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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. ANÁLISE FÍSICO-QUÍMICA E DA ROTULAGEM NUTRICIONAL

Na análise física, foram utilizadas nove diferentes marcas de Ração Humana, pois uma das marcas já não estava mais disponível no mercado quando foi realizada a análise.

Os resultados da análise física são apresentados na Tabela 3. A acidez média encontrada nas amostras foi de 1,06 ± 0,34 ml%, variando de 0,54 ml% a 1,47 ml%. O valor médio de pH foi de 6,11 ± 0,2, variando de 5,0 a 6,3, ou seja, as amostras mostraram-se ácidas. Estes resultados foram similares aos encontrados por outros pesquisadores (AZEREDO, BOAVENTURA, CARMO, 1999; KAMINSKI et al., 2006; WEBER et al., 2002a,b) ao estudarem a multimistura e farinha de aveia.

Todas as amostras de ração humana estudadas apresentaram resultado positivo para a pesquisa de ranço, tendo apresentado coloração de rósea a vermelha, sendo que em algumas delas com forte intensidade, o que corrobora os resultados de acidez, que pode estar caracterizando a deterioração do conteúdo lipídico. O ranço consiste em modificações de ordem físico-química, que podem alterar as características sensoriais de um alimento (SALINAS, 2002), implicando no aparecimento de sabores e odores anômalos, além de limitar o tempo de conservação de muitos alimentos (ORDÓÑEZ, 2005). Isto pode ser explicado pelo fato da ração humana ser composta por alimentos ricos em ácidos graxos insaturados (linhaça), que devido à presença de duplas ligações em sua estrutura tornam-se suscetíveis à oxidação (EVANGELISTA, 2008). Estudos semelhantes realizados com cereais e produtos que o contém, mostram variabilidade nos resultados (AZEREDO, VENTURA,

CARMO, 1999; KAMINSKI et al., 2006; WEBER et al., 2002a,b), o que pode estar relacionado às condições de preparo e armazenamento dos mesmos.

Não foi possível realizar a análise da composição física da marca 4 pois esta já não estava mais disponível no mercado.

Tabela 3: Resultado das análises físicas das marcas de Ração Humana

Marcas Acidez Álcool-solúvel (%) pH Ranço

1 0,70 5,9 ( + ) 2 1,26 5,9 ( + ) 3 0,54 6,5 ( + ) 4* - - - 5 1,28 6,0 ( + ) 6 0,64 6,3 ( + ) 7 1,47 6,2 ( + ) 8 1,32 6,1 ( + ) 9 1,26 6,1 ( + ) 10 1,05 6,0 ( + ) Média ± DP 1,06 ± 0,34 6,11 ± 0,2 ( + )

*A marca já não estava disponível no mercado.

Na análise química foram comparadas as informações contidas nos rótulos com os resultados obtidos através das análises no LABNE das 10 (dez) marcas. Os resultados das análises químicas são mostrados na Tabela 4.

Tabela 4: Comparação da Composição química centesimal (g/100g) das 10 (dez) marcas de Ração Humana

Marcas Carboidratos Extrato Etéreo Fração Protéica Umidade Cinzas Total Valor Energético LABNE Rótulo LABNE Rótulo LABNE Rótulo LABNE Rótulo LABNE Rótulo LABNE Rótulo LABNE Rótulo 1 64,22 62,2 3,20 18,53 19,14 28,93 9,69 9,18 3,75 3,20 100,0 122,04 362,24 442,2 2 60,54 20,0 7,59 5,33 18,55 7,3 10,18 9,18 3,14 3,20 100,0 45,01 384,67 250,0 3 58,86 48,5 12,21 15,0 17,7 21,0 8,27 9,18 2,96 3,20 100,0 96,88 416,13 390,0 4 57,12 55 8,54 12,0 22,87 18,5 8,34 9,18 3,13 3,20 100,0 97,88 396,82 395,0 5 67,42 36,66 3,0 8,33 17,3 12,33 9,37 9,18 2,91 3,20 100,0 69,7 365,88 263,3 6 65,85 55,0 4,57 12,0 18,41 18,0 8,19 9,18 2,98 3,20 100,0 97,38 378,17 345,0 7 62,51 55,0 8,96 12,0 15,6 18,5 9,35 9,18 3,58 3,20 100,0 97,88 393,08 395,0 8 63,78 55,0 2,66 12,0 16,12 18,5 14,41 9,18 3,03 3,20 100,0 97,88 343,62 395,0 9 60,78 50,0 11,94 15,0 17,39 20,0 6,71 9,18 3,18 3,20 100,0 97,38 420,14 405,0 10 61,0 53,33 11,61 6,66 16,63 24,0 7,34 9,18 3,42 3,20 100,0 96,37 415,01 370,0 Média ± DP 56,81 ± 17,93 49,07 ± 12,16 7,43 ± 3,84 11,69 ± 4,03 17,97 ± 2,04 18,71 ± 5,88 9,18 ± 2,13 9,18 3,20 ± 0,28 3,20 100,0 91,84 ± 20,58 387,58 ± 25,57 365,05 ± 62,25

Os rótulos não informam a quantidade relativa à umidade e cinzas. Portanto, para que fosse possível fechar a composição centesimal (somatório de carboidratos, extrato etéreo, fração protéica, umidade e cinzas) das informações contidas no rótulo, utilizou-se a média de umidade e cinzas obtidas na análise do LABNE.

Segundo a Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados, a rotulagem nutricional é toda descrição destinada a informar ao consumidor sobre as propriedades nutricionais de um alimento e compreende: 1) a declaração de valor energético e nutrientes e 2) a declaração de propriedades nutricionais (informação nutricional complementar).

Esta mesma legislação admite uma tolerância de + 20% com relação aos valores de nutrientes declarados no rótulo, porém os valores de lipídeos das marcas 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 são superior aos 20% permitidos e as marcas 2 e 10 apresentam valores inferiores a - 20%. Com relação aos valores de proteína das marcas 1 e 10 são superior aos + 20% permitidos e as marcas 2 e 5 apresentam valores inferiores a - 20% (Tabela 5). Sendo assim, pode-se afirmar que todas as 10 (dez) marcas analisadas apresentam valores de nutrientes declarados nos rótulos não adequados com o previsto na legislação.

As marcas 1, 2 e 5 apresentaram graves erros no fechamento da composição centesimal (somatório de carboidratos, extrato etéreo, fração protéica, umidade e cinzas).

Com relação ao valor energético, segundo a Resolução RDC Nº 360, de 23 de dezembro de 2003 - Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados, este deve ser calculado utilizando-se os seguintes fatores de conversão: Carboidratos: 4 kcal/g; Proteínas: 4 kcal/g e Gorduras: 9 kcal/g. Porém ao ser feita a conversão, observou-se que as marcas 1, 2, 5, 6, 8 e 10 apresentaram diferenças significativas, superiores a 5%, quando comparado aos valor obtidos através da análise no LABNE.

Tabela 5: Análise de lipídeo total e proteína (g/100g): comparação e percentual de adequação entre os valores descritos no rótulo e os valores obtidos no LABNE

Marcas

Lipídio total Proteína

LABNE (g) Rótulo (g) Percentual de Adequação (%) * LABNE (g) Rótulo (g) Percentual de Adequação (%) 1 3,20 18,53 + 479,06 19,14 28,93 + 51,15 2 7,59 5,33 - 29,78 18,55 7,3 - 60,65 3 12,21 15,0 + 22,85 17,7 21,0 + 18,64 4 8,54 12,0 + 40,52 22,87 18,5 - 19,11 5 3,0 8,33 + 177,67 17,3 12,33 - 28,73 6 4,57 12,0 + 162,58 18,41 18,0 - 2,23 7 8,96 12,0 + 33,93 15,6 18,5 + 18,59 8 2,66 12,0 + 351,13 16,12 18,5 + 14,76 9 11,94 15,0 + 25,63 17,39 20,0 + 15,01 10 11,61 6,66 - 42,64 16,63 24,0 + 44,32

Valores em negrito não estão adequados aos “+ 20%” tolerados pela legislação – RDC 360/2003.

Ao observar a rotulagem e as informações nutricionais correspondentes e confrontá-las com a legislação vigente, pode-se observar que as marcas 2, 5 e 10 apresentavam informações incompletas referentes à porção do produto (não informa unidade de medida), a ausência de medida caseira e erro na informação do valor de referência da caloria diária da dieta, onde ao invés de utilizar como valor de referência uma dieta de 2.000 kcal, é utilizada uma dieta de 2.500 kcal (Figuras 3, 4 e 5). As marcas 1, 5 e 10 não apresentaram como parte da informação nutricional a seguinte frase: “Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas”. Além disso, foi observado que as marcas 1, 2, 4, 5 e 10 não apresentavam a nomenclatura correta para descrever a quantidade energética total da porção, ou seja, “Valor energético”, utilizando incorretamente as palavras “Calorias” e “Valor Calórico”. Essas mesmas marcas também não apresentavam o valor energético expresso em “kJ” (quilojaule), como determina a RDC n° 360/2003 (ANVISA, 2003).

Figura 3: Rótulo da marca 2

Figura 4: Rótulo da marca 5

Figura 5: Rótulo da marca 10

Não informa unidade de medida e medida caseira.

Não informa medida caseira.

Apresenta erro na informação do valor de referência da caloria diária

da dieta - 2.500 kcal, ao invés de 2.000 kcal.

Quanto à obrigatoriedade de apresentar a concentração dos macronutrientes contidos no produto alimentício, todas as marcas obedeciam à legislação informando os valores de energia total, carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fibra alimentar e sódio.

Os resultados mostraram que seis (6) amostras analisadas não apresentaram composição energética fidedigna, o que leva o consumidor a obter informações erradas sobre o produto. Além disso, quatro (4) das amostras não apresentam informações corretas sobre porção, medida caseira, caloria diária da dieta e a frase relacionada às necessidades energéticas individuais.

Segundo a Lei n° 8.543, de 23 de dezembro de 1992, todos os rótulos e embalagens de alimentos industrializados que contenham glúten, como trigo, aveia, cevada, malte e centeio e/ou seus derivados, deverão conter, obrigatoriamente, advertência indicando a presença deste composto, a fim de evitar a doença celíaca ou síndrome celíaca. Porém as marcas 1, 6 e 10 não apresentam esta informação, apesar de conterem um ou mais dos alimentos mencionados anteriormente.

Por se tratar de um produto relativamente novo no mercado e ainda carente de informações e pesquisas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através do Informe Técnico nº 46, de 20 de maio de 2011 teve por objetivo “prestar esclarecimentos sobre o enquadramento e a necessidade de registro de produtos, quando houver, que vêm sendo comercializados como “Ração Humana”, bem como alegações comumente veiculadas nos rótulos e material publicitário”. Este informe tornou-se necessário em função das controvérsias relacionadas aos produtos comercializados com a denominação “RAÇÃO HUMANA”.

Sendo assim, ainda segundo o I.T. nº 46, de 20 de maio de 2011 “o produto não pode ser designado como “Ração Humana”, uma vez que esta denominação não indica a verdadeira natureza e as características do alimento. De acordo com o item 2.9 da Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002, a denominação de venda do alimento é o nome específico e não genérico que indica a verdadeira natureza e as características do alimento e será fixado no Regulamento Técnico específico que estabelecer os padrões de identidade e qualidade inerentes ao produto”.

Desta forma, caso o produto seja composto apenas por uma mistura de cereais, amidos, farinhas e farelos devem atender à Resolução RDC nº 263, de 22 de setembro de 2005, que estabelece as características mínimas de qualidade a que devem obedecer tais produtos. Porém, caso o produto contenha outros ingredientes, além de cereais, amidos,

farinhas e farelos, contemplados pela Resolução RDC nº 263, como é o caso de todas as marcas analisadas, que contém, por exemplo, guaraná em pó, gelatina em pó, cacau em pó e/ou gergelim, estes devem ser enquadrados na categoria de misturas para o preparo de alimentos e alimentos prontos para o consumo, que é regulamentada pela Resolução RDC nº 273, de 22 de setembro de 2005. Além disso, caso a empresa deseje utilizar alegação de propriedade funcional e ou de saúde em seu rótulo e ou material publicitário, o produto deve ser enquadrado na categoria de alimentos com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde, regulamentada pelas Resoluções ANVISA nº 18 e nº 19, de 30 de abril de 1999.

A necessidade de registro de um produto alimentício depende de sua categoria de enquadramento. As categorias de alimentos com obrigatoriedade e isentas de registro estão dispostas na Resolução RDC nº 27, de 6 de agosto de 2010. Produtos que atendem à Resolução RDC nº 263 e à Resolução RDC nº 273 estão isentos de registro, conforme disposto no Anexo I da Resolução RDC nº 27. Para estes produtos, a empresa deve protocolar o “Comunicado de Início de Fabricação” no órgão de vigilância sanitária local, conforme dispõe a Resolução nº 23, de 15 de março de 2000. Por outro lado, o produto terá registro obrigatório caso se enquadre nas categorias de novos alimentos (Resolução nº 16 de 30 de abril de 1999) ou de alimentos com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde (Resoluções nº 18 e nº19), conforme dispõe o Anexo II da Resolução RDC nº 27.

Nenhuma das marcas analisadas apresenta registro na ANVISA, inclusive algumas delas (marcas 1, 2, 5, 8 e 9) apresentam no rótulo a seguinte informação: “Produto isento de registro na ANVISA, conforme Resolução nº 23 de 15/03/2000 e/ou Resolução RDC nº 278 de 22/09/2005”. Porém a marca 10 apresenta alegações de propriedades funcionais e ou de saúde: “Indicações: emagrecimento, manter o peso, aumentar a resistência orgânica, regular a flora intestinal, desintoxicar o organismo, tratamento complementar da menopausa, etc.” (Figura 6). Neste caso, o produto é de registro obrigatório por se tratar de um alimento com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde (Resoluções nº 18 e nº 19), conforme dispõe o Anexo II da Resolução RDC nº 27. Além disso, a marca 10 também apresenta em seu rótulo as seguintes informações: “Recomendado substituir o café da manhã por duas colheres de sopa de ração humana com vitaminas, sucos, iogurtes ou leite” e “Consumindo regularmente poderá perder até 4 kg por mês” (Figura 7), porém segundo o I.T. nº 46 não estão permitidas alegações relacionadas a emagrecimento ou declarações que indiquem o uso do produto para substituir refeições, tais como: “sacia a fome”, “ajuda a emagrecer e manter o peso”, “auxilia no emagrecimento”, “o ideal é que pelo menos uma das refeições seja substituída pelo produto”. Alimentos que se destinam a substituir refeições, com a finalidade

de auxiliar o controle de peso, devem cumprir com as disposições da Portaria SVS/MS nº 30, de 13 de janeiro de 1998. Estes produtos, considerados alimentos para fins especiais, são formulados e elaborados de forma a apresentar composição definida e adequada para suprir parcialmente as necessidades nutricionais do indivíduo e são destinados a auxiliar a redução, manutenção e ou ganho de peso corporal.

Figura 6: Informação contida no rótulo da marca 10 – Alegação de propriedade funcional e/ou de saúde

Figura 7: Informação contida no rótulo da marca 10 – Modo de usar com recomendação de substituição pelo café da manhã e alegação de perda de peso

De acordo com os princípios de uma alimentação saudável, conforme o Guia Alimentar da População Brasileira (BRASIL, 2006), todos os grupos de alimentos devem compor a dieta diária. A diversidade dietética que fundamenta o conceito de alimentação

saudável pressupõe que nenhum alimento específico – ou grupo deles isoladamente – é suficiente para fornecer todos os nutrientes necessários a uma boa nutrição e consequente manutenção da saúde. Mesmo as dietas para perda ou manutenção do peso corporal, que exigem redução calórica, devem atender ao padrão alimentar e nutricional considerado adequado e o consumo de produtos com esta finalidade deve ser orientado por nutricionista ou médico. Sendo assim, a “Ração Humana” não deve ser utilizada para substituir refeições, conforme orientação veiculada pela mídia e pelo próprio fabricante.