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6 DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS

6.5 A formação dogmática do dever fundamental de criar impostos em sentido lato

A análise da eficácia do dever fundamental de pagar impostos em sentido lato, na doutrina de José Casalta Nabais, causa algumas reflexões sobre a natureza do dever relacionado aos impostos.

O primeiro ponto destacável seria que as normas que contém o dever não seriam aplicadas diretamente aos cidadãos, visto que, em regra, não possuem conteúdo concretizável.

375 In: Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007, p. 68-69.

376 MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Op. cit., p. 59.

Os deveres fundamentais habilitariam o legislador a constituir leis, sendo o primeiro destinatário o Poder Legislativo378.

Essa característica seria encontrada no dever fundamental de pagar impostos em sentido lato, visto que apenas a lei seria instrumento para instituição dos tributos. A própria Constituição Federal do Brasil reafirma a necessidade legislativa no art. 150, inc. I:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Como visto, para José Casalta Nabais, os outros destinatários – Poder Judiciário, Poder Executivo – o dever fiscal seria efetivado através do cumprimento da lei criada pelo Poder Legislativo. O dever fundamental de pagar impostos surgiria como conformador da cobrança dirigido ao legislador, para que crie os impostos que deverão respeitar as limitações constantes na própria Constituição.

Da mesma forma que acontece com o Poder Executivo e Poder Judiciário, os deveres fundamentais seriam realizados pelos indivíduos através da lei. Enquanto a administração só aplicaria os deveres fundamentais já concretizados pela legislação, os cidadãos seriam obrigados a cumpri-los nos termos da legislação. Para os particulares, Poder Judiciário e administração pública, os deveres fundamentais seriam deveres legais e não constitucionais.

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Essa vinculação ao legislador e não ao contribuinte de forma direta traria certa confusão. Como se configurou o dever fundamental de pagar impostos em sentido lato, o adimplemento da obrigação remeteria ao contribuinte que seria destinatário do dever. Contudo, pela dogmática isso não ocorreria, pois o dever seria direcionado ao legislador.

Como exemplo, Cristina Pauner Chuvi declara que devido ao tratamento constitucional que recebe as normas fundamentais, seria preferível o termo dever a obrigação para atribuir maior força a sua exigência, bem como relacionar ao seu termo moral380. Seria isso encontrado no dever fundamental de pagar imposto em sentido lato, que se relacionaria com o sua ideia moral de obrigação de todos em contribuir para o Estado, mas com eficácia restrita ao legislador, pela dogmática jurídica.

378 NABAIS, José Casalta. Por um Estado Fiscal suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005, p. 19-20.

379 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 161-163.

380 In: El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. 2000. 699 f. Tese (Dou- torado em Direito) - Facultad de Ciencias Jurídicas y Económicas, Universitat Jaume I, Castellón-ES. 2000, p. 24.

Ora, se o dever existiria para corroborar o legislador na criação de impostos de forma direta, o pagamento do tributo não seria objeto central e sim a criação da lei tributária. Mesmo que a lei tenha a importância na formação do imposto para ser exigido pelo Estado, essa atuação reflexa não seria primordial para a configuração de um dever de pagar imposto em sentido lato.

Na verdade, dentro da doutrina de José Casalta Nabais, pela dogmática jurídica se configuraria um dever fundamental de criar impostos em sentido lato pelo legislador, tendo em vista que o Estado não possui meios de se autossustentar e os impostos seriam manifestações da solidariedade social.

Entender que o dever seria de criar o tributo acarreta em reflexos diversos do que tratado pelo autor português. Do ponto de vista prático, a mudança de enfoque possibilitaria compreender pela obrigatoriedade da prescrição dos impostos contidos na Constituição. Se o dever fundamental se dirige ao Estado, que deve instituir os impostos uniformemente, para que haja a repartição de equânime dos gastos públicos, geraria um direito ao contribuinte em exigir que haja a instituição de todos os impostos.

O cidadão exerceria o direito à repartição da riqueza produzida pelos indivíduos vinculados ao Estado, através do processo legislativo de iniciativa popular381 para a formação de impostos, a fim de que não haja desequilíbrio na repartição da carga tributária. A Constituição Federal do Brasil possibilita o início do processo legislativo através de projeto subscrito pela parcela do eleitorado brasileiro desde que a matéria não seja iniciativa privativa de algum ente. Como o tributo não possui essa restrição, o direito relativo ao dever de criar tributo seria exercido através desse processo legislativo.

Como exemplo, o imposto sobre grandes fortunas, cuja competência para instituição cabe a União nunca foi exercida através da instituição de lei complementar competente. Como existiria um dever por parte do legislativo na instituição dos impostos, haveria o direito do cidadão em iniciar o processo legislativo, para que o Estado tenha acesso à riqueza destacada na Constituição e melhor equilibre a carga tributária. Antes da discussão de implementação de qualquer imposto em sentido lato – como as contribuições especiais, prevista na Constituição Federal – seria possível a manifestação popular para que o Poder Legislativo cumpra seu dever fundamental de criar impostos em sentido lato em setido lato, instituindo todos aqueles que estão previstos na Carta Magna.

381Art. 61 (…) § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Portanto o dever fundamental seria de criar impostos dirigidos ao legislador para viabilizar a manutenção e a implementação de todos os objetivos contidos na Constituição Federal.