patrimônio do rei e do Estado, cujas atividades estatais praticamente eram suportadas pelo monarca169. Fazendo um paralelo, todos os tipos de Estado patrimonial, apontados por José Casalta Nabais, teriam como característica possuir patrimônio suficiente para desenvolver as finalidades públicas, sem necessitar de recursos de terceiros.

Estados patrimoniais não seriam comuns. Em regra, os Estados não possuem meios próprios de subsistência e necessitam de recursos provenientes da partilha da riqueza produzida pela sociedade. Esses recursos seriam adquiridos com o pagamento de tributos, principalmente de impostos em sentido lato.

José Casalta Nabais classifica Estado financeiro, dependente de tributos, em Estado Fiscal ou Tributário170, tendo como critério o tipo de tributo que prevalece no ordenamento jurídico171. Como já pontuado, para o autor português, haveria basicamente dois tipos de tributos: impostos e taxas. A diferença entre os dois estaria na existência ou não de uma atividade estatal diretamente vinculada à obrigação tributária. Se não há contraprestação estatal direta que motive o pagamento do tributo, estar-se-ia diante de um imposto, como os existentes sobre a renda ou propriedade dos indivíduos. Caso o tributo esteja vinculado a uma atividade estatal seria exigida uma taxa172, como por exemplo, valor pago pelo fornecimento de energia elétrica pelo Estado, cuja exigência está condicionada a prestação da atividade.

Como haveria apenas dois tributos, o Estado seria denominado Fiscal se majoritariamente fosse financiado por impostos e Estado Tributário quando houvesse a predominância de taxas. Sintetiza Marianna Martini Motta:

168 Não se encontra em José Casalta Nabais uma definição, de forma sistemática, para esse tipo de Estado. Quan- do quer ser referir ao Estado financeiramente autossuficiente, o denomina de Estado patrimonial ou proprietário. (In: Op. cit., p. 195; 211; 212.)

169 CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos: no estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 57.

170 Douglas Yamashita, diferente de José Casalta Nabais, utiliza a expressão Estado Tributário como dependente de tributos em contraposição à expressão Estado Socialista-Empresarial, o qual seria autossuficiente, concepção baseada na obra “Steuerstaat als Staatsform” de Josef Isensee. (In: Princípio da solidariedade em direito tributá- rio. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 60-61.)

171 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 199. 172 NABAIS, José Casalta. Op. cit., p. 252.

A distinção, conforme se depreende do exposto, entre estado fiscal e estado tributá- rio reside na dicotomia clássica entre tributo não contraprestacional e tributo contra- prestacional, ambos são formas de arrecadação financeira pelo estado. Se o tributo for de natureza contraprestacional, ter-se-á taxa ou contribuição e, respectivamente, um estado tributário, se não tiver natureza contraprestacional, ter-se-á imposto e, consequentemente, um estado fiscal.173

Novamente cabe ressaltar que análise será feita com base na doutrina de José Casalta Nabais. No Brasil, além dos impostos e as taxas, haveria a configuração de outros tipos de tributos, todavia, segundo o autor português, de relevância menor, por serem incapazes de predominarem num Estado. O ordenamento pátrio, por exemplo, classificação dos tributos consideraria pode chegar até cinco espécies: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Os três últimos tributos, segundo a doutrina de José Casalta Nabais, estariam classificados ou como impostos ou taxas a depender da existência ou não de atividade do Estado. Assim, a contribuição de melhoria seria um tipo de taxa, já que haveria uma atividade estatal que ensejou no tributo: obra pública que valorizou o imóvel do contribuinte, por exemplo.

Para José Casalta Nabais:

(…) entre nós, é de referir que não tem tradição a divisão tripartida em causa, tendo a doutrina rejeitado, em geral, qualquer autonomia ou relevo próprio às contribui- ções especiais, que são impostos em que os factos tributários apresentam uma confi- guração algo singular, quando comparados com os factos tributários dos impostos em geral, expressa na vantagem económica reflexa, no caso das contribuições de melhoria, e na provocação de maiores despesas para a administração, no caso das contribuições por maiores despesas. Trata-se assim de um tipo de impostos e não de uma categoria intermédia entre o imposto e a taxa, que mereça qualquer tratamento jurídico próprio, mormente jurídico-constitucional.174

Como o presente trabalho tem como objetivo a análise do dever fundamental fiscal, segundo a doutrina do autor português, ressalta-se que a palavra imposto no sentido amplo, considera todos os tributos não vinculados a uma prestação estatal, o que incluiria as contribuições especiais brasileiras ou qualquer outra cobrança tributária assim configurada.

O Estado Tributário seria constituído majoritariamente de tributos bilaterais175, em que existiria uma relação sinalagmática entre cidadão, que desfruta de determinado serviço, e o Estado, através do custeio direto mediante o tributo. A bilateralidade demonstra que aquele objetivo social seria realizado e cobrado a medida da utilização pelo cidadão. Assim, quem se

173 MOTTA, Marianna Martini. Do poder de tributar ao dever fundamental de pagar impostos: a via da efetivação dos direitos sociais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 45, set 2007. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=2252>. Acesso em 20 ago 2013.

174 In: O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 256.

utilizaria da rede pública de fornecimento de água, por exemplo, paga o valor do tributo (taxa), a fim de custear a atividade, na proporção de sua utilização.

O dever fundamental relacionado ao pagamento de tributo resta difícil de configurar num Estado Tributário, pois não haveria uma redistribuição de renda pelo Estado, a fim de diminuir as desigualdades sociais. Para Marianna Martini Motta, o “Estado Tributário poderia levar os menos favorecidos, por não disporem de recursos financeiros suficientes para obterem tais serviços – legítimo sistema „pay-per-use‟ – a ficarem à margem da sociedade, revelando-se como um meio de exclusão social”176.

Já no Estado Fiscal, os tributos serão majoritariamente unilaterais, por não necessitar de atividade Estatal para a cobrança177. O fato gerador do tributo seria do contribuinte. Os serviços públicos até poderiam ser divididos com os cidadãos de melhor condição financeira, atribuindo importante papel as taxas, mas a legislação encarrega aos impostos de financiar setores como segurança, ensino básico, saúde178.

Novamente a ideia de limitar o dever apenas aos impostos aparenta certa incongruência com o ordenamento jurídico brasileiro devido a importância das contribuições especiais no sistema tributário. Para ilustrar, conforme relatório de arrecadação da Receita Federal, no ano de 2014, sem considerar a Contribuições sobre Lucro Líquido (CSLL) cujo valor estaria junto com o imposto de renda, cerca de 52% da arrecadação é feita através de contribuições179.

Contudo, desconsiderando outras características específicas dessa espécie tributária, as contribuições especiais no Brasil são exigidas sem a necessidade de uma contraprestação estatal, possuindo a natureza de imposto para José Casalta Nabais. Assim, quando o presente trabalho se referir ao dever fundamental de pagar impostos em sentido amplo, também englobará as contribuições especiais brasileiras.

176 In: Do poder de tributar ao dever fundamental de pagar impostos: a via da efetivação dos direitos sociais. In:

Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 45, set 2007. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=2252>. Acesso em 20 ago. 2013. 177 Em que pese os impostos serem tributos unilaterais mais comuns, haveria outros tipos que podem assumir essa característica. No Brasil, as contribuições sociais são cobradas através de fatos do contribuinte, o que con- tribuiria para sua qualificação como Estado Fiscal.

178 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 199-200. 179 MINISTÉRIO DE FAZENDA. Receita Federal do Brasil. Análise da arrecadação das receitas federais: Outubro de 2014. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/arre/2014 /AnaliseMensalout14.pdf>. Acesso em 30 dez. 2015, p. 5.

4.3.3 Análise do Estado Fiscal como base do dever fundamental de pagar impostos em