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2 METODOLOGIA

2.5 ANÁLISE DE IMAGENS

Para o estabelecimento da representação da identidade racial negra no livro didático através da composição imagética, utilizei a técnica de leitura da imagem.

6 Tradução de Critical Discourse Studies (CDS): movimento científico interessado na formação de teoria

Analisar o discurso imagético através do olhar da Linguística Aplicada foi um dos motivos da escolha pelo Programa de Mestrado em Estudos da Linguagem. Para Manguel (2001, p.20) “a linguagem humana é feita de palavras que se traduzem em imagens e de imagens que se traduzem em palavras – ambas são matérias de que somos formados”. A linguagem para Hall (2016, p. 18) “é um dos ‘meios’ através do qual pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura”. E quando ocorrem encontros entre culturas, “é provável que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada” (BURKE, 2004, p. 155). Sendo assim, a elaboração do sentido que damos às coisas nos possibilita ter noção de nossa própria identidade.

Para Burke (2004, p. 17), “as imagens, assim como os textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular”, se constituem em evidências do passado. O autor trata da importância do recurso visual no trabalho historiográfico e oferece subsídios para o uso de imagens como fontes de pesquisa:

os testemunhos sobre o passado oferecidos pelas imagens são de valor real, suplementando, bem como apoiando, as evidências dos documentos escritos. É verdade que, especialmente no caso da história dos acontecimentos, elas frequentemente dizem aos historiadores que conhecem os documentos algo que essencialmente eles já sabiam. Entretanto, mesmo nestes casos, as imagens têm algo a acrescentar. Elas oferecem acesso a aspectos do passado que outras fontes não alcançam (BURKE, 2004, p. 233).

Para Burke toda imagem conta uma história (BURKE, 2004, p. 175), de modo que a composição de uma imagem comunica, se expressa, significa, transmite mensagens. As imagens auxiliam a percepção do que podem despertar e produzir a partir do que já se tem interiorizado em nosso convívio social e histórico. Aumont (1990, p. 77) reitera que o espectador mantém uma relação complexa com a imagem. Dessa forma, muitos fatores devem ser considerados, como a capacidade perceptiva, o saber, os afetos, as crenças, que estão diretamente ligadas a uma classe social, de uma determinada época, vinculada a uma cultura. Portanto, entende-se que a comunicação e a transmissão de conteúdos simbólicos fazem parte de um processo cultural, e a troca desses conteúdos significativos acontece por intermédio de sistemas de comunicação, desenvolvida pelas pessoas.

A ilustração e o projeto gráfico são partes constituintes do universo semântico dos livros didáticos, em conjunto com o texto verbal. Nesse sentido, se faz importante o entendimento acerca dos pressupostos norteadores da leitura imagética, para assim

poder incitar nos alunos o despertar para um entendimento crítico dessas composições. As imagens podem exercer, em relação ao texto verbal, diferentes funções, podendo ou não legitimar os significados do texto.

Para Jouve (2002), a leitura é um processo que envolve cinco dimensões: a neurofisiológica, que contempla a percepção, identificação e memorização de signos; a cognitiva, relacionada ao esforço de abstração que converte palavras em elementos de significação; a argumentativa, que analisa o texto enquanto discurso; a simbólica, que trata da interação da leitura com os esquemas culturais dominantes de um meio e de uma época; e a afetiva, relacionada ao processo de identificação emocional.

Uma vez que o destinatário tenha o olhar treinado para decifrar a linguagem simbólica constituinte das imagens, ele sai da esfera passiva da recepção, passando a questionar essas construções discursivas. A própria obra tem elementos que possibilitam essa leitura. Para Jouve (2002), a leitura apresenta-se como “antecipação, estruturação e de interpretação”. O sentido que se tira da leitura vai afetar o contexto cultural onde cada leitor evolui: “Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma época. A leitura afirma sua dimensão simbólica agindo nos modelos do imaginário coletivo quer os recuse quer os aceite” (JOUVE, 2002, p. 22).

As relações étnico-raciais no Brasil resultam de configurações de poder que se construíram histórica e socialmente (SILVA, 2009, p. 97). O enunciado “negro” ou “negra” carrega uma concepção identitária, que é sócio historicamente construída (MUNIZ, 2002, p. 101). A interpretação que se faz de textos e os sentidos que lhes são atribuídos resultam da formação do leitor, de maneira que o conhecimento acumulado, a postura diante do mundo, a história de vida influenciam nessa construção dos sentidos (SÁ, REMAEH, 2010). É preciso perceber os elementos de composição das imagens, que se tornam meios de veiculação de mensagens:

Entender, então, um pouco dessa composição proporciona uma noção de interpretação, mesmo que primária neste trabalho, pois há necessidade de aprofundamento desse conhecimento, de como uma obra é pensada e arranjada e como transmite suas mensagens e sentidos a partir da manipulação dos elementos visuais, sem o uso de palavras, mas simplesmente de símbolos que chegam ao cérebro por meio dos olhos do observador. (SOUZA, 2014, p. 137)

Se o/a aluno/a for capaz de ler os códigos que dão sentido aos discursos e conseguir perceber os elementos simbólicos que estigmatizam a identidade negra, o processo de perpetuação da imagem negativa associada ao negro pode ser interrompido.

Para Umberto Eco (2009), os códigos são sistemas de significação, e a noção de signo percorre processos de transformações (operações com signos), que se caracteriza como semiose (funções sígnicas), partilhados culturalmente. Dessa forma, a mediação semiótica é resultante da capacidade do ser humano em usar signos para classificar suas experiências pessoais. De acordo com Joly (2007), se denomina signo apenas quando este exprime ideias e suscita no receptor uma atitude interpretativa. Todo signo, enquanto processo semiótico, depende tanto do contexto da sua aparição como da expectativa do seu receptor. Segundo o autor, os signos são distinguidos pelo tipo de relação existente entre o significante (a face perceptível) e o referente (o representado, o objeto) e não o significado. Joly cita Peirce (1978) na classificação dos signos em três grandes tipos: ícone, indício e símbolo:

O ícone corresponde à classe dos signos cujo significante mantém uma relação de analogia com aquilo que ele representa, ou seja, com o seu referente. Um desenho figurativo, uma fotografia, uma imagem de síntese representando uma árvore ou uma casa são ícones na medida em que eles se assemelham a uma árvore ou a uma casa. [...] O indício corresponde à classe dos signos que mantém uma relação causal de contiguidade física com aquilo que eles representam. É o caso dos signos ditos naturais como a palidez para a fadiga, o fumo para o fogo, a nuvem para a chuva, mas também a pegada deixada por um caminhante na areia ou pelo pneu de um carro na lama. Por fim, o símbolo corresponde à classe de signos que mantém com o seu referente uma relação de convenção. Os símbolos clássicos, tais como as bandeiras para os países ou a pomba para a paz, entram nesta categoria, o mesmo sucedendo com a linguagem, considerada aqui como um sistema de signos convencionais (JOLY, 2007, p. 38-39).

Dentro dessa concepção, para Souza (2014), as imagens históricas utilizadas nos livros didáticos comunicam as concepções ideológicas através de sua composição, do uso de elementos que transmitem mensagens por meio de simbolismos que ocasionam interpretações diversas e influenciam as consciências. Importante ressaltar que, através da dinâmica com que o conteúdo imagético alcança os olhos e as consciências dos adolescentes, ainda não atentas à análise crítica, esses conceitos são apreendidos e reproduzidos.

Para Joly (2007, p. 47), “a tarefa do analista é precisamente a decifração das significações que a aparente naturalidade das mensagens visuais implica”. No contexto escolar e em se tratando da decodificação das narrativas imagéticas do livro didático, o papel de analista é atribuído, num primeiro momento, ao professor. A ele é direcionada a função de tirar os alunos da esfera passiva da recepção e os redirecionar como participantes nos processos de construção do significado na sociedade, permitindo a

possibilidade de posições de resistência aos discursos hegemônicos (LOPES, 2002, p. 55) e o estabelecimento da sua própria versão dos fatos, escapando das verdades prontas que as dinâmicas do poder os impõem. A percepção, por parte dos/as alunos/as, do discurso como construção social, possibilita a sua atuação crítica na recepção discursiva, e assim agir com determinação para afirmar o seu pertencimento.

Além da análise crítica acerca das imagens integrantes do livro didático, foi realizada uma investigação quantitativa dos personagens negros (constante no modelo do Anexo E), de maneira a tornar mais concreta a avaliação sobre a construção discursiva. A referida tabela, além de quantificar os personagens negros e brancos, ainda os segmentou por profissões representadas, para poder se estabelecer um diagnóstico acerca das intenções dessas constituições.